quinta-feira, dezembro 24, 2009

0102...2010

ESBOÇO DA PRÁTICA

Muitas estradas levam ao caminho(1), mas basicamente há apenas duas: prática e razão. Entrar pela razão significa perceber a essência através de ensinamentos e acreditar que todos seres vivos compartilham a mesma natureza verdadeira, a qual é dissimulada pela sensação e ilusão. Aqueles que saem da ilusão para a realidade, os que meditam defronte à parede(2) a ausência de dualismo, a unidade de mortalidade e sabedoria, e que permanecem impassíveis mesmo perante às escrituras estão em concordância completa e óbvia com a razão. Sem se moverem, sem esforços, eles entram, dizemos, pela razão.

Entrar pela prática refere-se as quatro práticas(3) levadas em consideração: sofrer injustiça, adaptar-se às condições, nada buscar e praticar o Dharma.

Primeiramente, sofrer injustiça. Quando aqueles que buscam o caminho encontram adversidades deveriam pensar: "por incontáveis eras eu tenho dedicado-me ao trivial em detrimento do essencial e vagueado em todo tipo de existência, raivoso sem motivo e culpado de inúmeras transgressões. Agora, embora eu não cometa erros, sou punido pelo meu passado. Nem os deuses nem os homens podem antever quando uma má ação frutificará. Aceito isso de coração aberto e sem reclamação". Dizem os sutras: "Quando você encontra adversidade não se exaspere, ela é justa". Com tal entendimento você está em harmonia com a razão. E sofrendo injustiça você entra no caminho.

Em segundo, adaptando-se às condições. Como mortais, somos regidos por condições e não por nós mesmos. Todo sofrimento e toda alegria que experimentamos depende de condições. Se devêssemos ser agraciados por algum grande prêmio, tal como fama ou fortuna, é o fruto da semente plantada por nós no passado. Quando mudam as condições, isso cessa. Por que deliciar-me com esta existência? Mas, enquanto o sucesso e o insucesso dependem de condições, a mente não cresce nem diminui. Aqueles que permanecem impassíveis perante os ventos da alegria silenciosamente seguem o Caminho.

Em terceiro, nada buscar. As pessoas estão iludidas. Estão sempre ansiando por algo –sempre, por assim dizer, buscando. Mas os sábios despertam. Eles escolhem a razão em vez dos hábitos. Eles fixam suas mentes no sublime e deixam seus corpos mudarem com as estações. Todos os fenômenos são vazios. Eles nada contêm que valha desejar. A Calamidade alterna-se com a Prosperidade(4). Habitar nos três reinos(5) é habitar numa casa em chamas. Ter um corpo é sofrer. Alguém com um corpo conhece a paz? Aqueles que compreendem isso desapegam-se de todas as coisas existentes e param de imaginar ou buscar algo. Os sutras dizem: "Buscar é sofrer. Nada buscar é encontrar a satisfação". Quando você nada busca, você está no Caminho.

Em quarto, praticar o Dharma(6). O Dharma é a afirmação de que todas as naturezas são puras. Através dessa verdade, todas aparências são vazias. Decadência e apego, sujeito e objeto não existem. Os sutras dizem: "O Dharma não inclui seres, pois o Dharma está livre da impureza do eu. "Aqueles que são sábios o suficiente para acreditar e entender esta verdade estão ligados à prática de acordo com o Dharma. E uma vez que isso é real, incluindo que nada vale a pena invejar, eles dão seus corpos, vidas e propriedades em caridade, sem lamentar e sem a vaidade do doador, do presente ou do presenteado. E, para eliminar impurezas, eles ensinam, mas sem apegarem-se à forma. Assim, através de sua própria prática, eles são capazes de ajudar pessoas e glorificar o Caminho da Iluminação. E, assim como a caridade, eles também praticam as outras virtudes. Mas enquanto praticam as seis virtudes(7) para eliminar a ilusão, eles nada praticam. Isso é conhecido por "praticar o Dharma".

Glossário e notas

1. Caminho. Quando o budismo foi para a China, a palavra tao era usada para traduzir Dharma e Bodhi. A causa parcial era que o budismo era visto como uma versão estrangeira do taoismo. Em seu "Sermão do Ciclo da Vida", Bodhidharma diz: "O Caminho é zen".

2. Parede. Depois de chegar à China, Bodhidharma passou nove anos em meditação em frente à parede de uma caverna próxima ao Templo de Shaolin. A parede de vazio de Bodhidharma liga todos os opostos, incluindo eu e o outro, mortal e sábio.

3. Quatro práticas. São uma variação das quatro nobres verdades: toda existência é marcada por sofrimento; o sofrimento tem uma causa; a causa pode terminar; e o caminho para terminá-la é o óctuplo caminho da visão correta, pensamento correto, fala correta, ação correta, modo de vida correto, devoção correta, atenção correta e zen correto.

4. Calamidade e Prosperidade. Duas deusas, responsáveis por má e boa sorte, respectivamente. Elas aparecem no capítulo doze do Sutra do Nirvana.

5. Três reinos. O equivalente psicológico budista do mundo cosmológico triplo bramânico de bhur, bhuvah e svar, ou terra, atmosfera e céu. O mundo triplo budista inclui kamadhatu, ou o reino do desejo – os infernos, os quatro continentes do mundo humano e animal, e os seis paraísos do prazer; rupadhatu, ou o reino da forma – os quatro paraísos da meditação; e arupadhatu, imateriais. Juntos, os três reinos constituem os limites da existência. No capítulo três do Sutra do Lótus os três reinos são representados como uma casa em chamas.

6. Dharma. A palavra sânscrita Dharma vem de dhri, que significa pegar, e refere-se a qualquer coisa que precisa ser "pegue" para ser real, tanto num sentido provisório como derradeiro. Portanto, a palavra pode significar coisa, ensinamento ou realidade.

7. Seis virtudes. Os paramitas, ou meios de transporte para a outra margem: generosidade (DANA), ética (SHILA), paciência (KSHANTI), esforço (VIRYA), concentração (DHYANA) e sabedoria (PRAJNA). Todos os seis devem ser praticados com desapego dos conceitos de atuante, ação e beneficiário.

Texto atribuído a Bodhidharma
Este texto foi traduzido para o português por Shinzen
Fonte: site Shunya

segunda-feira, dezembro 21, 2009

Rohatsu Sesshin 2009

O Retiro da Iluminação 2009, que aconteceu entre os dias 13 e 20 de dezembro no Templo Busshinji, contou com mais de 30 participantes.




Clique na foto para ampliar.

quarta-feira, dezembro 09, 2009

Pontos a serem observados durante o Zazen

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"Saindo da imobilidade, ocupe-se com suas atividades sem hesitação. Este momento é o koan. Quando a prática e a realização não guardam complexidade, então o koan é este momento presente. Este momento, que é antes que qualquer indício surja, a visão do outro lado da destruição do tempo, a atividade de todos os Budas e Patriarcas Iluminados, é apenas esta única coisa.

Você apenas deve parar e cessar. Tranqüilize-se, passe inumeráveis anos como este momento. Seja cinzas frias, uma árvore seca, um incensário num templo abandonado, um pedaço intocado de seda."

...

Keizan Zenji (1268-1325)

Veja o texto completo em Zazen Yojinki

terça-feira, dezembro 08, 2009



Altar

Nosso altar é um tamborete sob a pitangueira,
de três pernas tortas e um tampo de tronco de árvore.
Oferecemos mamão, banana e melão, entre outras frutas,
como nos templos. Seres alados vêm buscar, é certo.

De dia, com asas de plumas, à noite com asas de couro negro.
É certo, eles vêm. Uns com a luz clara do dia, outros na sombra.
Também é certo, vêm e nem pensam, não se fazem de rogados,
sua cerimônia é a atenção ao perigo, ao que não se poder ver.
Cuidam dos sons e das sombras diante do alimento.

Todos esperam o silêncio para se aproximar do altar,
os que vêm de dia deixam tudo ficar imóvel,
os da noite, abrem o profundo da escuridão aqui mesmo no quintal e se servem.
Uns cantam bem alto o mamão oferecido, outros cuidam para ficarem sós.

Todos, sem saber, agradecem, sempre, isto é certo,
agradecem ao que trouxe aquelas frutas alí para o tamborete
Agradecem sendo o que são, só isso, não se esforçam
(é verdade que um dia deixaram cair uma flor do céu)

Depois... depois vêm seres alados de seis patas, vêm outros rastejantes, vêm os que não se vê e tudo some, alí mesmo.

segunda-feira, dezembro 07, 2009

Zanmai Ozammai

O Rei de todos os Samadhis
(Dogen Zenji)

Sentar-se na postura de lótus é transcender o mundo inteiro; é o incomparavelmente precioso e sublime estado dos Budas e Patriarcas. Quando nos sentamos nessa postura, deixamos para trás os descrentes e os demônios e entramos nas profundezas do coração dos Budas e dos Patriarcas. É somente por meio deste Caminho que podemos atingir a transcendência absoluta e alcançar nosso destino final. É por isso que os Budas e Patriarcas se concentraram nesta prática, e em nada mais.

Saiba que o mundo do zazen é completamente diferente de qualquer outra dimensão. Quando esse princípio estiver esclarecido, você deve desenvolver o propósito de atingir a iluminação e buscar a prática verdadeira, a iluminação, e o nirvana.

Quando estiver em zazen, observe se o tempo permeia ou não o espaço vertical e horizontal e reflita sobre a natureza do zazen: ela é diferente da atividade normal? É um estado altamente vigoroso? É pensar ou não-pensar? Ação ou não-ação? O zazen é apenas a postura de lótus ou ele existe no corpo e na mente? Ou ele transcende o corpo e a mente? Devemos examinar esses diferentes pontos de vista. O objetivo é obter a postura de lótus em seu corpo e a postura de lótus em sua mente; e é preciso que você mantenha a postura de lótus quando o corpo e a mente forem abandonados.
Meu mestre Nyojo dizia: “Quando você pratica zazen o corpo e a mente são abandonados. Isso só pode ser alcançado por meio do shikantaza. Queimar incenso, prostrações, o nembutsu, penitências e leitura de sutras não são necessários”. Nos últimos 400 ou 500 anos, apenas Nyojo ensinou que podemos confrontar diretamente a mente dos Budas e Patriarcas por meio do shikantaza e nos tornarmos um com sua experiência. Pouquíssimos na China podem se comparar a ele. Não foram muitos os que identificaram o zazen com o Dharma de Buda, o Dharma de Buda com o zazen, e ninguém esclareceu a verdadeira forma do zazen como o Dharma de Buda.

O zazen da mente não é o mesmo que o zazen do corpo, e vice-versa. Há um zazen do shikantaza que difere do zazen em que corpo e mente foram abandonados. Quando corpo e mente são abandonados, atingimos a compreensão e a experiência dos Budas e Patriarcas e devemos preservar essa mente, examinando completamente seus aspectos.

Certa vez Buda Shakyamuni instruiu uma grande assembléia de monges: “Se alguém se senta na postura de lótus, realiza o samadhi no corpo e na mente. Ele alcança grande virtude, é respeitado por todos e seu esplendor é como o do sol iluminando o mundo inteiro. Indolência e preguiça são lançadas fora e ele se torna luminoso e incansável; a mente da iluminação é radiante e brilhante. Sua forma é como a de um dragão serpenteante. Quando Mara vê a pintura de alguém na postura de lótus, enche-se de horror e medo. Quão maior será esse terror se ele vir a postura de lótus de um iluminado?”

Se apenas a pintura da postura de lótus já subjuga Mara, quão grande deve ser a ilimitada virtude da postura em si! Portanto, quando sentamos em zazen, realizamos uma alegria e uma virtude sem medidas.

Shakyamuni também disse a uma grande assembléia de monges: “É por isso que me sento na postura de lótus”. Ele então disse aos seus discípulos para se sentarem na postura de lótus. Aquele que não encontraram o Caminho buscam-no valendo-se de inumeráveis posturas – andando nas pontas dos pés, permanecendo sempre de pé, cruzando as pernas atrás do pescoço etc. –, mas eles estão submersos num oceano de enganos e sua mente nunca está em paz. Por esse motivo Shakyamuni instruiu seus discípulos para se sentarem aprumados na postura de lótus. Se nos sentamos aprumados, nossa mente se alinha, e sua dispersão e perambulação é trazida para a unidade. Se nossa mente se perde ou nosso corpo oscila, essa postura pode recolocá-los na ordem correta. Se você pretende entrar em samadhi, deve deixar que todos os seus pensamentos errantes e dispersos repousem. Pratique dessa forma e você atingirá o Rei de todos os Samadhis.
Portanto nós claramente entendemos que a postura de lótus é o Rei de todos os Samadhis. É a compreensão. Todos os outros samadhis lhe são subordinados. A postura de lótus é um corpo aprumado, uma mente resplandecente e o corpo e mente das coisas como elas são, que conduz diretamente aos Budas e Patriarcas, à prática correta e à iluminação, e à existência última de todas as coisas na natureza-de-Buda.

Podemos concretizar o Rei dos Samadhis por meio da postura de lótus neste mesmo corpo – em nossa pele, carne, ossos e tutano. Buda Shakyamuni sempre usou essa postura e a transmitiu a seus discípulos, ensinando-a tanto para homens como para deuses. Desde os sete Budas do passado, a essência do Caminho de Buda é a postura de lótus.

Enquanto Buda Shakyamuni se sentou na postura de lótus sob a árvore Bodhi, inúmeros kalpas se passaram. Porém, independentemente do tempo que se passou – 50 ou 60 kalpas, 21 dias ou apenas um breve instante –, ele fez girar a roda da Lei. O ensinamento de Shakyamuni é completo e não tem lacunas. A postura de lótus contém em si mesma todos os sutras. Um Buda encontra o outro nessa postura, e todos os seres sencientes tornam-se Budas nesse instante.

Quando o primeiro Patriarca, Bodhidharma, veio do oeste, ele passou nove anos sentado em frente a uma parede no monastério de Shositsu Hoshorinji, no Monte Su. Desde então, a essência e a semente do Dharma se espalharam por toda a China. A postura de lótus era o sangue vital do primeiro Patriarca. Antes de ele ir à China ninguém conhecia tal postura. Por toda a nossa vida devemos, portanto, nos empenhar, dia e noite, em praticar a postura de lótus e não abandonar o monastério – esse é o Rei de todos os Samadhis.

sexta-feira, dezembro 04, 2009

Zazengi

Regras para o zazen

Estudar o Zen é praticar o zazen. Para praticar o zazen, escolha um local calmo, nem seco, nem úmido, e use um pequeno tapete grosso. Como usamos a mesma postura sentada que Shakyamuni praticou quando se iluminou, pense no local em que você vai se sentar como o “Assento de Diamante”. Alguns monges praticam em grandes pedras, enquanto outros seguem a maneira dos sete Budas, praticando zazen sobre um pequeno tapete de folhas.

O local para a prática de zazen não deve ser muito escuro, mas moderadamente iluminado de dia e de noite. Deve estar quente no inverno e fresco no verão. Mantenha o corpo e mente em repouso – corte fora toda a atividade mental. Não pense sobre o tempo ou as circunstâncias, nem se agarre a bons ou maus pensamentos. Zazen não é auto-consciência ou auto-contemplação. Nunca tente tornar-se um Buda. Desvencilhe-se das noções de deitar ou sentar. Coma e beba moderadamente. Não perca tempo. Preste atenção à sua própria prática do zazen.

Aprenda com o exemplo do quinto Patriarca, Konin, do Monte Obai. Todas as suas ações, diariamente, eram a prática do zazen.

Quando praticar zazen, vista o kesa e use uma pequena almofada redonda. Não se sente no meio da almofada, mas sim posicione a metade dianteira sob suas nádegas. Cruze as pernas e posicione-as sobre o tapete. A almofada deve tocar a base da coluna. Essa é a postura básica que foi transmitida de Buda a Buda, de Patriarca a Patriarca.

Use a postura de lótus completo ou de meio lótus. Em lótus completo, o pé direito é colocado sobre a coxa esquerda e o pé esquerdo sobre a coxa direita. Mantenha as suas pernas horizontais a suas costas perfeitamente eretas. Na postura de meio lótus o pé esquerdo é colocado sobre a coxa direita e o pé direito é guardado sob a coxa esquerda.

Afrouxe sua roupa e aprume-se. Mão direita sobre o pé esquerdo, mão esquerda sobre o pé direito. Os polegares, alinhados, tocam-se levemente. Ambas as mãos são colocadas junto ao abdome. As pontas dos polegares devem estar alinhadas com o umbigo. Lembre-se de manter a coluna ereta o tempo todo. Não penda para a esquerda ou para a direita, para frente ou para trás. Mantenha as orelhas alinhadas com os ombros. Da mesma forma, o nariz e o umbigo devem estar no mesmo plano. Coloque a língua no céu da boca. Respire pelo nariz e mantenha os dentes e os lábios unidos. Os olhos mantêm-se abertos naturalmente. Quando iniciar, ajuste seu corpo e sua mente fazendo uma profunda respiração.

A forma de seu zazen deve ser estável como uma montanha. Pense no “não-pensar”. Como? Usando o “não-pensamento”.
Esse é o esplêndido caminho do zazen. Zazen não é um meio para a iluminação, zazen é, em si mesmo, a perfeita atitude do Buda. Zazen, em si mesmo, é a pura e natural iluminação.

Apresentado aos monges de Kippoji em novembro de 1243.