domingo, setembro 30, 2007

Caminhada em Floripa

Nesta manhã de domingo fizemos uma caminhada pela paz, no centro de Florianópolis. Cerca de 30 pessoas - gente da comunidade zen-budista, do budismo vajrayana, da fé Baha'i e do catolicismo - passearam calma e alegremente, entre conversas, cartazes e cuias de chimarrão, em adesão a outras tantas manifestações sobre nossos colegas, monges ou não, de Mianmar. Uma alma mais virtuosa que eu poderá falar melhor, com fotos e demais quetais.

Eu e Joshin, por idéia dele, fomos antes na missa das 7 e meia da manhã, na Catedral Metropolitana. Desejávamos dar um aviso para o povo todo da caminhada; alguém talvez gostaria de juntar-se a nós.

Fazia muitos anos - quase 10, se não me engano - em que não ia a uma missa. Se duvidar, a última vez em que fui numa missa foi quando eu "recebi o Espírito Santo", a minha crisma. Desde então, perdi o hábito - se é que o tive - de ir à missa. Durante a liturgia de hoje, pensamentos e lembranças de tantas missas que eu fui, quando criança, voltaram com aquele caráter fragmentado e distante das lembranças muito antigas. Vi-me ora sentado, ora ajoelhado, ora caminhando, ora escutando. Era somente uma coisa a mais, como outras tantas coisas chatas.

De uns tempos para cá, porém, tenho sentido um desejo de aprofundar-me, de conhecer mais, na e sobre a experiência cristã. É interessante que o zazen me tenha aberto, de certa forma, a querer saber mais. Afinal, assim como um crente sofre com a "perda da fé", uma pessoa sem fé sofre ao ver-se amolecendo debaixo da chuva. Mas não se perde, ou ganha, nada.

Deixo um pouco liturgias e dogmas de lado - a forma - e olho de perto, para um "Deus vivo", que é a expressão que me veio à cabeça. Oxalá que possam viver sua fé, e este sacramento, nas suas vidas.

Joshin falou bem para o povo na catedral, com presença, palavras justas e bonitas. Comungamos, recebemos as bençãos da comunidade para nós, "irmãos de outras religiões", e tomamos café - todo mundo sabe que eu me rendo ao ser convidado a partilhar duma mesa... Agradecimentos ao padre Egidio e ao padre José; este último nos acompanhou em nossa caminhada.

quinta-feira, setembro 27, 2007

O rio

Ser como o rio que deflui
Silencioso dentro da noite.
Não temer as trevas da noite.
Se há estrelas nos céus, refleti-las.
E se os céus se pejam de nuvens,
Como o rio as nuvens são água,
Refleti-las também sem mágoa
Nas profundidades tranqüilas.

(Manuel Bandeira)

segunda-feira, setembro 24, 2007

sexta-feira, setembro 21, 2007

O som dos sutras

Veja na coluna à direita, em CAMINHOS, o novo link do blog. Para o site do músico zen-budista Francisco Casaverde. Confira suas versões de sutras, em formato original e musicado. Ouça por exemplo o Tissarana, com um inspirador acompanhamento musical. Ouça também o sutra do coração em português ou leia na íntegra um teisho pronunciado por Saikawa Roshi em Curtitiba.

Nada especial, apenas deixe vir, deixe ir...


(Jisho no parque Ibirapuera)

quinta-feira, setembro 20, 2007

Errantes do Samadhi (23 set)

A caminhada desse próximo domingo, 23 de setembro, terá o seguinte roteiro:

Zazen com o monge Koun no Parque Vila Lobos - Recanto da Terceira Idade às 8h
Início da caminhada às 9h10 - saída do Parque Vila Lobos - Recanto da Terceira Idade

Percurso:
Vila Leopoldina, Lapa, Freguesia do Ó, Limão, Casa Verde, Barra Funda, Perdizes e Alto de Pinheiros.

Levar alimentação.

terça-feira, setembro 18, 2007

Filosofia ou Religião?

A filosofia do budismo ou budismo da filosofia

Deparamos muitas vezes com esta situação ambígua: o budismo é filosofia ou é uma religião. Não sendo uma religião no sentido convencional, ou seja de natureza monoteísta com suas concepções míticas de origem, queda, julgamento, punição e recompensa, mas com preocupações menos abstratas, e por ser desta forma, acabam por conceituá-lo como filosofia. É um preconceito. Não admitir que possa ser religião, o que não está inserido no padrão comum, devidamente aceito, demonstra uma limitação do entendimento das representações mentais quanto ao sagrado. Agindo assim, também vulgarizamos a filosofia, tendo que aceitar tudo o que a religião “oficial” descarta como elemento estranho ao seu campo de atuação.

Talvez o budismo possa ter, inclusive, postulado que se aproxima de uma especulação filosófica, devido ao seu caráter humanista, mas não pode ser considerado enquanto tal: outras problemáticas em questão. Historicamente, houve momentos que o budismo tenha se afastado das questões reais da existência, preocupando-se mais com discussões e teorizações de abordagem metafísica, comprometendo uma vivência real sob as circunstâncias adversas da produção concreta da vida. Haja vista a atitude de Eihei Dogen (1200 – 1253), jovem noviço treinando no Mosteiro Hiei, da Escola Tendai. Se todos possuem natureza de Buda, para quê devemos praticar? Teria questionado ele. Nenhuma resposta! Situação exemplar, com a qual retomamos a colocação anterior: religião ou filosofia?

Naquele momento, o Mosteiro Hiei era o mais importante centro de estudos budistas em todo o Japão, sem que nenhum rivalizasse com ele. Os melhores pensadores, os intérpretes, tradutores e catedráticos. Esta descrição pode ser equivalente à melhor escola de filosofia, com todos os seus questionamentos no campo da teoria do conhecimento, da lógica, retórica e estética. Podemos pensar o Mosteiro Hiei como uma academia. Mas Dogen quer respostas mais conclusivas.

Se a filosofia pode se esgotar na discussão das idéias, propostas e conceitos, o budismo enquanto método de entendimento exige mais do que isso: a experiência. É no campo da experiência que o budismo afasta-se da filosofia especulativa para achegar-se a uma práxis que elimina o racionalismo e a antecipação de dados. Por isso, budismo não é ciência, também. Saber apenas que “todos possuem a natureza de Buda” é insuficiente para um verdadeiro praticante do Grande Caminho. Necessário, imprescindível, é a experiência.

Somente através da prática constante e disciplinada que a natureza de Buda se manifesta no postulante. Sem esta prática, o budismo se torna ineficiente: calcado em aceitação passiva, num ato de fé acrítico, dificilmente aquilo que se encontra “fora” da mente e do corpo do fiel, por carecer da experiência, a sabedoria se realiza.

Não apenas a mente deve apreender o conhecimento, mas igualmente o corpo. Limitar-se unicamente a textos antigos, como os sutras, não possibilita a compreensão daquilo que está escrito. E nenhuma linguagem será suficiente para transmitir a sabedoria, que não pode ser fragmentada, mas apreendida em sua totalidade. Ainda assim, insuficiente. Se a prática encontrar-se ausente, o texto nada mais é do que especulação, um diletantismo irresponsável e egoísta. Se o budismo que praticamos constar de sermões entusiasmados, exaltação da fé, dos poderes extraordinários, então cairemos na religião fácil e mediana dos fanáticos. Não é desta forma. Propomos a prática.

A prática se realiza tanto nos templos como no cotidiano. Se acharmos que o templo é local sagrado, temos de sacralizar também o cotidiano. Isso acontece quando a prática está presente em todos os espaços. A condição para isso é a manutenção da mente alerta. Por isso, treinamos a mente fazendo zazen. Com a mesma mente do zazen, ou alerta, possamos enfrentar os dilemas do mundo em ebulição.

Uma religião comprometida em controlar as incertezas provenientes da mente iludida consiste o budismo.

Por isso, é religião ou filosofia?

sexta-feira, setembro 14, 2007

O tocar de um sino...

"A imobilidade na sala de meditação foi então quebrada pelo inesperado tocar de um sino.De pé, Saikawa Roshi, o abade do templo, se levantou, fez três prostrações diante de Buda Manjushri, o Buda da sabedoria, e passou a entoar um sutra.Nessa hora, o dia se abriu e iluminou a sala toda."

Estas frases fazem parte do texto..."Deixe vir, deixe ir, meditar é aprender a esquecer", escrito por Seigen (Bruno Mith) e publicado na Revista Bons Fluidos, nº 101 de setembro 2007.Belas fotos ilustram o texto.Vale conferir.

segunda-feira, setembro 10, 2007

Sesshin em Florianópolis

Em um final de semana do mês de agosto, fizemos sesshin em Florianópolis.A seguir, algumas fotos amadoras e breves relatos sobre os momentos vividos.


Na cozinha do sesshin, trabalhamos para servir aos outros.Quando servimos aos outros, expressamos o que há de melhor dentro de nós - o coração bondoso.E, ao vivermos esta experiência, estamos simultaneamente beneficiando aos outros e a nós mesmos.


Durante a refeição formal do almoço, gentilmente oferecemos alguns grãos de arroz, que recolhidos pelos jonins, são ofertados aos pássaros, no jardim.Este gesto é naturalmente simbólico e expressa nossa comunhão com os outros seres.



Doze praticantes ouvem palestra do Dharma, cuja compreensão ultrapassa os limites da razão.Ao internalizarmos os ensinamentos, estudamos, como nos ensina Dogen, a nós mesmos.



Do lado de fora do zendô, as folhas verdes vicejam nas árvores.

sexta-feira, setembro 07, 2007

Na poltrona do avião

Um dia destes estávamos assistindo, eu e um amigo meu, a um filme que alugamos. Nele, um lama tibetano está sentado, meditando, em uma poltrona de avião. Meu amigo, não-praticante, me pergunta: é possível meditar, assim, em qualquer lugar, sentado numa poltrona de avião? E a primeira coisa que me veio à cabeça foi: "até que uma poltrona de avião é bem confortável..."

Interessante, não? O que é "A Meditação", para a grande maioria de pessoas que não praticam-na? As maiúsculas falam daquilo que pode passar pela cabeça de muita gente: que A Meditação é uma coisa especial, que requer coisas especiais, lugares especiais - até mesmo pessoas especiais. Não é a toa que se venda, assim como muitas coisas especiais, A Meditação. Meu amigo é uma pessoa muito bem informada, o que me deixou um tanto pasmo com a pergunta: "é possível meditar numa poltrona de avião?" E por qual motivo não seria? O que falta? O que sobra?

Numa das palestras do monge Genshô, aqui na universidade federal, um moço jovem pergunta se seria possível meditar nas atividades do cotidiano: andando, por exemplo. Genshô responde: comece a praticar, primeiro, e pergunte mais tarde.

quinta-feira, setembro 06, 2007

Shushogi: 31

31. Esses budas são o Buda Shakyamuni. O Buda Shakyamuni é “a própria mente em si ser Buda”. Quando os budas do passado, do presente e do futuro atingem a iluminação, todos se tornam Buda Shakyamuni. É isso que significa “a mente em si ser Buda”. Devemos investigar cuidadosamente o que significa “a mente em si é Buda”. É assim que demonstramos gratidão aos budas.


***

Que os méritos desta prática
se estendam a todos os seres
e assim possamos todos realizar
o Caminho da Iluminação


quarta-feira, setembro 05, 2007

Shushogi: 30

30. O tempo voa mais veloz que uma flecha, e a vida é mais impermanente que o orvalho. Nenhuma habilidade ou recurso pode trazer de volta um dia que passou. Viver até os cem anos sem propósito é provar o amargor do tempo, tornar-se um miserável saco de ossos. Mesmo que vivamos em abandono, escravos dos sentidos, por dias, meses e centenas de anos, se praticarmos por um único dia, não apenas será apenas como se tivéssemos praticado cem anos nessa vida, mas também cem anos em outras vidas. Cada dia dessa vida deve ser estimado. Devemos amar e respeitar nossos corpos e mentes, que nos possibilitam a prática do Caminho. Por intermédio de nossa prática, a prática dos budas se manifesta, e o grande caminho dos budas penetra em todo lugar. Portanto, a prática de um único dia é a mesma que a deles, a semente da realização de Buda.

terça-feira, setembro 04, 2007

Shushogi: 29

29. A expressão de nosso agradecimento não deve consistir em outras práticas; seu verdadeiro caminho está assentado na prática diária dos ensinamentos de Buda. Isso significa que devemos praticar sem negligenciar nossas vidas diárias e sem nos perdermos em nós mesmos.

segunda-feira, setembro 03, 2007

Errantes do Samadhi (02 set)

A caminhada deste último domingo foi concluída com sucesso. Desta vez fomos dois, pelo menos nos primeiros 12 quilômetros. A Sandra, uma nova praticante do Busshinji apareceu e me acompanhou atéa a USP. Pelo caminho fizemos uma rápida visita ao Koun, que estava no Parque Vila Lobos com a família e amigos.

Desta vez não fiz uma crônica mas quero citar as palavras de um professor de arquitetura e urbanismo - ciclista cotidiano há mais de dez anos. Falando aos seus alunos: "Vocês também podem mudar e largar o automóvel. Nossas cidades são como nós, obras inconclusas, não passam de acapampamentos de refugiados que não sabem pra onde ir. Só nós podemos nos opor a essa mercantilagem vil e peçonhenta do espaço urbano. O inferno não são os outros, somos nós." Alexandre Delijaicov, em matéria da revista Piauí_11.

Eu ainda acrescentaria: o rio Tietê passa por dentro de todos nós.