sexta-feira, março 31, 2006

As ervas daninhas da mente

Aquelas palavras ainda estão frescas em minha lembrança. Quando me lembro do então Superior Miyoshi, ele dizia com frequência que teríamos que acabar com os três venenos de nossa mente: a ignorância, o apego e a raiva. Qualquer praticante de budismo, seja de que tradição for, deverá cortar de sua mente as raízes destes venenos em sua origem. O fato de não agir desta forma, é alimentar o apego à própria mente. Estar apegado é continuar mantendo uma mente que procura-se não mudar. Ao contrário, ficamos temerosos de abandonar toda a nossa ignorância, nossa raiva, nossa vaidade, nossos erros, nossas frustrações... Por causa do apego surge também a raiva, fruto da ignorância. Mas temos raiva por causa de nossa ignorância. De nossa ignorância surgem todos os erros e comportamentos equivocados. Um veneno alimenta o outro e nesta somatória o sofrimento surge em nossas vidas e no mundo. As guerras existem porque os povos, seus governantes, agem em função dos três venenos. Se um povo desejar a guerra sem que o outro não a deseje, o caminho para o entendimento se torna mais favorável. Toda corrida bélica tem como origem a ignorância, o apego e a raiva. Em se tratando de nossa própria mente, o treinamento budista é similar o do jardineiro: toda vez que as ervas daninhas surgirem, temos que cortá-las. Por isso, fazemos zazen. O zazen não serve para ceifar as ervas daninhas de nossa mente, entretanto nos mostra claramente o desenvolvimento delas e a ilusão provocada pela ação deles. Cada vez que fazemos zazen, os três venenos podem revelar a sua verdadeira face. sem nenhuma consistência. Eles são falsos, navegando a esmo na correnteza de nosso karma.

segunda-feira, março 27, 2006

Existência-de-orvalho

"Não deixar marcas."

Grupo de Estudos | Quarta-feira 29 mar 20h

Bem vindos novos monges

Em 26 de março realizou-se com sucesso a ordenação de dois companheiros do Templo Busshinji: Isamu Nishimura e João Carlos Campos. O primeiro recebeu por nome Soryo Yushin e o segundo Daitetsu Koun. Estes são os primeiros monges ordenados no Templo Busshinji pelo Superior Dosho Saikawa. O monge Koun assumiu o compromisso de dedicar-se a algumas atividades de treinamento no Busshinji, como responsabilizar-se pelo Yaza (zazen matinal) de 3a.feira, o Kyoten (zazen noturno) e Choka (cerimônia matinal) da 6a.feira, do kyoten, choka e memoriais do sábado. A qualidade dos praticantes ordenados serve para o fortalecimento da sangha zen no Brasil e sendo treinado no Busshinji só nos causa uma grande alegria. Quando do pedido de ordenação, o Superior Saikawa teria me perguntado dos motivos. "Não sei", respondi. Cada um deve ter os próprios motivos, pensei. Depois que ele conversou pessoalmente com cada um dos pretendentes mostrou-se satisfeito. Ordenação significa abandonar-se. Não se pretende ganhar nada com isso, ao contrário, ajudar a todos os outros. Ser monge, tenho pensado a respeito, é ser um pouco o clown. Quer dizer, o palhaço que leva alegria aos outros, assume as próprias falhas e não necessita dar satisfação a ninguém. Afinal, ele é palhaço. Acima de tudo é um ser autêntico que não se corrompe com os desejos, apegos e política. Ele ri dos políticos e seus correligionários, da ordem e de toda desordem. Não necessita ser um bem sucedido profissional e campeão de stress. Para ser um palhaço ele precisa esvaziar-se e sem preconceito algum recuperar a inocência perdida. O monge necessita dessa inocência, como a das crianças, que vivem intensamente o dia como fosse o últimos dos dias. Não existe felicidade maior, de maior liberdade, do que se tornar palhaço. Quer dizer, ser monge!

Tempatsu no Busshinji

Comunicamos a todos os interessados que aos sábados, após o kyoten (zazen matinal), às 7hs, dá-se início ao Tempatsu. Esta é a prática de utilizar adequadamente o oryoki (tigelas de monge), os talheres e a recitação do sutra. Nos últimos três meses tínhamos interrompido esta prática. Qualquer pessoa que deseje participar, que venha no zazen da manhã e depois integre-se ao grupo do Tempatsu. Mas sugiro que se comunique comigo a fim de providenciar o oryoki. Para um praticante de zen, monge ou leigo, é indispensável saber usar o oryoki. Sem ele não se pode alimentar-se, sendo que a cumbuca maior representa a cabeça de Buda. Em todos os sesshins, durante as refeições o Tempatsu é realizado pelo menos duas vezes ao dia. No ato toda a atenção deve ser mantida, continuando a prática do zazen, sentado sobre o zafu e em silêncio. Contamos com a colaboração de todos em anunciar esta nota.

sábado, março 25, 2006

O problema não é meu

Esta tradução fiz para o então Superior Koichi Miyoshi, no Templo Busshinji. Disse ele a respeito da mente: "Existiu um velho monge, que teve que se submeter a uma cirurgia nos ombros, onde cresceu um calombo. Era malígno. Por isso, não conseguiu se livrar da inevitável operação. Após a cirurgia, ele se encontrava no quarto lendo um livro. Nesse momento, um jovem monge que o visitava ficou surpreso e indagou: 'o senhor deveria estar em repouso ao invés de estar mergulhado nesta leitura; afinal, o ferimento não doi'. "Claro que doi", devolveu o enfermo, 'mas este problema não é meu".

terça-feira, março 21, 2006

Um fantasma do outro lado

Todas as tardes éramos levados para a Sala de Buda no Mosteiro Zuioji. Acontecia neste momento a Cerimônia Banka. Cerca de quarenta noviços ingressavam naquele ambiente, escurecido pelo entardecer. Naquela semana éramos três os que se encontravam no Tangaryo- Sala de Espera - que mais tarde tornariam-se membros definitivos do mosteiro. Ficávamos afastados dos outros, sentados sobre os joelhos em seiza durante uns quarenta minutos. Recitávamos inicialmente o Kanromon e em seguida o Shushogi. Não tinha muito problema em recitá-los devido ao costume de praticá-los nos cerimônias do Templo Busshinji, em São Paulo. Foi numa dessas ocasiões em que divisando o lado oposto em que me encontrava, cerca de dez metros, estava um monge solitário igualmente sentado como eu. Havia algo de familiar nele. Parecia-se comigo. Duvidei por instantes, mas era eu. Eu estava sentado naquele templo, repetindo os mesmos gestos de sempre. Certifiquei-me se era realmente eu. Era! Não demorou alguns segundos, olhei novamente para o local e eu não estava mais lá. Talvez tenha sido alucinação. Talvez tenha sido o meu próprio fantasma...

O meu herói

Assim ouvi de um monge preletor: Naquela ocasião, o professor fez a seguinte pergunta aos seus alunos da 5a.série: "Todos nós temos os nossos heróis. Quem são os heróis de vocês". Sem pestanejar, a classe quase que em uníssono gritou "o meu pai". O professor insistiu, apontando o dedo a cada um dos alunos "você, por quê o seu pai?". "É porque o meu pai é médico, quero ser médico como ele" - respondeu um. O outro "é porque o meu pai é advogado". Cada um dava os mais diversos motivos, como "meu pai é dono do supermercado", "meu pai é político", "meu pai foi um importante jogador de beisebol". Quando chegou no menino no fundo da sala, um tanto inibido, neste momento animou-se e disse "É meu pai porque é apenas o meu pai". Aquele homem era doente, portanto não trabalhava. Estava dependente do posto de saúde. Mas para aquele menino, o pai doente era a melhor pessoa do mundo.

A janela luminosa

Grupo de estudo. Regulamentos para o Salão da Nuvem Auxiliar:

"É raro encontrar-se um ao outro e praticar o que é raro praticar."

Quarta-feira, 20h

sábado, março 18, 2006

Iluminação a partir de nossos pés

Ao arrumarmos nossos sapatos cuidadosamente, trazemos harmonia a nossas mentes,
quando nossas mentes estão em harmonia, arrumamos nossos sapatos cuidadosamente.
Se arrumamos nossos sapatos cuidadosamente quando o tiramos,
nossas mentes não se perturbarão quando os calçarmos.
Se alguém deixa os sapatos em desordem,
silenciosamente devemos arrumá-los.
Tal ato certamente trará harmonia
para a mente das pessoas e de todo o mundo.

(Dogen Zenji)

sexta-feira, março 17, 2006

Borboleta

Passa uma borboleta por diante de mim
E pela primeira vez no Universo eu reparo
Que as borboletas não têm cor nem movimento,
Assim como as flores não têm perfume nem cor.
A cor é que tem cor nas asas da borboleta,
No movimento da borboleta o movimento é que se move,
O perfume é que tem perfume no perfume da flor.
A borboleta é apenas borboleta
E a flor é apenas flor.

de Alberto Caeiro

domingo, março 12, 2006

Waka de Ryokan

Outono na planície
O orvalho não se desprende
Dos capins esparramados -
Serão lágrimas dos insetos
Que prantearam a noite toda?


Por um momento
Quando a chuva de outono respinga
Junto com as criancinhas
Sigo a trilha nas montanhas -
Minha roupa encharcada.


Na vila abaixo
O alarido:
Flauta e tambor
Nas montanhas profundas
Somente o ruído dos pinheiros.

O ladrão de cobertor

Numa noite fresca um ladrão penetrou nos aposentos do monge Ryokan. Nada havia para levar. Nem comida, nem mercadorias que pudessem render poucas moedas. Da janela semi aberta, o vento brincava no cobertor puído, que cobria o corpo de Ryokan. Não teve dúvidas: carregou consigo o cobertor. Passado algum tempo, o monge acordou com a pele arrepiada de frio. Percebeu que nada havia para protegê-lo. Contemporizou-se. Mas pelo canto dos olhos divisou o céu, imensamente belo naquela noite de outono. Lá em cima, a lua cheia parecia mais próxima. Uma bola gigante que flutuava cheia de éter. E pensou na maravilha que tinha diante dos olhos: Um ladrão levou o meu cobertor/ Mas esta lua radiante/Ninguém me levará.
Descobri, o zen
não é japonês.
Nem oriental.

sexta-feira, março 10, 2006

Grupo de Estudos

O grupo de estudos está de volta, agora em profundos 40 minutos, todas as quarta-feiras logo após o zazen, ou seja, às 20h. Discutiremos textos do Shobogenzo entre outros temas referentes ao caminho.

Para a próxima quarta teremos, do Shobogenzo: Regulamentos para o Salão da Nuvem Auxiliar - Juundo-Shiki
"Aqueles que têm uma mente que busca o caminho e desejam abandonar fama e ganho deveriam entrar. Aqueles que são indiferentes e aqueles a quem falta sinceridade não deveriam entrar..."

Estão todos convidados.

Endereço:
Rua São Joaquim n° 285 - Liberdade - São Paulo - SP

Sesshin em julho

De 16 a 22/7, sesshin no Mosteiro Zen Morro da Vargem, prepare-se.
Conheça o belo site do mosteiro: http://www.mosteirozen.com.br/

Andar com as próprias pernas

Quando comecei a praticar o budismo zen ensinarem-me de que teríamos que abandonar as bengalas. Quer dizer, não existia ninguém além de nós próprios em nossa derradeira caminhada. Talvez pudéssemos cair, uma vez, duas ou três, ou mais ainda. Mas tínhamos o exemplo de Bodhidharma, que em sua representação da cultura popular japonesa é um boneco sem os membros superiores e os inferiores: uma bola. De cor rubra, feito de papel e terra, de tal forma que o peso da base mantinha o boneco sempre em pé. Ainda que o empurrasse, voltava à posição vertical. E desta forma, passou a dizer que Bodhidharma se sete vezes derrubado levantava-se por oito. Aquele patriarca indiano foi o responsável pela expansão do budismo zen na China, em pleno século VI. Se não fosse por ele, provavelmente não teríamos conhecido esta forma de prática: o zen. Diz a lenda que teria ele tentado atravessar o Himalaia sem obter sucesso, tentou outros caminhos mas nada disso adiantou. Tentou pelo mar, mas eis que surgiu um dragão marinho e o impediu continuar a viagem. Assim tentou, até que na oitava vez pode alcançar o Império do Centro - a China. Toda vez que o cansaço surge, o desânimo ameaça, o velho Bodhidharma surge em nossas lembranças e nos alimenta com a sua perseverança.
Ouvi também uma outra estória emblemática. A de que a tigresa joga os filhotes no abismo. Alguns destes conseguem escapar da morte ao lutar desesperadamente agarrando-se nas paredes escarpadas e retornar ao convívio da mãe. Parece cruel. Segundo os narradores antigos, é o amor da tigresa em relação aos filhotes que a induz a proceder desta forma. Os filhotes com energia serão os que têm chance de sobreviver na selva. Os fracos sofreriam e acabariam morrendo vítimas de outros predadores. Para a tigresa seria melhor que ainda pequenos morressem sem passar pelo sofrimento em idade adulta.
Numa outra versão, o caso se refere a um acontecimento comum. Assim ouvi: após sofrer as conseqüências de uma doença, quando é internado no hospital, o velho pai volta ao convívio do filho. Numa casa grande, o velho torna-se hóspede num aposento longe da sala de refeições. Por isso, é necessário a ajuda de outras pessoas, que o carregam até o local de alimentação. Durante uma semana, todos o auxiliam nesta tarefa. Passado este período, o filho preocupado com a situação do pai, toma uma decisão traumática. Não levaria a refeição no quarto e nem o traria para a sala de refeições. Se ele desejasse, teria que caminhar até o local em que todos se alimentavam. Caso contrário, ficaria sem comida. Aquela atitude foi considerada cruel. O próprio pai chegou a chorar de ódio do filho, considerando-o desumano. "Não posso andar, minhas pernas estão paralisadas", contrariou o pai. Mas nada disso atingou o filho, que insistiu: "Se não puder andar, então se arraste até a sala".
No primeiro dia, o pai continuou no quarto. No segundo dia, não se aguentando de fome começou a se arrastar pelo chão, derrubando cadeiras e vasos. No terceiro dia, a situação não se alterava. Depois de uma semana, conseguiu apoiar os pés no chão. Mas usava as paredes para não cair. Um mês depois, sem problemas, o pai dirigia-se andando normalmente até a sala de refeições. Na verdade, somente o amor do filho pelo pai fez com que procedesse desta forma. Caso, continuasse carregando pai, jamais ele se recuperaria.

No budismo, dizem existir duas formas de prática: uma que apela pela força do outro, outra que depende unicamente da própria força.

quinta-feira, março 09, 2006

Poemas de Dogen

Consegui traduzir alguns poemas de Eihei Dogen e coloco em rede para apreciação:

O pássaro aquático
em suas idas e vindas
não deixa rastros
mas não se esquece sua presença!



Na primavera as flores de cereja
no verão o cuco
no outono a lua
e no inverno a neve
branca e fresca.


O corvo construiu seu ninho
no topo de minha cabeça
enquanto a aranha teceu sua teia
em minha sobrancelha.


Tendo procurado no mais profundo
das montanhas longínquas
achei o meu lar.
Meu lar, onde tinha sempre vivido.


Aqui nos altos rochedos
em que as ondas
e o vento que varre as costas
não incomodam
a vidas das ostras.
Apenas Dharma.


As ondas são calmas.
O vento vai morrendo
num barco abandonado.
A lua da meia-noite
alta e brilhante.


A flor do pessegueiro desabrocha
ao vento primaveril.
Não deixa um traço sequer
de dúvida
em suas folhas e ramos.

Quando se faz zazen...

quarta-feira, março 08, 2006

Desapego

Ombro direito, ombro esquerdo

Um dia, dois homens se apresentaram juntos para pedir a mão de uma moça. Desejavam realmente o casamento. Os pais da moça perguntaram à filha qual dos dois ela gostaria de desposar:
- Se queres o homem do leste, descobre o ombro esquerdo. Mas se amas o que vem do oeste, descobre o direito.
A moça descobriu os dois ombros.
Os pais recalcitraram incontinenti. Não é possível ter dois maridos! Impunha-se a escolha.
- Não posso decidir-me - respondeu a moça.
A razão era simples:
O jovem do leste, muito rico, era feio e o do oeste, muito bonito, era pobre... E a moça queria viver na casa do homem rico, mas dormir na cama do homem bonito.

terça-feira, março 07, 2006

A rã meditante

Certa vez vi uma pintura satírica, mostrando uma rã com a seguinte legenda: "se bastasse sentar, a rã seria iluminada". Por outro lado, Dogen afirmou em seu retorno da China "Shikantaza" - ou apenas sentem-se. Há diferenças entre estas duas assertivas. Talvez a rã nunca consiga se iluminar, entretanto o mesmo não se dá com o homem. Mas a rã, quem sabe, dispensa a iluminação da maneira pretendida pelo homem. Se com o objetivo de ter a iluminação, se o homem sentar-se em zazen - quer dizer em Shikantaza - não a alcançará. Retomando Dogen, a respeito da própria iluminação disse "abandonar corpo e mente, mente e corpo abandonados". Este é a forma ensinada pelo patriarca Dogen Zenji, que herdou de Nyojo, do Mosteiro Tendozan, na China a prática do Zen Soto. Penso, não se trata da iluminação da rã, mas a do homem. Não basta sentar-se, apenas. É preciso abandonar-se. Se não agir assim, a mente condicionada continua a formar uma cadeia de desejos e apegos. Até o próprio zazen tornar-se-á num apego. Se assim acontecer, até isso temos que abandonar. Afinal, não foi assim que agiu o príncipe Sidhartha? Ainda que tudo tivesse abandonado, família, riquezas, poder e sensualidade, a mente mantinha apegado a formas anteriormente concebidas. Foi preciso abandonar a própria mente...

segunda-feira, março 06, 2006

Quarta-feira de cinzas

o passado já se foi
o futuro ainda não existe
tudo o que temos é o momento presente
libertos dos apegos
percebemos e aproveitamos
profundamente cada momento
prajna!

domingo, março 05, 2006

Realizando a Iluminação

Aquilo que parecia abstrato tempos antes, talvez não seja tanto nos dias de hoje. Ainda me lembro que o Superior Dosho Saikawa, Abade do Templo Busshinji, São Paulo, colocou pela primeira vez ao se dirigir aos seus pupilos. Não apenas aqueles que receberam dele a ordenação leiga, mas também os outros, que ele considerava seus orientados. Para todos, na verdade, sou o "training teacher", marcou com palavras firmes. "E para todos eles, exijo uma condição", disse, " é a de que atinjam a Iluminação". Mas afinal, do que se trata isso. Não é uma abstração, tirada da leitura hermética dos livros teóricos, como o de D.T. Suzuki, o grande expoente do zen conceitual da década de 70, 80. De tanta leitura dele, bem como de Allan Watts e Thomas Merton, ficamos com a mente cheia. Ao invés de desenvolver método inverso, fazíamos o contrário. Em suma, Iluminação tornou-se igualmente um conceito. Cada vez afastava-se daquilo que Dogen Zenji teria proposto ao viajar para a China: "Temos a natureza de Buda mas necessitamos praticar". Hoje penso que tudo se esgota na prática. Sem ela, é como achar delicioso o gosto do caqui sem nunca tê-lo saboreado. Um tenho um amigo que vive em Manaus, que em visita a São Paulo, desconhecia esta fruta típica de nossas regiões. Bem, estou tratando da Iluminação. Ela somente pode ser percebida no interior da prática. E assim, praticamos realizando zazen, fazemos sesshin, estudamos o Shogogenzo, almoçamos, controlando os ânimos no relacionamento com outro... Quando a diferença entre eu e o outro desaparece, então a Iluminação também surge de maneira evidente. Quando a mente não mais discrimina, a Iluminação se confunde com Sabedoria. E como experimentou Dogen, bastou abandonar corpo e mente para que a Iluminação aparecesse. Mas não adianta falar desta maneira, é preciso experimentá-la em sua totalidade. Acima de tudo, penso, o praticante do dharma deve assumir o compromisso de realizá-lo ao desanuviar de sua mente toda atitude egoísta e ignorante. Assim poderá se dizer praticante. Um praticante do Dharma, ou seja da própria Verdade. E ver o mundo da maneira como ele é e não como a mente tencionava ver. Por isso, Iluminem-se neste momento! Iluminem-se agora.

No sesshin de carnaval

Sangha Margha

Miríades de pássaros
Esbaldam-se nos coquinhos.
Carnaval no Templo.

quarta-feira, março 01, 2006

A caminho do sesshin de carnaval

(Sesshin - retiro para meditação intensiva) No primeiro dia acordei às quatro e meia da manhã para ir ao templo na Liberdade. Sai de casa para a caminhada habitual até o metrô, a temperatura estava muito agradável. No percurso, comecei a ouvir alguém cantando ao longe, o som chegava claro àquela hora da madrugada. Finalmente avisto um homem sem camisa. Com andar em constante desequilíbrio vem em minha direção cantando um samba enredo, da escola Pérola Negra, se não me engano. Eu observava tranqüilamente aquela alegria desmedida. Ao passar por mim o homem não parou de andar nem de cantar, fez apenas um pequeno aparte dizendo: "Bom serviço!" Eu agradeci e continuei meu caminho. Na estação Paraíso do metrô, acordei um rapaz que dormia sentado no chão encostado numa pilastra, pois não se movera com a chegada do trem. Ele deu um pulo como uma mola para dentro do vagão. Eram cinco horas da manhã do segundo e último dia de sesshin. Logo depois, durante o pequeno percurso de duas estações até o meu destino, observei à minha frente uma moça que dormia sentada ao lado de um rapaz, de repente ela se curvou no colo dele, e ele, carinhosamente a acolheu, tampando com a mão a luz fria e dura das lâmpadas fluorescentes de seus olhos.

Agora, terminado este sesshin, não consigo definir exatamente o que em mim se modificou, se quebrou, abriu ou se reorganizou de uma nova maneira. Mas fiquei pensando como é delicada a relação entre o eu de uma pessoa e o eu das outras pessoas e, o quanto isto afeta a todos. Neste sentido, vejo como as expectativas - em relação às outras pessoas - nos retiram do presente, fazendo-nos perder o que ainda nem tínhamos de verdade, muitas vezes causando dor. E neste ângulo, temos também a felicidade de ver à mostra a raiz de muitos problemas.