quarta-feira, junho 23, 2010

Tso-ch’an i

Tso-ch’an i
de Ch’ang-lu Tsung-tse

A origem do Tso-ch’an i não é inteiramente clara. Comumente pensa-se que esse texto foi composto como uma seção do Ch’an-yuan ch’ing-juei, um código monástico do Ch’an compilado por Tsung-tse em 1103. O conteúdo do texto, no entanto, sugere que – assim como Fukanzazengi – ele foi originalmente escrito como um tratado independente e que a intenção era menos ser um conjunto de regras para a sala de meditação e mais um manual básico e popular sobre a meditação Ch’an, para noviços e leigos.

Uma vez que esse código era amplamente aceito como uma versão expandida das regras monásticas do Ch’an estabelecidas por Po-chang Huai-hai (720-814), Dogen deve ter sido atraído pelo manual parcialmente devido à crença de que ele conservava algo dos ensinamentos sobre meditação desse grande mestre T’ang. De fato ele menciona isso em seu “Senjutsu yurai”, mas atribuiu a Tsung-tse a falha em transmitir precisamente os entinamentos de Po-chang:

“No Ch’an-yuan ch’ing-kuei há um Tso-ch’an i. Apesar de ele seguir as intenções originais de Po-chang [ko i], foram adicionadas muitas novas cláusulas pelo Mestre I [Tsung-tse]. Por essa razão, está repleto de erros e incompreensões.”


Dogen deixa clara a base religiosa de sua insatisfação com o Tso-ch’an i em sua crítica a Tsug-tse: “Ele nada sabe do entendimento além das palavras (gongai shi ryoran); quem pode falhar em entender isso?”.

É indubitável que nem Dogen nem Tsung-tse tiveram algum registro dos ensinamentos de Po-chang. Apesar da fama de Po-chang como fundador do sistema monástico independente do Ch’an e das repetidas referências na literatura a Po-chang, há poucas evidências de que esse monge tenha realmente produzido um conjunto de escritos sobre regras e muito menos que eles tenham sobrevivido até o tempo de Tsung-tse.

Diante disso, pode-se assumir que o manual de Tsung-tse é o mais antigo trabalho desse tipo na tradição do Ch’an.

(BIELEFELDT, Carl. Dogen´s Manual of Zen Meditation. Berkeley: University of California Press, 1988)
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O Bodhisattva que estuda prajna deve, primeiro, fazer surgir o pensamento de grande compaixão, fazer os votos completos e então cuidadosamente cultivar o samadhi. Fazendo o voto de salvar os seres sencientes, ele nunca busca libertação apenas para si mesmo.

Então, deixe de lado todas as atribulações e interrompa todos os assuntos. Faça corpo e mente um, sem divisão entre ação e descanso. Regule a alimentação e a bebida, de forma a não comer e beber nem muito nem pouco; ajuste o sono de maneira a não se privar nem ser indulgente.

Quando você sentar em meditação, estenda um tapete grosso num local sossegado. Afrouxe seu manto e cinto e assuma uma feição apropriada. Então sente na postura de lótus completo. Primeiro coloque seu pé direito sobre a coxa esquerda; depois coloque seu pé esquerdo sobre a coxa direita. Ou você pode sentar na postura de meio-lótus: apenas descanse seu pé esquerdo em seu pé direito.

Em seguida, coloque sua mão direita sobre seu pé esquerdo e sua mão esquerda sobre a palma da mão direita. Junte as pontas dos polegares. Vagarosamente erga seu tronco e o alongue para a frente. Balance para a esquerda e para a direita e então alinhe seu corpo e sente ereto. Não penda para a esquerda ou direita, para a frente ou para trás.

Mantenha seu quadril, costas, pescoço e cabeça alinhados, fazendo da sua postura uma stupa. Mas não tensione muito seu corpo para cima, pois isso faz sua respiração tornar-se forçada e agitada. Suas orelhas devem estar alinhadas com os ombros e o nariz com o umbigo. Pressione sua língua contra a frente do palato e feche os lábios e dentes. Os olhos devem permanecer um pouco abertos, para prevenir a sonolência. Se você atingir samadhi [com os olhos abertos], ele será o mais poderoso. Em tempos antigos, houve monges eminentes na prática de meditação que sempre sentaram com os olhos abertos. Mais recentemente, o mestre Ch’an Fa-yun Yung-t’ung criticou aquele que sentam em meditação com os olhos fechados, comparando [a prática deles] com a caverna fantasma da Montanha Negra. Seguramente isso tem um profundo significado, conhecido por aqueles que dominaram a prática da meditação.

Uma vez que tenha harmonizado sua postura e regulado a respiração, você deve relaxar seu abdome. Não pense em absolutamente nenhum bem ou mal. Sempre que um pensamento ocorrer, tome consciência dele; assim que você se conscientizar dele, ele desaparecerá. Se você permenecer por um longo período com os objetos esquecidos, você naturalmente se tornará unificado. Esta é a arte essencial do tso-ch’an. Falando claramente, tso-ch’an é o portal do dharma da libertação e alegria. Se há muitas pessoas que se tornam doentes [por causa desta prática], isso é porque elas não tomam os cuidados apropriados.

Se você pega o ponto desta prática, os quatro elementos [do corpo] se tornarão leves e livres, o espírito será fresco e afiado, pensamentos serão corretos e claros; o sabor do dharma sustentará o espírito e você será calmo, puro e alegre. Aquele que já alcançou o esclarecimento [da verdade] pode ser comparado ao dragão encontrando a água ou ao tigre indo às montanhas. E mesmo aquele que ainda não tenha alcançado isso, deixando o vento atiçar as chamas, não terá que fazer grande esforço. Apenas concorde com isso, você não se decepcionará. Todavia, à medida que o caminho avança para o alto, demônios surgem e experiências agradáveis e desagradáveis se manifestam. No entanto, se você mantém o pensamento correto presente, nenhum deles pode obstruí-lo. O Surangama-sutra, o Chih-kuan de T’ien-t’ai e o Hsi-cheng i de Kuei-feng dão explicações detalhadas dessas ocorrências demoníacas e aqueles que se prepararem antecipadamente para o inesperado devem estar familiarizados com isso.

Quando você sair do samadhi, mova-se vagarosamente e erga-se calmamente; não seja precipitado nem rude. Depois que deixar o samadhi, sempre empregue maneiras apropriadas de proteger e manter o poder do samadhi, tão cuidadosamente como se estivesse protegendo uma criança. Assim o poder do seu samadhi facilmente se desenvolverá. Esse ensinamento sobre a meditação é nosso negócio mais urgente. Se você não praticar meditação e entrar em dhyana, quando ela se manifestar você estará perdido. Portanto, para procurar a pérola, devemos acalmar as ondas; se perturbarmos a água, será mais difícil fazê-lo. Quando a água da meditação está límpida, a pérola da mente aparece por si mesma. Portanto, o Sutra da Perfeita Iluminação diz: “a desimpedida e imaculada sabedoria sempre surge em dependência da meditação”. O Sutra do Botão de Lótus diz: “Em um local calmo, ele pratica o controle da mente, habitando a imobilidade como o Monte Sumeru”.

Assim, transcender o profano e ultrapassar o sagrado estão sempre na dependência das condições de dhyana; há sempre as condições para dhyana; dispersar [este corpo] enquanto sentado e deixar fluir [esta vida] quando em pé são necessariamente dependentes do poder do samadhi.

Mesmo que alguém dedique sua vida toda à prática, pode não haver tempo suficiente; como poderia então alguém que procrastina superar o karma? Por isso, um ancestral disse: “Sem o poder do samadhi você humildemente se prostará às portas da morte”. Fechando seus olhos você terminará sua vida em vão, e, exatamente como você é, será arrastado [no samsara].

Amigos no Ch’an, debrucem-se sobre este texto várias vezes. Beneficiando os outros assim como a nós mesmos, que juntos atinjamos a completa iluminação.

segunda-feira, junho 21, 2010

Ksitigarbha


Neste próximo sábado, dia 26, acontecerá a Cerimônia de introdução da nova imagem do Bodhisattva Jizô no Templo Busshinji, veja detalhes aqui. Todos estão convidados a participar, tragam os amigos e a família com as crianças.

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O Buda Shakyamuni nos apresenta o Bodhisattva Ksitigarbha, cuja sabedoria e força espiritual são incomensuráveis. Este Grande Ser auxilia em momentos difíceis e insta a despertar do sono da ignorância para iniciar um caminho conducente ao auto-respeito e livre de erros. É protetor das crianças e dos viajantes.

A compaixão deste Bodhisattva é ilimitada, realizando o maior dos Votos: o de suportar os sofrimentos deste mundo e postergar sua própria Iluminação até que o último ser vivente a houver alcançado. Seu nome Ti significa "Terra" e Tsan significa "Tudo que é depositado sobre ela", ou seja, que da mesma forma que a "Terra" o Bodhisattva "aceita e suporta" tudo. Pu Sa significa Bodhisattva. No Japão ele é conhecido com o nome de Jizo. A tradição nos apresenta sua imagem portando em sua mão direita uma espécie de báculo que termina em uma sineta, semelhante ao usado antigamente na China pelos viajantes para espantar os animais dos caminhos, e que simbolicamente é utilizado para romper as portas do inferno e do sofrimento. Por outro lado, sua mão esquerda sustém uma pérola brilhante cuja luz é capaz de iluminar toda a existência, apartando-a da dor. Constantemente dá testemunho de que toda existência pode chegar ao estado búdico, dado que possui tal essência (a búdica), liberando-se do mundo fenomênico.

Fonte: site Sala de Estudos Buddhistas Zhongdao

sexta-feira, junho 18, 2010

Foto: Hiroshi Sugimoto

"Que maravilhoso, que maravilhoso, eu, todos os seres vivos, animados e inanimados, e toda a terra, simultaneamente iluminados." Buda Shakiamuni

segunda-feira, junho 14, 2010



Quando participar de um retiro Zen

Se tivermos a verdadeira noção, a noção de que um sesshin (retiro) não começa nem termina ali naqueles dias, naquele espaço. E que praticar o zen durante o sesshin é aprofundar-se naquilo que não tem fundo. Que o tamanho da verdadeira liberdade não sabe extremos nem possui extremidades. E que o que não tem fundo não tem profundeza e por isso emerge, melhor, está emerso, nunca se escondeu.

Quando concebemos isso...

Pense estar além de si mesmo. O que é isso? Se não sabe, se nem pode pensar, por que não deveria ir até lá? Não há nada que um outro possa lhe dizer, que um texto como esse possa descrever. Realmente está lá, quer dizer, está aqui, além do fim do mundo, além do fim do nosso mundo particular floresce o que nem se pode imaginar agora. Sesshins são como luas: faça o primeiro, o segundo, o terceiro e então abandone as contas, você sabe quantas luas em suas fases você já viu em toda a vida? Você sabe, é sempre a mesma lua que, para nós, só existe porquê há o sol. Quando há apenas estrelas no céu ainda assim não quer dizer que não há lua. Um sesshin se liga ao outro intrinsecamente. Num sesshin os Budas estão radiantes, e isto extravasa. Não pense que o sesshin é um estado de exceção, não faça um sesshin como se fizesse algo exótico, que está fora de você. Num sesshin, fora e dentro naturalmente mudam de posições. Brasil e Japão, o que importa? Confia, você está na floresta de sândalo com leões, sim, mas você também é um leãozinho, como o medo poderia te importunar? Há quem reclame de uma vida de monotonia, mas sem medo não há o que limite, só há o expandir.

Observar o caminho atentamente cria um caminho novo sem precedentes, pois a criatividade torna-se a luz de sua retina onde quer que olhe, onde quer. Antes, a criatividade estava fora, agora não. E até o novo, o conceito de novo perde o sentido - tudo está aí como sempre foi, sem cessar, sem repetir-se, não vê? Se ainda há tempo para perder eu não sei, se há justificativas, uma a uma desvanecem em contato com a mente clara. É que o tempo de abandonar o peso e esclarecer o caminho nunca esteve tão próximo. Nunca!

domingo, junho 13, 2010

Cerimônia da Lua Cheia


Neste último sábado celebramos no Templo Busshinji a reafirmação dos preceitos budistas, aqueles que trazemos para o nosso dia-a-dia quando ingressamos no caminho.

sábado, junho 12, 2010



Soanka
Canção da Cabana coberta de relva

Sekito Kisen

Construí uma cabana de relva onde não há nada valioso.
Após me alimentar, eu relaxo e tiro uma soneca.
Quando ela ficou pronta, novas ervas brotaram.
Agora nela se mora coberto por trepadeiras.
A pessoa na cabana vive aqui calmamente,
Sem se prender ao dentro, ao fora ou ao entre.
Nos lugares em que as pessoas do mundo vivem, ela não vive.
Os domínios que as pessoas do mundo amam, ela não ama.
Apesar de a cabana ser pequena, ela contém o mundo todo.
Em três metros quadrados, um velho homem ilumina formas e sua natureza.

Um bodhisattva do Grande Veículo confia sem dúvida.
As pessoas medíocres ou rasteiras não podem evitar divagar:
Essa cabana vai ou não se estragar?
Estragável ou não, o mestre original está presente,
sem se deter no sul ou norte, leste ou oeste.
Firmemente fundado na estabilidade, não pode ser superado.
Abaixo dos verdes pinheiros, uma janela luminosa –
Palácios de jade ou torres de rubi não podem ser comparados com isso.

Apenas sentar com a cabeça coberta, todas a coisas descansam.
Assim, esse monge da montanha definitivamente não entende.
Vivendo aqui ele não mais se esforça para se libertar.
Quem orgulhosamente providenciaria assentos, tentando seduzir convidados?
Vire ao contrário a luz para que brilhe no interior, então apenas retorne.

A vasta e inconcebível fonte não pode ser fitada nem evitada.
Encontre os mestres ancestrais, familiarize-se com suas instruções,
Junte relva para construir uma cabana, e não desista.
Deixe ir centenas de anos e relaxe completamente.
Abra suas mãos e caminhe, inocente.
Milhares de palavras, miríades de interpretações.
São apenas para libertar você das obstruções.
Se você desejar conhecer a pessoa imortal da cabana,
Não se separe desse saco de pele aqui e agora.

sexta-feira, junho 11, 2010

Prática

Respeitosamente dirijo-me a vocês,
o nascimento e a morte são assuntos importantes
portanto, atinjam a iluminação nesta vida
assim peço, não desperdicem tempo


Texto entoado pelo Jikidô*, dirigido aos praticantes zen no interior do zendô, ao final de um dia de prática ou última sessão noturna de zazen.

Então pode-se perguntar: Atingir a iluminação em que vida? Esta desde o momento em que nascemos até a morte, ou nesta vida de "apenas sentar" em lótus?

*Responsável pelo zendô

quinta-feira, junho 10, 2010

Zen

No centro da natureza
No meio da floresta densa
Nenhum dharma foi pronunciado
Nunca houve Budas
Nenhuma aranha teceu
a rede de Bhrama

sexta-feira, junho 04, 2010

Poesia

Devo falar agora de mim,
isso seria um passo
na direção do silêncio...
Samuel Beckett


Meu pai sempre entendeu
Que eu era torto
Mas sempre me aprumou.
Passei anos me procurando por lugares nenhuns,
Até que não me achei - e fui salvo.
À vezes caminhava como se fosse um bulbo.
Manoel de Barros