sexta-feira, abril 03, 2009

Lendo o registro de Eihei Dogen

por Mestre Ryôkan

(traduzido para o francês e inglês por Daniel Leignton e Kazuaki Tanahashi)

Em uma noite sombria de primavera, por volta de meia-noite,
a chuva misturada à neve caía sobre os bambus no jardim.
Eu buscava tranqüilidade em minha solidão, mas não alcançava.
Minha mão, atrás de mim, alcançou o "Registro de Eihei Dogen".
Diante de minha mesa de estudos, sob a janela aberta, ofereci incenso, acendi uma luz e me pus a ler, tranqüilamente.
"Corpo-espírito abandonados" é simplesmente a verdade última.
Em milhares de posturas, dez mil aspectos: um dragão brinca com uma jóia.
Sua compreensão além das categorias [padrões condicionados], purifica a corrupção corrente [as impurezas da mente-espírito].
O estilo do grande mestre reflete a imagem da Índia.

Me recordo de tempos passados, quando vivia no Monastério Entsu,
e meu mestre ensinava o Shobogen, o olho da verdadeira lei.
Naquela época, houve uma ocasião de me voltar para a Lei,
então pedi permissão para lê-lo, e eu o estudei intimamente.
Pude compreender que até então eu dependera somente de minhas próprias capacidades.
Depois disso, abandonei meu professor e perambulei por toda parte.
Entre Dogen e mim, que relação há?
Por toda parte onde eu ia, praticava com devoção o olho do verdadeiro Dharma.
alcançando as profundezas e chegando ao veículo [quantas vezes alcancei a corrente, quantas vezes alcancei as profundezas?]
Neste ensinamento, não há falta. Assim, estudei completamente o mestre de todas as coisas [aquilo que rege todos os fenômenos].

Agora, quando tomo em minhas mãos o Registro de Eihei Dogen e o examino,
o tom não se harmoniza com as crenças comuns.
Ninguém soube distinguir a jóia da pedra.
Por quinhentos anos esteve coberto de pó,
simplesmente porque ninguém teve um olho para distinguir o dharma.
Para quem toda esta eloquencia foi exposta? [a quem se destinavam estas palavras eloquentes?]
Lamento tempos passados e o presente me aflige. Meu coração está exausto. [Ansiando por tempos passados e lamentando o presente, meu coração está exausto].

Uma noite, sentado diante da luz, minhas lágrimas se puseram a correr, e caíram sobre o registro do antigo Buda de Eihei.
Pela manhã, o velho homem que morava ao lado veio ao meu eremitério de palha [minha cabana de palha].
Ele me perguntou por que o livro estava molhado.
Eu queria dizer algo, mas nada me ocorria.
Eu estava profundamente embaraçado, incapaz de dar uma explicação.
Meu espírito profundamente agitado, deixei pender a cabeça por um instante e então encontrei algumas palavras:
"A chuva da noite passada se infiltrou na cabana e encharcou minha estante de sutras".

(Tradução para o português: Martha Waryu)

Postagem a pedido de Karin Waryu

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