terça-feira, março 02, 2010

O silêncio do fundo

"Percepção" na prática do dharma de buda é estar em unidade com o que se percebe, ser um com a percepção. Pode-se usar ainda a palavra "profundamente" para dar ênfase a este tipo de ação. "Observar" também pode ser usado com o mesmo efeito. Quando se observa da "forma budista", há uma coisa só, uma completa interação, qualquer separação ou dualidade não passa de um efeito particular restrito a um ponto de vista aleatório, relativo a algo ou alguém. Então "perceber" ou "observar" é a própria expressão da unidade. Quando o Buda Shakiamuni declara: Eu, a estrela da manhã, a grande terra e todos os seres somos iluminados, ou, somos um só, ele percebe (profundamente) a iluminação, o fluxo na unidade causal entre todas coisas onde não há exceção, a verdade sem máculas, então: "Eu": o centro do universo; a "estrela da manhã": uma luz na abóbada celeste vinda de um outro espaço-tempo; a "grande terra": onde flui a nossa vida, o nosso espaço-tempo; "todos os seres": tudo o que está manifestado, tudo o que se diferencia, desde um grão de poeira a um beija-flor e uma cordilheira; pertencemos dinamicamente a um só fluir, uma só causa.

Quando falamos sobre a iluminação enquanto não a OBSERVAMOS, estamos nos iludindo no caminho, tentamos entender o desconhecido projetando nossa criatividade deludida. Ainda estamos querendo adquirir algo, adquirir conhecimento, consumir, banalizar. Se pensamos que a iluminação depois de alcançada é fixada ou não, é adquirida para sempre, ou não, estamos projetando nossa necessidade de possuir (fixar) algo num mundo onde o possuir é uma ilusão circunstancial. Somos com o universo a própria iluminação, onde perder e ganhar é exatamente a mesma coisa, onde a ânsia da dualidade é nonsense.

O Zen aponta um caminho e é preciso deixar de olhar para a seta que aponta e observar, profundamente, o próprio Zen, entregar-se à esta observação, soltar as mãos das ramagens à beira do rio e afundar como um tronco impregnado pela água no silêncio movediço do fundo. Observe o silêncio. Observe o sol e as folhas das árvores, lá do fundo, completamente envolvido. Pratique o Zazen Shikantaza sem condições, não coloque obstáculos onde não há, aprofunde-se, vá além do que pensa de si mesmo, vá até a ponta da raiz durante os sesshins, descubra onde nascem os rios, radicalize!

Um comentário:

  1. Anônimo8:10 AM

    Senti-me profundamente tocada por essas palavras. Fiquei sem palavras. Sentei-me em zazen. Obrigada!
    Gasshô,
    Kobun.

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