sábado, janeiro 27, 2007

Aprender a morrer

"Deve-se aprender a viver por toda a vida e, por mais que tu talvez te espantes, a vida toda é um aprender a morrer."

(Sobre a Brevidade da Vida - Sêneca)

domingo, janeiro 21, 2007

A Vida

"...Quando olho para o passado e compreendo quanto tempo perdi em vão, quanto perdi com equívocos, com erros, na ociosidade, na inabilidade para viver, como deixei de apreciá-lo, quantas vezes pequei contra meu coração e minha alma, meu coração se põe a sangrar.A vida é uma dádiva, a vida é uma felicidade, cada minuto poderia ser uma eternidade de felicidade."
(Fiódor Dostoiévski - O Idiota)

sábado, janeiro 20, 2007

Lembranças de outros sesshin

Nunca um sesshin é igual ao outro: os participantes são diferentes, os instrutores, inclusive o mestre. Cada vez que participamos, alguma coisa aprendemos, algo acabamos abandonando. Acredito, que acima de tudo aprendemos a abandonar, sem nada ganhar, sem lucro, sem perda. No início, queremos apenas participar. Maior é o entusiasmo do que a capacidade em sentar-se. Logo surgem as dores nas pernas, nas costas e a paciência vai se esvaindo a cada sessão de zazen. Torna-se árduo o período de uma sessão, um alívio o seu término. Pessoas que costumam sentar-se uma vez por semana, talvez por suas dificuldades de adaptação, não conseguem enfrentar um sesshin de mais de dois dias. Dois dias? Muito pouco! Penso que não seja apenas uma questão de ordem física, como o surgimento de dores. É muito pior do que isso. É a mente. Por excesso de condicionamento mental, a concentração torna-se um imenso delírio. Não se trata de uma hipótese, antes uma possibilidade demonstrada pelo próprio príncipe Sidharta. Nos sete dias seguidos, dia e noite, em que ele sentou-se abaixo da árvore da sabedoria - árvore bodhi - toda forma de dores surgiu. Em forma do demônio Mara, o incômodo das dores tinha por reflexo o medo, a sensualidade, a vaidade, o orgulho, a ira, a inveja, a preguiça e outros mais.
Tomemos estas manifestações por referência. Bem, não estamos falando mais de Sidharta, mas de nós mesmos. A única diferença entre os que se submetem ao sesshin e os outros é que uns desistem pelo caminho, convencidos pelo demônio Mara a alimentar mais o medo, a sensualidade, a vaidade... Os que insistem na prática, com determinação continuam no sesshin, não são melhores que os primeiros, mas podem estudar a sí próprios diante de manifestações do tipo medo, sensualidade, vaidade... Quem sabe, os que realizam todo o sesshin têm a capacidade de verificar que o demônio Mara não passa de uma ilusão, pois não tem substância própria. Mara existe apenas na mente dos iludidos. Ainda que se saiba disso, uns sabem porque todos os caminhos do dharma levam a isso, outros porque experimentaram no corpo e na mente a inconsistência de sua existência. Ainda que a certeza possa ser um ato de fé, a certeza pode ser conclusiva quando a experimentamos na pele e ossos. Dito de outra forma, não acredite naquilo que está fora de você, e se existir algo fora, temos que eliminá-lo.
Quando chega-nos o carnaval, podemos descansar, ou participar das atividades carnais desta festa popular. Vejo que não conseguimos fugir da carne. Se todos os caminhos levam à pele suada, aos exercício frenéticos do corpo e da mente em igual intensidade, podemos também participar do carnaval. Lembro-me que numa dessas ocasiões, um jornalista veio visitar o dojo de prática, e perguntou ao monge qual era a diferença entre os carnavalescos de avenida e salões e dos que recolhiam-se em retiro em atitude inversa. "Que inverso - disse o monge - nós também participamos usando o corpo em nossa atividade". Percebi naquelas palavras que existia mais semelhanças do que diferenças.
Foi também num Sesshin de Carnaval que perguntei ao mestre se existia uma atitude mais nobre por parte dos que submetiam-se ao zazen intensivo do que aqueles que se divertiam nas festas de carnaval. "Não, nada de nobre existe na sua prática", ensinou-me ele. Disse-me que a mente de quem participava do sesshin, devia ser de atenção. No caso do carnavalesco, se a mente dele também estivesse em permanente atenção, que diferença existia com a mente em atenção de um praticante de budismo?
Assim praticamos o Caminho. O Sesshin é um ótimo momento para intensificar o nosso entendimento. Uns realizam o sesshin nas montanhas, respirando o ar puro das matas, mesclando zazen, relaxamento e ecologia. Outros internam-se além dos muros dos templos. Para alguns, o sesshin é uma realização mística. A forma de realizá-la depende da orientação de seus mestres. Pode ser um treinamento árduo ou leve. Mas acredito sobretudo que temos por referência Sidharta, o Buda, que não se importou com conforto, nem com as condições ambientais, apenas sentou-se. Disse na ocasião: "Daqui não arredarei pé, nem que fique ossos e pele, antes de atingir a Iluminação". Não seria esta a atitude mais sensata para um praticante de budismo?

Sesshin do Carnaval 2007

Comunicamos a todos os praticantes de budismo, principalmente os amigos do Templo Busshinji e também membros da Sanghakaya, que estaremos realizando o Sesshin do Carnaval, de 16 a 21 de fevereiro. Daremos, assim, início na 6a.feira de carnaval, às 14hs, encerrando na 4a.feira de cinzas. O custo para as atividades é de R$ 150,00. Aqueles que demonstrarem interesse, poderão comunicar-se diretamente por este blog, se assim desejarem.

sexta-feira, janeiro 19, 2007

No caminho

"Despertar é o propósito que envolve todos os propósitos. Tudo o que fazemos é significativo se conduz ao despertar, e não tem sentido se dele nos afasta."

Stephen Batchelor

domingo, janeiro 14, 2007

Zazengi

Regras para o zazen

Estudar o Zen é praticar o zazen. Para praticar o zazen, escolha um local calmo, nem seco, nem úmido, e use um pequeno tapete grosso. Como usamos a mesma postura sentada que Shakyamuni praticou quando se iluminou, pense no local em que você vai se sentar como o “Assento de Diamante”. Alguns monges praticam em grandes pedras, enquanto outros seguem a maneira dos sete Budas, praticando zazen sobre um pequeno tapete de folhas.

O local para a prática de zazen não deve ser muito escuro, mas moderadamente iluminado de dia e de noite. Deve estar quente no inverno e fresco no verão. Mantenha o corpo e mente em repouso – corte fora toda a atividade mental. Não pense sobre o tempo ou as circunstâncias, nem se agarre a bons ou maus pensamentos. Zazen não é auto-consciência ou auto-contemplação. Nunca tente tornar-se um Buda. Desvencilhe-se das noções de deitar ou sentar. Coma e beba moderadamente. Não perca tempo. Preste atenção à sua própria prática do zazen.

Aprenda com o exemplo do quinto Patriarca, Konin, do Monte Obai. Todas as suas ações, diariamente, eram a prática do zazen.

Quando praticar zazen, vista o kesa e use uma pequena almofada redonda. Não se sente no meio da almofada, mas sim posicione a metade dianteira sob suas nádegas. Cruze as pernas e posicione-as sobre o tapete. A almofada deve tocar a base da coluna. Essa é a postura básica que foi transmitida de Buda a Buda, de Patriarca a Patriarca.

Use a postura de lótus completo ou de meio lótus. Em lótus completo, o pé direito é colocado sobre a coxa esquerda e o pé esquerdo sobre a coxa direita. Mantenha as suas pernas horizontais a suas costas perfeitamente eretas. Na postura de meio lótus o pé esquerdo é colocado sobre a coxa direita e o pé direito é guardado sob a coxa esquerda.

Afrouxe sua roupa e aprume-se. Mão direita sobre o pé esquerdo, mão esquerda sobre o pé direito. Os polegares, alinhados, tocam-se levemente. Ambas as mãos são colocadas junto ao abdome. As pontas dos polegares devem estar alinhadas com o umbigo. Lembre-se de manter a coluna ereta o tempo todo. Não penda para a esquerda ou para a direita, para frente ou para trás. Mantenha as orelhas alinhadas com os ombros. Da mesma forma, o nariz e o umbigo devem estar no mesmo plano. Coloque a língua no céu da boca. Respire pelo nariz e mantenha os dentes e os lábios unidos. Os olhos mantêm-se abertos naturalmente. Quando iniciar, ajuste seu corpo e sua mente fazendo uma profunda respiração.

A forma de seu zazen deve ser estável como uma montanha. Pense no “não-pensar”. Como? Usando o “não-pensamento”.
Esse é o esplêndido caminho do zazen. Zazen não é um meio para a iluminação, zazen é, em si mesmo, a perfeita atitude do Buda. Zazen, em si mesmo, é a pura e natural iluminação.

Apresentado aos monges de Kippoji em novembro de 1243.

sábado, janeiro 13, 2007

Zazen Yojinki

Pontos a serem observados durante o Zazen
Keizan Zenji (1268-1325)


1.

Sentar-se é o caminho para esclarecer o solo da mente e permanecer tranqüilamente em sua Natureza Original. Isso se chama “revelar sua Face Original” e “manifestar o solo verdadeiro”.

No zazen o corpo-mente é abandonado. O zazen situa-se muito além das formas do sentar ou do deitar.
Indo além de conceitos como bom ou mau, transcende-se qualquer distinção entre homens comuns e sábios, indo além da fronteira entre seres sencientes e Buda.

Pondo de lado todas as preocupações, desprenda-se de todos os apegos. Não faça absolutamente nada. Não produza nada com os seis sentidos.

O que é isso? Seu nome é desconhecido; não pode ser chamado de “corpo”, não pode ser chamado de “mente”. Ao se tentar pensar nisso, o pensamento desaparece. Ao se tentar falar sobre isso, as palavras morrem.

É como um tolo, um idiota. É alto como uma montanha, profundo como o oceano. Sem um pico ou sem as profundezas, seu brilho é impensável, ele se mostra silenciosamente. Entre o céu e a terra, apenas este corpo inteiro pode ser visto.

Isso não pode ser comparado – ele já morreu completamente. Com os olhos claros, não está em lugar nenhum. Onde haveria alguma poeira? O que poderia obstruir algo assim?

A água pura não tem frente ou verso, o espaço não tem dentro ou fora. Completamente pura, sua luminosidade brilha antes que a forma e o vazio sejam concebidos. Objetos da mente ou a mente em si mesma não têm onde existir.

Isso sempre existiu assim, mas ainda não tem nome. O grande mestre, o Terceiro Patriarca Sosan, temporariamente o denominou “mente”, e o Venerável Nagarjuna certa vez o chamou de “corpo”. Essência iluminada e forma, originando os corpos de todos os Budas, não há “mais” ou “menos” em relação a isso.

Isso é simbolizado pela lua cheia, mas essa mente é a própria iluminação. A luminosidade dessa mente brilha através do passado, resplandecendo no presente. Nagarjuna utilizou-se desse símbolo sutil para o samadhi de todos os Budas, mas esta mente não tem traços, não é dualista, e diferenças entre formas são apenas aparentes.

Apenas mente, apenas corpo. Diferenças e semelhanças fazem com que se perca o ponto exato. O corpo origina-se na mente, e, quando os corpos surgem, eles parecem ser distintos. Quando uma onda surge, seguem-se-lhe milhares de outras ondas; no momento em que uma formação mental surge, inumeráveis coisas aparecem, incessantemente, até que as 36 partes do corpo e a cadeia dos 12 elos interdependentes emerjam. Quando uma formação surge, ela se desenvolve continuamente, mas ela ainda existe somente devido ao acúmulo de uma miríade de dharmas.

A mente é como a água do oceano, o corpo como as ondas. Não há ondas sem água e não há água sem ondas; água e ondas não podem ser separadas, movimento e repouso não são diferentes. Por isso se diz: “uma pessoa vem e vai, vive e morre, como o corpo imperecível dos quatro elementos e dos cinco agregados”.

Zazen é ir direto ao Oceano do Despertar, manifestando o corpo dos Budas. A luminosidade natural da mente se revela no momento presente e a luz original surge de todos os lugares. Não há ganho ou perda no oceano e as ondas jamais voltam atrás.

2.

Os Budas surgiram neste mundo com a grande missão de ensinar às pessoas a sabedoria e o insight do Despertar e para oferecer-lhes a verdadeira entrada. Para isso, há um caminho pacífico e puro: o zazen. Esta é a completa prática da autocompreensão de todos os Budas como Budas. Este é o soberano de todos os samadhis. Penetrando neste samadhi, mesmo que por um instante, o solo da mente é esclarecido de uma vez. Você deve saber que este é o verdadeiro portal para o Caminho dos Budas.

Se você desejar esclarecer o solo da mente, abandone a confusão de seu limitado conhecimento e de suas interpretações, corte fora as noções de comum e sagrado, abandone todos os sentimentos deludidos. Quando a verdadeira mente da realidade se manifesta, as nuvens da delusão se dissipam e a lua da mente brilha luminosa.

3.

Buda disse: “Ouvir e pensar sobre isso é como fechar as portas para isso. Zazen é como ir para casa e sentar-se em paz”. Isso é verdade! Ao se ouvir e pensar sobre isso, os pontos de vista não são abandonados e a mente permanece obstruída; por isso é como se existisse uma porta fechada. Ao se sentar verdadeiramente, tudo é colocado em repouso e se pode penetrar em todos os lugares. Sentar-se assim é como voltar para casa e sentar-se em paz.

Afligir-se com as cinco obstruções é resultado da ignorância fundamental e a ignorância é resultado do não entendimento de nossa verdadeira natureza. Zazen é entender nossa verdadeira natureza. Mesmo que as cinco obstruções tenham sido eliminadas, se você não tiver eliminado a ignorância fundamental, ainda não se compreenderá como os Budas e os Patriarcas Iluminados. Para isso, a chave essencial é sentar-se e praticar o caminho.

Um velho mestre disse: “Quando a confusão cessa, a claridade surge; quando a claridade surge, a sabedoria aparece; quando a sabedoria aparece, a Realidade se mostra como ela é”.

Se você quiser fazer cessar sua confusão, deve abandonar seu envolvimento com pensamentos de “bom” ou “mau”. Não se deixe levar por assuntos desnecessários. Uma mente “desocupada” junto de um corpo “livre de atividade” é o ponto essencial a ser lembrado.

Quando as amarras da delusão desaparecem, a mente da delusão desaparece. Quando a delusão desaparece, a Realidade que sempre esteve presente se manifesta e você fica permanentemente consciente dela. Não se trata de extinção ou de atividade.

4.

Evite se deixar levar por artes e artimanhas, prescrever remédios e tirar a sorte. Guarde distância de música e de dança, de discussões e papos furados, da fama e do lucro. Compor poemas pode auxiliar no esclarecimento da mente, mas não se deixe levar por isso. O mesmo pode ser dito quanto à caligrafia e à literatura. Este é o principal pré-requisito para os praticantes do Caminho e a melhor forma de harmonizar a mente.

Não vista roupas luxuosas ou farrapos sujos. Roupas luxuosas despertam a ganância e o medo de ser roubado. Isso é um obstáculo aos praticantes do Caminho. Mesmo que alguém as ofereça a você, recusá-las é uma ótima tradição dos tempos antigos. Se acontecer de você ter roupas luxuosas, não se preocupe com elas; se forem roubadas, não procure ir atrás delas nem lamente sua perda.
Roupas velhas e sujas devem ser costuradas e limpas, caso contrário não o protegerão adequadamente e podem fazer com que você passe frio e adoeça, prejudicando sua prática. Embora não devamos nos preocupar demasiadamente com o conforto físico, roupas, alimentação e sono inadequados são conhecidos como as “três insuficiências” e farão com que sua prática seja penosa.

Não coma nada vivo, duro ou decomposto. Essas comidas impuras farão sua barriga agitar-se e causarão calor e desconforto ao corpo-mente, dificultando sua prática do zazen. Você deve comer para sustentar a vida, portanto não se inquiete quanto ao sabor. Além disso, se você se sentar após comer muito, vai se sentir mal. Independentemente de a refeição ter sido farta ou frugal, aguarde um pouco antes de se sentar.
Monges devem ser moderados ao se alimentar e tomar porções correspondentes a 2/3 do que poderiam comer. Todos os alimentos saudáveis, gergelim, inhames e coisas assim podem ser comidos.
Essencialmente, você deve harmonizar o corpo-mente.

5.

Quando estiver sentado em zazen, não se apóie numa parede, suporte ou tapume. Também não se sente em locais com vento ou em locais altos e expostos, onde você possa contrair alguma doença.

Por vezes, quando estiver sentado, você poderá sentir calor ou frio, desconforto ou tranqüilidade, opressão ou liberdade, peso ou leveza, ou mesmo algo assustador. Essas sensações surgem devido à desarmonia da mente e da respiração. Harmonize sua respiração desta forma: abra um pouco sua boca, permita que as respirações longas sejam longas e que as curtas sejam curtas, e elas se harmonizarão naturalmente. Siga-as por algum tempo até que a consciência desperte e sua respiração se torne natural. Após isso, continue respirando pelo nariz.

Você pode sentir que está afundando ou flutuando, a mente pode por vezes parecer cega ou afiada. Algumas vezes você pode ver o exterior da sala, ou o interior do corpo, ou as formas de Budas e Bodhisatvas. Algumas vezes você pode acreditar que tem sabedoria e que compreendeu plenamente os sutras e os comentários. Essas condições extraordinárias são perturbações que surgem devido à desarmonia da mente e da respiração. Quando isso acontecer, assente sua mente em seu colo. Quando a mente afundar na obscuridade, leve sua atenção para o contorno do couro cabeludo ou para a parte posterior de seus olhos. Quando a mente dispersar-se em distrações, leve sua atenção para a ponta do seu nariz ou para o tandem. Após isso, repouse sua atenção na palma esquerda. Sente-se por um período longo e não se esforce para acalmar a mente, que ela naturalmente se tornará livre de distrações.

Embora os Ensinamentos antigos sejam tradicionalmente importantes, não os escreva ou os leia ou os escute obsessivamente porque isso apenas dispersará a mente.

Em geral, tudo que exaure o corpo-mente causa doença. Não se sente onde haja fogo ou enchentes ou bandidos, nem próximo ao oceano, bares e bordéis, ou em locais onde vivam viúvas ou virgens, ou próximo a locais onde cortesãs cantem e toquem música. Não viva próximo a reis, ministros, famílias poderosas ou ricas, pessoas com muitos desejos, aqueles que perseguem fama ou aqueles que discutem desnecessariamente. Embora grandes cerimônias budistas e a construção de grandes templos sejam coisas boas, aquele que estiver comprometido com a prática do zazen não deve envolver-se com isso.

Não seja fanático pela pregação do Dharma, pois isso leva à distração e à dispersão. Não se deleite com grandes assembléias ou corra atrás de discípulos. Não procure estudar e praticar muitas coisas diferentes.

Não se sente onde for muito claro ou muito escuro, ou muito frio ou muito quente. Não se sente onde libertinos e prostitutas vivam. Vá a um monastério e permaneça lá, onde há um verdadeiro mestre. Vá para as profundezas das montanhas e dos vales. Pratique o kinhin à margem de águas puras e de montanhas verdejantes. Purifique a mente junto a um regato ou sob uma árvore. Observe a impermanência sem descanso, isso irá encorajá-lo a buscar o Caminho.

A almofada deve ser bem estofada para que você se sente confortavelmente. O local de prática deve ser sempre mantido limpo. Queime incenso e ofereça flores aos Protetores do Dharma, aos Budas e Bodhisatvas e sua prática será por eles protegida. Coloque uma estátua de Buda, de um Bodhisatva ou de um Arhat no altar e os demônios da distração não o subjugarão.

Permaneça sempre compassivo e dedique o poder ilimitado do zazen para todos os seres vivos.

Não se torne arrogante, vaidoso ou orgulhoso de seu entendimento dos Ensinamentos; este é o caminho daqueles que não trilham o Caminho e dos ignorantes. Mantenha o voto de pôr fim às aflições, o voto de obter o Despertar e apenas sente-se. Não faça absolutamente nada. Essa é a forma de praticar zazen.

Lave seus olhos e seus pés. Mantenha o corpo-mente tranqüilo e comporte-se harmoniosamente. Abandone emoções mundanas e não se prenda a sentimentos elevados sobre o Caminho. Se alguém perguntar algo, mantenha-se em silêncio por três vezes; se ele ainda assim perguntar, e a pergunta vier de seu coração, então lhe dê os Ensinamentos. Se você desejar falar por dez vezes, mantenha-se em silêncio por nove, como se o musgo crescesse em sua boca. Seja como um leque no inverno, um sino de vento pendurado no ar, indiferente à direção que sopra o vento – assim são as pessoas que seguem o Caminho.

Não use o Dharma para proveito próprio. Não use o Caminho para fazer-se notado. Este é o ponto mais importante a ser lembrado.

6.

O zazen não se baseia em ensinamentos, prática ou realização, apesar de esses três aspectos estarem nele contidos. Avaliar a realização é algo que se baseia em alguma noção de iluminação – esta não é a essência do zazen. A prática é algo que se baseia em uma dedicação ativa – esta não é a essência do zazen. O ensinamento é algo que se baseia em libertar-se do mal e cultivar o bem – esta não é a essência do zazen.

Os ensinamentos são encontrados no Zen, mas não se trata de ensinamentos comuns. Mais do que isso, trata-se de apontar diretamente, apenas expressando o Caminho, falando com o corpo todo. Tais palavras não têm sentenças ou frases. Onde os pontos de vista terminam e os conceitos se exaurem, a única palavra penetra as dez direções, sem determinar um único fio de cabelo. Este é o verdadeiro ensinamento dos Budas e dos Patriarcas Iluminados.

Apesar de falarmos em “prática”, não é uma prática que você deva fazer. Ou seja, o corpo não faz nada, a boca não recita nada, a mente não pensa em nada, os seis sentidos são deixados em sua própria claridade e não são afetados. Assim, isso não é a prática de 16 estágios dos ouvintes, nem é a prática de entender os 12 elos da interdependência, baseada no isolamento. Nem se trata das seis perfeições contidas nas inumeráveis ações dos Bodhisatvas. É sem qualquer esforço, por isso é chamado Despertar ou Iluminação. Apenas repouse no samadhi em que todos os Budas se autocompreendem como Budas, vagando alegremente nas quatro práticas da paz e da bem-aventurança daqueles abertos para a Abertura. Esta é a profunda e inconcebível prática dos Budas e dos Patriarcas iluminados.

Apesar de falarmos em realização, essa realização não se define como “realização”. Esta é a prática do supremo samadhi, que é conhecido como não-nascido, não perturbado e que espontaneamente leva ao Despertar. É a porta para a luminosidade que se abre para a realização dos Budas, nascida a partir da prática da grande tranqüilidade. Isso vai além dos padrões de sagrado e profano, além da confusão e da sabedoria. Isso é a realização da insuperável iluminação de nossa verdadeira natureza.

O zazen não é também não se baseia em disciplina, prática ou sabedoria. Esses três aspectos estão todos contidos nele.

Disciplina é normalmente entendida como cessar ações erradas e eliminar o mal. No zazen tudo se resume a ser não-dualista. Abandone os inumeráveis conceitos e não se emaranhe em idéias como “Caminho de Buda” ou “caminho mundano”. Deixe para trás sentimentos sobre o Caminho assim como sentimentos prosaicos. Quando você deixa para trás todos os opostos, o que pode obstruí-lo? Isso é a disciplina sem forma do solo da mente.

Prática geralmente significa concentração ininterrupta. Zazen é abandonar corpo-mente, deixando para trás confusão e entendimento. Imóvel, sem atividade, não se é mais deludido, mas ainda se parece com um idiota, com um tolo. Como uma montanha, como o oceano. Sem qualquer indício de movimento ou repouso. Essa prática é não-prática porque não tem objeto de prática e por isso é chamada de grande prática.

Sabedoria geralmente é entendida como um claro discernimento. No zazen, todo conhecimento desaparece por si mesmo. Mente e discriminação são esquecidos para sempre. O olho-da-sabedoria deste corpo não discrimina, mas sim vê claramente a essência do Despertar. Desde o princípio ele é livre de confusão, corta fora os conceitos, e sua clara e aberta luminosidade penetra em todo lugar. Essa sabedoria é não-sabedoria; porque é uma sabedoria sem indícios, é chamada de grande sabedoria.

O ensinamento que os Budas pronunciaram em suas vidas são apenas essa disciplina, prática e sabedoria. Em zazen não há disciplina que não seja mantida, não há prática que não seja cultivada, não há sabedoria que não seja realizada. Sobrepujando-se aos demônios da confusão, atingindo o Caminho, fazendo girar a roda do Dharma e retornando ao sem-indícios, tudo emerge deste poder. Siddhis e atividades inconcebíveis, emanando luminosidade e proclamando os Ensinamentos – tudo isso está presente no zazen. Penetrar o Zen é zazen.


7.

Para praticar o sentar-se, busque um local calmo e ajeite uma almofada grossa. Não deixe que vento, fumaça, chuva ou orvalho penetrem no ambiente. Mantenha o local limpo, com espaço suficiente para seus joelhos. Apesar disso, nos tempos antigos, houve quem usasse um assento de diamantes ou grandes pedras como almofadas. O local onde você se senta não deve ser muito claro durante o dia nem muito escuro à noite; deve ser quente no inverno e fresco no verão. Isso é fundamental.

Desprenda-se da mente, do intelecto e da consciência, abandone a memória, o pensamento e a observação sozinhos. Não tente fabricar Buda. Não se preocupe com o quanto você acha que está indo bem ou mal; apenas entenda que o tempo é precioso, como se seu cabelo estivesse em chamas.

Buda sentou-se ereto, Bodhidarma voltado para a parede; ambos eram comprometidos de coração. Sekiso era como uma retorcida árvore morta. Nyojo alertou sobre a sonolência no sentar-se e disse: “Apenas-se-sentar é tudo do que você precisa. Você não precisa fazer oferendas de incenso, meditar no nome dos Budas, arrepender-se, estudar as escrituras ou recitar rituais”.

Quando se sentar, vista o kesa (exceto na primeira e na última partes da noite, quando a programação diária não estiver em curso). Não seja descuidado. A almofada deve ter 30 centímetros de espessura e 90 de circunferência. Não a coloque sob as nádegas, mas apenas sob metade das nádegas, até a base da espinha. É assim que os Budas e Patriarcas se sentaram. Você pode se sentar na postura de lótus completo ou meio lótus. Para sentar-se em lótus completo, coloque o pé direito sobre a coxa esquerda e o pé esquerdo sobre a coxa direita. Afrouxe sua roupa, mas a mantenha alinhada. Coloque sua mão direita sobre o calcanhar esquerdo e sua mão esquerda sobre a palma da mão direita, com os polegares unidos, próximos ao corpo, na altura do umbigo. Sente-se ereto, sem pender para a esquerda ou direita, para a frente ou para trás. Orelhas, ombros, nariz e umbigo devem estar alinhados. Coloque a língua no palato e respire pelo nariz. A boca deve permanecer fechada. Os olhos devem permanecer abertos, mas não muito abertos, nem muito fechados. Harmonizando o corpo dessa forma, respire profundamente pela boca uma ou duas vezes. Sentado firmemente, balance o torso 7 ou 8 vezes em movimentos decrescentes. Sente-se ereto e alerta.

Então pense no que é o não pensado. Como você pode pensar nisso? Esteja antes do pensamento. Esta é a essência do zazen. Despedace os obstáculos e torne-se íntimo da Consciência Desperta.

Quando quiser sair da imobilidade, coloque as mãos sobre os joelhos, balance o corpo 7 ou 8 vezes em movimentos crescentes. Respire pela boca, coloque as mãos no chão e levante-se suavemente da almofada. Caminhe lentamente, virando-se da direita para a esquerda.

Se o embotamento ou a sonolência afetarem seu sentar-se, mexa o corpo e abra mais os olhos, ou leve sua atenção para o limite do couro cabeludo ou entre suas sobrancelhas. Se ainda assim você não se refizer, esfregue os olhos ou o corpo. Se isso ainda não o acordar, levante-se e caminhe, sempre no sentido horário. Assim que tiver caminhado cerca de 100 passos, você não estará mais sonolento. A maneira de caminhar é dar meio passo a cada respiração. Caminhe sem caminhar, silenciosamente e sem se mover.

Se ainda assim você não se sentir desperto após o kinhin, lave os olhos e a testa com água fria. Ou cante os Três Preceitos Puros dos Bodhisatvas. Faça algo; apenas não pegue no sono. Você deve estar atento para o importante problema do nascimento e da morte e para a rapidez da impermanência. O que você está fazendo dormindo, quando seu olho para o Caminho ainda está nublado? Se o torpor ou a dispersão aparecerem repetidamente, você deve recitar: “Habitualmente ele é profundamente enraizado, por isso estou envolto pelo torpor. Quando esse torpor se dispersará? Que a compaixão dos Budas e Patriarcas elimine essa escuridão e pesar”.

Se a mente vagar, leve a atenção para a ponta do nariz e para o tandem e conte as inspirações e expirações. Se isso não interromper a dispersão, traga uma frase e permaneça atento a ela – por exemplo: “O que é isso que vem, portanto”? ou “Quando nenhum pensamento aparece, onde está a aflição? – Monte Meru!” ou “Qual é o significado de Bodhidarma ter vindo do Oeste? – O cipreste no jardim”. Ditos assim, dos quais você não pode extrair nenhum sabor, são adequados.

Se a dispersão permanecer, sente-se e observe aquele ponto em que a respiração termina e os olhos fecham-se para sempre e onde a criança ainda não foi concebida, onde nenhum único conceito pode ser formulado. Quando o sentimento de um duplo vazio – do eu e das coisas – aparecer, a dispersão certamente esmorecerá.

8.

Saindo da imobilidade, ocupe-se com suas atividades sem hesitação. Este momento é o koan. Quando a prática e a realização não guardam complexidade, então o koan é este momento presente. Este momento, que é antes que qualquer indício surja, a visão do outro lado da destruição do tempo, a atividade de todos os Budas e Patriarcas Iluminados, é apenas esta única coisa.

Você apenas deve parar e cessar. Tranqüilize-se, passe inumeráveis anos como este momento. Seja cinzas frias, uma árvore seca, um incensário num templo abandonado, um pedaço intocado de seda.

Este é meu sincero desejo.

Zanmai Ozammai

O Rei de todos os Samadhis
(Dogen Zenji)

Sentar-se na postura de lótus é transcender o mundo inteiro; é o incomparavelmente precioso e sublime estado dos Budas e Patriarcas. Quando nos sentamos nessa postura, deixamos para trás os descrentes e os demônios e entramos nas profundezas do coração dos Budas e dos Patriarcas. É somente por meio deste Caminho que podemos atingir a transcendência absoluta e alcançar nosso destino final. É por isso que os Budas e Patriarcas se concentraram nesta prática, e em nada mais.

Saiba que o mundo do zazen é completamente diferente de qualquer outra dimensão. Quando esse princípio estiver esclarecido, você deve desenvolver o propósito de atingir a iluminação e buscar a prática verdadeira, a iluminação, e o nirvana.

Quando estiver em zazen, observe se o tempo permeia ou não o espaço vertical e horizontal e reflita sobre a natureza do zazen: ela é diferente da atividade normal? É um estado altamente vigoroso? É pensar ou não-pensar? Ação ou não-ação? O zazen é apenas a postura de lótus ou ele existe no corpo e na mente? Ou ele transcende o corpo e a mente? Devemos examinar esses diferentes pontos de vista. O objetivo é obter a postura de lótus em seu corpo e a postura de lótus em sua mente; e é preciso que você mantenha a postura de lótus quando o corpo e a mente forem abandonados.
Meu mestre Nyojo dizia: “Quando você pratica zazen o corpo e a mente são abandonados. Isso só pode ser alcançado por meio do shikantaza. Queimar incenso, prostrações, o nembutsu, penitências e leitura de sutras não são necessários”. Nos últimos 400 ou 500 anos, apenas Nyojo ensinou que podemos confrontar diretamente a mente dos Budas e Patriarcas por meio do shikantaza e nos tornarmos um com sua experiência. Pouquíssimos na China podem se comparar a ele. Não foram muitos os que identificaram o zazen com o Dharma de Buda, o Dharma de Buda com o zazen, e ninguém esclareceu a verdadeira forma do zazen como o Dharma de Buda.

O zazen da mente não é o mesmo que o zazen do corpo, e vice-versa. Há um zazen do shikantaza que difere do zazen em que corpo e mente foram abandonados. Quando corpo e mente são abandonados, atingimos a compreensão e a experiência dos Budas e Patriarcas e devemos preservar essa mente, examinando completamente seus aspectos.

Certa vez Buda Shakyamuni instruiu uma grande assembléia de monges: “Se alguém se senta na postura de lótus, realiza o samadhi no corpo e na mente. Ele alcança grande virtude, é respeitado por todos e seu esplendor é como o do sol iluminando o mundo inteiro. Indolência e preguiça são lançadas fora e ele se torna luminoso e incansável; a mente da iluminação é radiante e brilhante. Sua forma é como a de um dragão serpenteante. Quando Mara vê a pintura de alguém na postura de lótus, enche-se de horror e medo. Quão maior será esse terror se ele vir a postura de lótus de um iluminado?”

Se apenas a pintura da postura de lótus já subjuga Mara, quão grande deve ser a ilimitada virtude da postura em si! Portanto, quando sentamos em zazen, realizamos uma alegria e uma virtude sem medidas.

Shakyamuni também disse a uma grande assembléia de monges: “É por isso que me sento na postura de lótus”. Ele então disse aos seus discípulos para se sentarem na postura de lótus. Aquele que não encontraram o Caminho buscam-no valendo-se de inumeráveis posturas – andando nas pontas dos pés, permanecendo sempre de pé, cruzando as pernas atrás do pescoço etc. –, mas eles estão submersos num oceano de enganos e sua mente nunca está em paz. Por esse motivo Shakyamuni instruiu seus discípulos para se sentarem aprumados na postura de lótus. Se nos sentamos aprumados, nossa mente se alinha, e sua dispersão e perambulação é trazida para a unidade. Se nossa mente se perde ou nosso corpo oscila, essa postura pode recolocá-los na ordem correta. Se você pretende entrar em samadhi, deve deixar que todos os seus pensamentos errantes e dispersos repousem. Pratique dessa forma e você atingirá o Rei de todos os Samadhis.
Portanto nós claramente entendemos que a postura de lótus é o Rei de todos os Samadhis. É a compreensão. Todos os outros samadhis lhe são subordinados. A postura de lótus é um corpo aprumado, uma mente resplandecente e o corpo e mente das coisas como elas são, que conduz diretamente aos Budas e Patriarcas, à prática correta e à iluminação, e à existência última de todas as coisas na natureza-de-Buda.

Podemos concretizar o Rei dos Samadhis por meio da postura de lótus neste mesmo corpo – em nossa pele, carne, ossos e tutano. Buda Shakyamuni sempre usou essa postura e a transmitiu a seus discípulos, ensinando-a tanto para homens como para deuses. Desde os sete Budas do passado, a essência do Caminho de Buda é a postura de lótus.

Enquanto Buda Shakyamuni se sentou na postura de lótus sob a árvore Bodhi, inúmeros kalpas se passaram. Porém, independentemente do tempo que se passou – 50 ou 60 kalpas, 21 dias ou apenas um breve instante –, ele fez girar a roda da Lei. O ensinamento de Shakyamuni é completo e não tem lacunas. A postura de lótus contém em si mesma todos os sutras. Um Buda encontra o outro nessa postura, e todos os seres sencientes tornam-se Budas nesse instante.

Quando o primeiro Patriarca, Bodhidharma, veio do oeste, ele passou nove anos sentado em frente a uma parede no monastério de Shositsu Hoshorinji, no Monte Su. Desde então, a essência e a semente do Dharma se espalharam por toda a China. A postura de lótus era o sangue vital do primeiro Patriarca. Antes de ele ir à China ninguém conhecia tal postura. Por toda a nossa vida devemos, portanto, nos empenhar, dia e noite, em praticar a postura de lótus e não abandonar o monastério – esse é o Rei de todos os Samadhis.

Fukanzazengi

Regras gerais para a prática do zazen
Dogen Zenji (1200-1253)


Quando se busca a fonte do caminho, percebe-se que ele é absoluto e tudo permeia. É desnecessário distinguir entre “prática” e “iluminação”.

O ensinamento supremo é livre, então por que estudar os meios para alcançá-lo?

O caminho é, desnecessário dizer, muito diferente da delusão.
Por quê, então, preocupar-se com os meios de eliminá-la?

O caminho está completamente presente onde você está, então para que servem a prática e a iluminação?

Contudo, se houver na origem uma minúscula distinção entre você e o caminho, o resultado será uma separação tão grande quanto a que há entre o céu e a terra. Caso um fugaz pensamento dualístico surja, você já perderá sua mente-de-Buda.

Por exemplo, algumas pessoas se orgulham do seu entendimento, e pensam que são fartamente dotadas da sabedoria de Buda. Elas pensam ter atingido o caminho, iluminado suas mentes e adquirido o poder de tocar os céus. Elas imaginam que viajam pelos campos da iluminação. Mas na verdade elas praticamente perderam o caminho perfeito, que está além da própria iluminação.

Você deve atentar para o fato de que mesmo Buda Shakyamuni teve de praticar zazen, durante seis anos. Também se narra que Bodhidharma teve de praticar zazen no templo de Shao-lin por nove anos para poder transmitir a mente-de-Buda. Se esses grandes homens sábios foram tão diligentes, como poderiam os praticantes de hoje em dia prescindir da prática do zazen? Você deve parar de perseguir palavras e erudição e aprender a se recolher e se refletir em si mesmo. Quando você faz isso, seu corpo e sua mente naturalmente são abandonados, e sua natureza-de-Buda original surge. Se você pretende compreender a sabedoria de Buda, deve começar a treinar imediatamente.

Para praticar o zazen é desejável ter um aposento silencioso. Você deve ser moderado no comer e beber e abandonar todas as atividades ilusórias. Pondo tudo de lado, não pense nem no bem nem no mal, nem no certo nem no errado. Desse modo, cessando as várias atividades mentais, abandone até mesmo a idéia de se tornar um Buddha. Isso é verdadeiro não só para o zazen, como para todas suas atividades diárias.

Coloque uma esteira grossa e quadrada sobre o chão onde você se sentará e sobre ela uma almofada redonda. Você pode se sentar igualmente nas posições de lótus completo ou de meio-lótus. Em lótus completo, coloque seu pé direito sobre sua coxa esquerda e então seu pé esquerdo sobre sua coxa direita. Em meio-lótus, apenas coloque seu pé esquerdo sobre a coxa direita. Suas roupas devem ser confortáveis, porém asseadas. Em seguida coloque as costas de sua mão direita sobre seu pé esquerdo a as costas da mão esquerda sobre a palma da mão direita, com as pontas dos polegares tocando-se levemente. Aprume o corpo, não se inclinando nem para a esquerda nem para a direita, nem para a frente e nem para trás. Suas orelhas devem estar no mesmo plano que seus ombros e seu nariz alinhado com seu umbigo. Sua língua deve ser colocada contra o céu da boca e seus lábios e dentes devem permanecer firmemente fechados. Mantendo seus olhos constantemente abertos, respire suavemente pelas narinas. Finalmente, tendo ajustado seu corpo e sua mente dessa forma, faça uma profunda respiração, balance seu corpo para a esquerda e para a direita e então permaneça solidamente, imóvel como uma rocha. Pense no não-pensar. Como se faz isso? Pensando além do pensamento e do não-pensamento. Este é o princípio fundamental do zazen.

Zazen não é “meditação passo a passo”, mas simplesmente a tranqüila e agradável prática de um Buddha, a realização da sabedoria de Buddha. A verdade aparece, não há delusão. Se você compreende isso, você é completamente livre, como um dragão que alcançou a água ou um tigre que descansa na montanha. A lei suprema então surgirá por si mesma, e você se libertará do cansaço e da confusão mental.

Ao término do zazen, movimente o corpo vagarosamente e levante-se com tranqüilidade. Não se mova abruptamente.

Pela virtude do zazen é possível transcender a diferenciação entre “mundano” e “sagrado” e conquistar a capacidade de morrer enquanto se pratica zazen ou enquanto se está de pé. Além disso, é impossível para nossa mente discriminativa entender como os Buddhas e ancestrais expressaram a essência do Zen para seus discípulos com o dedo, uma estaca, uma agulha ou um martelo de madeira, ou como eles transmitiram a iluminação com um hossu, um punho, um bastão ou um grito. Isso não pode ser compreendido por meio de poderes sobrenaturais e tampouco com uma visão dualística da prática e da iluminação. Zazen é uma prática além dos mundos subjetivo e objetivo, além do pensamento discriminativo. Portanto, nenhuma distinção deve ser feita entre o inteligente e o estúpido. Praticar o caminho com o coração uno é, por si mesmo, iluminação. Não há diferença entre prática e iluminação ou entre zazen e vida diária.

Os Buddhas e os patriarcas, tanto neste como noutro mundo, na Índia e na China, todos eles mantiveram a mente-de-Buddha e ressaltaram o treinamento Zen. Portanto, você deve dedicar-se exclusivamente à prática do zazen, completamente absorvido por ela. Apesar de ser dito que há inúmeras maneiras de entender o Buddhismo, você deve apenas praticar o zazen. Não há necessidade de abandonar seu próprio local de prática e empreender viagens inúteis para outros países. Se o seu primeiro passo for errado, você inevitavelmente fracassará. Você já teve a boa sorte de ter nascido com um precioso corpo humano, portanto não desperdice seu tempo em vão. Agora que você sabe qual é a coisa mais importante no Buddhismo, como pode se satisfazer com o mundo transitório? Nossos corpos são como o orvalho na relva, e nossas vidas como o brilho de um relâmpago, desaparecendo em um instante.

Praticantes determinados do Zen, não sejam pegos de surpresa por um dragão real ou dediquem muito tempo apalpando apenas uma parte de um elefante. Apliquem-se no caminho que leva diretamente à sua mente original de Buddha. Respeitem aqueles que alcançaram o conhecimento perfeito e nada mais têm a fazer. Tornem-se um com a sabedoria dos Buddhas e alcancem a iluminação dos patriarcas. Se praticarem zazen por algum tempo, compreenderão tudo isso. A casa do tesouro então se abrirá por si mesma e vocês poderão usufruí-la plenamente com seus corações.

Introdução

Há inúmeras formas de se aproximar do Caminho de Buda. Pode-se empreender estudos teóricos sobre o Cânone Páli, ou então ler os sutras Mahayana e os textos dos mestres chineses. Igualmente, pode-se realizar uma viagem à Índia, visitando os locais por onde Buda Shakyamuni teria passado. Outra opção é dedicar-se à farta literatura contemporânea de comentaristas dos textos clássicos. Além disso, palestras, vídeos e ampla variedade de informação estão disponíveis atualmente.

No entanto, há um caminho que leva diretamente ao esclarecimento da Natureza de Buda: o zazen.

Praticar o zazen é experimentar com os próprios ossos a prática que Shakyamuni realizou e que o conduziu à iluminação.

Keizan Zenji assim narra esse momento:

“Sob a árvore de bodhi, antes do amanhecer, Sidharta Gautama percebeu diretamente a estrela da manhã e despertou além de todo o despertar, exclamando:

– Eu, a vasta Terra e todos os seres são iluminados e manifestam, sem esforço, o grande caminho. Sou o universo vivo. Sou os seis reinos da transmigração. Tudo isso, funcionando harmoniosamente, já é a iluminação.

Não há mais árvore bodhi, nem estrela da manhã. Não há mais os seis reinos, nem seres sencientes. Não há mais Sidharta; só há despertar; só há Budha; só Shakyamuni.”

Shakyamuni não atingiu um estado de transe, mágico ou sobrenatural, mas despertou a própria natureza de todos os Budas que cada ser traz em si.

Hoje, mais de 2.500 anos depois, devido ao esforço de inúmeros mestres, alunos, praticantes leigos, monges e de todos os incontáveis seres que propagaram e propagam o Dharma de Buda, podemos repetir a experiência de Shakyamuni.

Nesta seção oferecem-se alguns textos clássicos que ensinam a praticar o zazen. Eles devem ser encarados como guias de viagem, necessárias referências para orientar o viajante no caminho que decidiu empreender, mas que jamais poderão substituir a experiência da prática concreta.

Que essa leitura sirva para inspirar a prática do zazen. Experimentem com o próprio corpo a realização de Buda Shakyamuni. Não se esqueçam, porém, da necessidade de praticar sob orientação de um mestre e junto a uma sangha, a comunidade de praticantes. Assim não se perderão em sua jornada e terão sua determinação sempre encorajada pelos companheiros.

Novatos ou experientes, leigos ou monges, humanos ou seres celestiais, a Postura do Despertar não faz distinções. Que todos possam praticar o Rei de Todos os Samadhis.

Koun

sexta-feira, janeiro 12, 2007

Sobre o Empenho do Caminho

Há aqueles que, atraídos pela relva,pelas flores,pelas montanhas e pelas águas,fluem para o caminho de buda.E há aqueles que,agarrando a terra,os rochedos,a areia e as pedras,manifestam o selo de buda.De fato embora as ilimitadas palavras do buda transbordem entre infindas coisas,o girar da grande roda do darma está contido dentro de uma única partícula.Neste sentido as palavras "A mente em si mesma é buda" são como a lua refletida na água ;o ensinamento "Sentar-se é em si mesmo tornar-se buda" é como o reflexo no espelho.Não vos preocupeis com o esplendor das palavras.Ao mostrar o excelente caminho da transmissão direta pelos ancestres de buda,estou apenas recomendando a prática da percepção imediata da sabedoria na esperança de que vos torneis verdadeiros praticantes do caminho.
(Escritos do Mestre Dogen)

sábado, janeiro 06, 2007

Misteriosa

Uma realidade, apenas –
Quão profunda e irradiante!
As dez mil coisas
Quão emaranhadamente multivariadas!
O verdadeiro e o convencional mesclam-se, de fato.
Mas, essencialmente, da mesma substância são feitos.
O sábio e o não-iluminado são distinguíveis, de fato.
Mas no Caminho eles são unidos como um.
Gostaria, então, de encontrar seus limites?
Quão amplamente se expandem! Ela é ilimitada!
Quão tenuemente ela se desvanece! Seus fins jamais são alcançados!
Ela se origina num tempo sem início, ela termina num tempo sem fim.

(Sosan, o terceiro Patriarca)

quarta-feira, janeiro 03, 2007

Frutas

Sempre escolhi as melhores frutas, as maiores, mais perfeitas, mais bonitas e coloridas. Mas descobri que esta não é a melhor forma de se escolher frutas. Hoje seleciono as frutas com outros critérios, não me importo em também pegar frutas menores ou com pequenos amassados ou consideradas menos bonitas, as frutas mais "bonitas" talvez sejam melhores para presentear um amigo. Se levo sempre as melhores frutas, conseqüentemente estarei deixando as mais feias para os outros, ou então estarei contribuindo para que frutas consumíveis acabem sendo jogadas no lixo depois de várias não-escolhas. Lembro das mangueiras e das amoreiras que vivem perto da minha casa, elas nunca me escolheram, nunca impediram que alguém, seja quem fosse, retirasse delas seus frutos.