sexta-feira, maio 26, 2006

A prática da plataforma

Nos horários de pico, a entrada nos vagões do metrô é sempre bastante tumultuada. Ainda antes de as portas se abrirem, muitos invadem a área delimitada pela faixa amarela, se acotovelando à espera de que o vagão pare. Apesar de haver faixas indicativas para organizar filas, todos se aglomeram, comprimindo-se desordenadamente. Assim que as portas se abrem, aos empurrões as pessoas entram no trem. Nesse momento não se respeita a posição na fila ou a idade, é cada um por si, à procura dos melhores lugares. Podemos sentir raiva com essa falta de educação, afinal estamos ali parados certinhos na fila. Podemos também, aos trambolhões, defender nossa posição na entrada do vagão, não permitindo que outros tomem a nossa frente. É possível, ainda, ceder a passagem, à espera de que todos entrem, para só então procurar embarcar. Nesse caso, corre-se o risco de se ficar de fora, e isso levará a um atraso em nosso caminho. Outra possibilidade é acordar mais cedo e evitar o horário do rush. Também é possível abandonar essas considerações e entregar-se ao fluxo da multidão. Se alguém nos der passagem, agradecemos; se pisarmos no pé de algum, pediremos desculpas.

Meu ingresso no Caminho

Era inverno quando fiz os votos para monge no Templo Busshinji. Nem mais me lembro qual era o dia. Lembro-me do mês: julho. Ano: 1989. Antes, por uns dois ou três anos vinha freqüentando as sessões do sábado. Tempos difícies aqueles. O Templo era uma casa antiga, construído no final do século XIX. Na verdade, eram duas as casas. Numa delas funcionava como escritório e Sala de Buda, também tinha nesta a sala de chá, a cozinha e instalações para o repouso dos monges. Na outra casa, ao lado, aos fundos, após avançar por um corredor sinistro, penetrava-se num ambiente em que encontrava-se um tambor velho, o taiko, uma tábua para ser batido, o moppan, e um sino enferrujado. Numa sala os visitantes sentavam-se e ficavam a espera do início do zazen. Pouco se falava ou quase nada. Era então o monge responsável pelas sessões de zazen o velho e saudoso Tiba. De poucas palavras, Tiba-san quebrava às vezes sua carranca de sobrancelha de taturana para receber os alunos. Quando acabava a sessão de zazen, todos dirigiam-se novamente à sala de espera e Tiba-san perguntava em seu português sofrível se alguém tinha alguma pergunta. Não se costumava perguntar muito. Só de olhar para a cara do Tiba-san qualquer um desanimava. Ficavam receosos. Tinham medo! Uma vez um novato encorajou-se e fez uma pergunta qualquer. Abstrato demais para o Tiba-san. Por isso, a pergunta encontrou um imenso vazio. Depois, Tiba-san olhou para todos e ensaiando um sorriso finalizou: "Não mais pergunta, boa noite, podem embora". Com os olhos muitas vezes úmidos, os alunos punham as mãos em gashô e reverenciavam o velho monge. Assim, comecei a entrar no universo Zen. De poucas palavras.
Mesmo depois que Tiba-san adoentou-se, continuei a freqüentar as sessões do Busshinji. Naquele tempo, esperávamos na rua, quando o monge abria o portão e nos deixava entrar. Não havia na parte de fora uma placa anunciando que lá era o templo. Nem sei direito se foi por minha vontade própria que cheguei ao templo. Ou outros colegas também não poderiam responder direito a esta pergunta. Certo dia indaguei um monge: "Não sei o que vim fazer aqui?". Sorrindo sua cara de lua cheia, o velho Ohata explicou "Não foi por sua vontade apenas, o Buda quis que você estivesse aqui". Nunca mais fiz pergunta semelhante.

quinta-feira, maio 18, 2006

A tartaruga e a carpa

Nesta quarta-feira tive uma experiência ilustrativa durante o zazen realizado no Pavilhão Japonês, no Parque do Ibirapuera. Com ênfase, uma das situações foi contado por um amigo que sentou-se ao meu lado; nunca tinha feito zazen. Expliquei-lhe como cruzar as pernas, a mãos em mudra cósmico e principalmente a respiração pausada, concentrada na região abdominal. Não tinha parede para pousarmos o olhar semi-cerrado. Ao invés disso, um jardim em que se encontravam duas tartarugas. Em sua concentração, sem reparar nas tartarugas manteve-se atento por alguns minutos. Depois da sessão ele me confidenciou: "nunca pensei que a tartaruga andasse tão rápido".
Mas do outro lado, a visão não era menos atípica: uma lagoa com carpas. O som da água escorrendo pela fonte e o barulho das carpas, mais de uma dezena, nadando em cardume a procura de alimento, a monotonia foi quebrada por um peixe que salta de repente sem motivo aparente. Na concentração, os olhos semi-cerrado divisavam apenas a paisagem na movimentação monótona. Eis que a carpa colorida salta diretamente nas ondas da mente, espatifando num estalido abrupto.

quinta-feira, maio 04, 2006

A mente que conhece o que é suficiente

Não há virtude no que é escasso,
assim como não há vício no que é abundante.
Independentemente da prosperidade ou da pobreza,
quando a mente da voracidade surge,
as pessoas esquecem suas boas intenções.
A mente de Buda é aquela que sabe o que é suficiente.

(Eihei Dogen)