segunda-feira, dezembro 31, 2007

Ano novo

(Sutra da Perfeição da Sabedoria do Diamante que Corta as Ilusões)

Assim devemos pensar sobre este mundo efêmero:
uma estrela ao amanhecer, uma bolha na correnteza
o brilho de um relâmpago numa nuvem de verão
uma lamparina tremulante, um fantasma, um sonho.

segunda-feira, dezembro 24, 2007

A importância de um sesshin

Perguntar-se sobre a importância de um sesshin, para aqueles que o fazem, fizeram ou farão, é uma das questões que soa desnecessária, até mesmo retórica. Um sesshin é importante; por que, de outra forma, as pessoas deslocariam-se de longe para passar dias e dias sentados no zafu? Eu, contudo, peguei-me fazendo esta pergunta, inspirado pela lembrança das minhas dores, dramas e desistências.

Há várias coisas das quais sentimos a diferença somente depois que elas acabam. Engana-se quem acha que, findo um evento, findas as suas repercussões. Durante um sesshin podemos sentir e vivenciar várias coisas, todos nós o sabemos. É somente, porém, quando voltamos para casa, quando voltamos para a nossa rotina, que vemos coisas novas desenrolarem-se – algo que talvez estava lá antes mesmo da viagem.

Uma das importâncias óbvias de um sesshin é o simples fato de que os praticantes reunidos ajudam a manter a prática uns dos outros. Podemos passar a admirar a coragem de Sidarta em sentar-se em zazen sozinho, sem professor, preceptor ou colegas, depois que vemos o quão fracos somos se não praticamos com outros. Não precisamos evocar forças ou energias: a simples pressão social de não abandonar uma sessão de zazen faz maravilhas – eu teria escapado muito, muito antes do terceiro dia.

Importante, também, praticar, neste caso, do lado de um roshi , e de pessoas que praticam o zazen por anos e décadas.

Importante ter a oportunidade – devido a um tempo planejado de prática intensiva – de aprofundar-se no zazen, de poder descobrir estados ainda não conhecidos, de poder ir um pouco mais longe que a prática cotidiana nos permite.

Tudo isto, enfim, importante. Valioso.

Mas há outra coisa importante que desejo deixar para falar aqui: importante é fazer um sesshin, com todas as suas importâncias – e desimportâncias – para ter esta experiência e voltar para as nossas vidas.

Como dizia antes, há coisas das quais o peso delas cai depois: seja fazer sentido depois, seja cair a ficha depois, seja simplesmente revestir-se de outras vivências, depois. Para ser sincero, não tinha muita certeza de porque eu fazia o tal sesshin – ah, por causa do rakussu, uma península de orgulho (o lado bom do orgulho, nos faz fazer coisas que não faríamos com pretensa humildade), para não decepcionar a mim mesmo e aos outros, por uma sede de saber, por um desejo inominável, para pura e simplesmente praticar. Ah, miríades de razões. Mas não tinha certeza e, acima de tudo, nos momentos mais desesperados, para a pergunta "por que você não vai embora?", eu só sabia dizer, depois de um certo tempo: "eu não sei". Prometia a mim mesmo que iria até o final do dia e então, somente de noite, iria ver se ia embora ou não. Cada dia acabava em si mesmo: cada dia um novo dia, nova prática. Cada novo momento. Apesar das várias coisas, apesar das dores e delícias, apesar do rakussu para terminar, apesar dos transeuntes noturnos de São Paulo, apesar do delicioso nabo amarelo, íamos somente indo, fazendo zazen na hora do zazen. Apesar dos diversos pensamentos e distrações.

É agora que, então, olhando para lá, para a semana passada, me pergunto: como foi possível? E não é que aconteceu? Aconteceu. Ao mesmo tempo que pode parecer um sonho, ter um toque de irreal, tem a realidade das coisas não-sonhadas.

O valioso de um sesshin é ter a experiência da prática viva, presente, como um marco. Esta prática constante, este breve período em que nos permitimos e permitimos aos outros que praticassem com mais afinco, ecoará dias e semanas e meses depois, nos lembrando da nossa prática. Mesmo que sentemos muito pouco, mesmo que esqueçamos temporariamente do zazen, mesmo que o ritmo de nossas vidas exija outras prioridades, a experiência está "lá", podemos (tentar) voltar a qualquer momento e nos servir dela.

Qual experiência?

Dogen usava uma expressão interessante para referir-se à prática: prática-esclarecimento, ou prática-iluminação. A prática é iluminação, iluminação é prática; uma não difere da outra. Dizer, porém, que elas são "uma mesma coisa", só que "duas faces de uma mesma moeda" é perder a experiência com palavras: mesmo dizer do Um é perdê-lo irremediavelmente como Um. As palavras vêm, necessariamente, depois, e têm o seu gosto peculiar, muitas vezes saboroso; mas a prática, porém, está além das palavras, não no sentido que as negue.

Zazen é negar nada e afirmar nada. Se tivesse eu feito um esforço para "livrar-me" de todos os impedimentos, de todas as distrações, de todos os "venenos" durante o sesshin, isto não seria zazen: isto seria eu fazendo esforço para livrar-me de impedimentos, distrações e "venenos". Na maior parte do tempo, era isto que fazia: lutando com a dor ou tentando agüenta-la, pensando em desistir e depois arrependendo-me de pensar em desistir. Mas, embora isto não seja o zazen, isto é zazen: eis a nossa vida, eis a nossa prática. Nada de especial, de excepcional, no sentido de que antes mesmo que pudéssemos falar enquanto praticamos ela está lá. É simples, não é? Todos nós o sabemos. Simples mesmo em sua tremenda dificuldade.

"Nadem quanto queiram, os peixes não encontram um fim no mar; voem quanto queiram, os pássaros não encontram um fim no céu." Dogen Zenji, Shobogenzo Genjokoan.

Afinal, quando falamos de prática, sobre quem estamos falando?

Agora mesmo eu falo de importante e não-importante, de valioso, de prática e iluminação e vida, como se fossem coisas ou separadas ou excepcionais. É uma maneira de falar, uma maneira de passar algo – que eu espero que agrade a uns e sirva a todos.

quinta-feira, dezembro 20, 2007

Sesshin da Iluminação

Da forma como Buda almejou libertar-se

Não foi este o primeiro sesshin realizado em nossas vidas, nem o segundo e nem o terceiro. Foram muitos, que perdemos da conta. Mas sempre é como se fosse o primeiro. E, se tratando do Sesshin da Iluminação, algo diferente acontece. Nestes oito dias de retiro, sentando-se mais de oito horas, repetimos o gesto que levou Sidharta a Bodhigaya a sentar-se abaixo da árvore da sabedoria. Teria sido lá, a mais de 2500 anos que o príncipe de Kapilavastu alcançou a Iluminação. Foi quando disse, “neste momento eu e simultaneamente todos os seres existentes tivemos a experiência da libertação. Não apenas Sidharta, mas todos: humanos, animais, vegetais, montanhas, rios e vales”.

Assim conta a lenda. Maravilhoso do ponto de vista da narrativa fantástica, na qual incluem os seres fantásticos. “Se Buda tivesse dito que se Iluminou, quem acreditaria?” – provocou o Superior Dosho Saikawa. Por isso, a dúvida da Iluminação de Buda, pode ser colocada a prova através de uma confirmação prática. Sente-se, apenas sente-se, da maneira ensinada pelas palavras de Dogen Zenji: Shikantaza! Teria agido desta forma o Buda, quando escolheu o Caminho do Meio e entregou-se a sentar em zazen por oito dias. Não poderia ser diferente para um praticante do Zen, que ao invés de acreditar simplesmente, num ato cego de fé, faz o mesmo que Buda fez. E abre a possibilidade de conhecer as etapas que Buda experimentou no corpo e mente.

Penetrando fundo no zazen, Sidharta enfrentou as filhas do demônio Mara. Que venha cada uma delas, na forma de sensualidade, de medo, de raiva, enfim de todos as manifestações de apego à abstração da mente iludida. Se num primeiro momento Mara surgia como um sedicioso mago da confusão egoísta, sofredor de suas próprias angústias, depois Mara apresenta-se com o semblante calmo de Buda. Não se tratava este de um ser externo ao seu criador, nunca existiu além da própria mente. Ao tentar seduzi-lo numa última cartada, Buda aponta para a terra e Mara reconhece a derrota. Mais do que o céu – quer dizer as idéias – no budismo enfatiza-se a terra – ou seja, a não dualidade.

Como discurso, a Iluminação de Buda é algo maravilhoso, que se admira e respeita, mas sempre se trata de um ato realizado pelo outro. É o outro que se Ilumina. Pode-se ter idéia da Iluminação, mas nunca a idéia substitui a verdade. Para que a Iluminação se torne uma verdade comprovada, os céticos do Zen participam do Sesshin da Iluminação.

No Templo Busshinji tornou-se comum um sesshin em que sentar é o ponto mais alto da experiência. Saikawa Roshi disse a respeito: ”o nosso sesshin é uma atitude simples e alegre de conhecer a nós próprios”. No último dia, a experiência se estende pela madrugada, devendo encerrar-se às 3hs. Foi pela manhã que Sidharta vislumbrou adiante a estrela matutina, cuja luz ao refletir em seus olhos, percebeu que o universo não se encontrava dividido e ele próprio era parte da totalidade sem distinções. Nos outros dias de sesshin costuma-se dormir à noite, o mesmo não acontecendo na última. Aliás, no Japão alguns templos não encerram o sesshin na madrugada que Buda se tornou Iluminado, mas estendendo-se pelo dia todo em reconhecimento ao patriarca chinês Taisso Eka. Dizem que se Eka não tivesse insistido com seu mestre indiano Bodhidharma, o budismo zen não teria chegado à China e provavelmente desaparecido. Em agradecimento a Eka, se faz mais um dia de sesshin. Esta prática não foi ainda incorporada no Brasil, pelo que se tem conhecimento.

Só de se falar em sesshin, alguns arrepiam de medo. “Não é para mim”, ouve-se de um canto para outro. Argumenta-se também que os que participam do sesshin são os mais preparados ou que não sentem dores nas pernas. Ledo engano. Esta idéia é errada. Pensar desta forma é insistir na dualidade e cair na delusão. Não apenas isso, é uma atitude discriminatória. Nem os que participam do sesshim podem ser considerados melhores em detrimento aos que não participam.

Mas durante o sesshin conhecemos um pouco de nós mesmos. Em atitude de observação, pudemos constatar alguns pontos: todos sentem dores, inclusive aqueles mais treinados; a resistência de alguns tem menos a haver com a condição física (flexibilidade e força) do que a condição espiritual (mente tranqüila ou intranqüila). Responsabilizar a dor física como único fator para a desistência ou ainda para a produção de confusão mental é menos verdadeiro do que o fluxo de pensamento egotista possibilitar a desconcentração e, conseqüentemente, valorizar a dor física. Dizer que fazer zazen não passa de uma técnica convencional, que deve ser dominada, não me parece tão verdadeiro assim. Zazen de cada dia é um zazen novo, como fosse o zazen da primeira vez.

Nem mesmo o mais flexível dos homens, um ginasta, o homem borracha do circo, conseguem sentar-se em zazen se a mente não tiver treino suficiente para manter a tranqüilidade. Será um tormento ficar imóvel. Homens com corpo malhado, marcado pelos exercícios de levantamento de pesos não fazem frente a frágeis meninas que, no entanto, têm força mental. Quanto menos se valoriza o ego, maior é o abandono dos apegos, conseqüentemente a mente se torna mais tranqüila. Maior é a força mental quanto é menor o apego. De fato, vivemos momentos de grande intranqüilidade, pois temos apegos ao nosso próprio valor, à nossa capacidade, ao nosso talento, à nossa inteligência, à nossa beleza e não apenas aprendemos a “ser melhores”, mas temos que “parecer melhores”. Tudo isso não passa de ilusão. Sabemos disso, mas recusamo-nos a abandoná-los. Sofremos, mas não queremos, inclusive, abandonar o sofrimento. Tudo por uma questão de vaidade.

Arriscar-se em realizar um sesshin até as profundezas de nossa medula é cair em febre, quando o ego sente-se ameaçado de perder a identidade. A identidade é uma ilusão, criada por nós próprios e pelos nossos próximos. De tão acostumados que estamos em deitar no colchão confortável da ilusão, sentimo-nos agredidos quando temos de assumir responsabilidades pelas nossas ações. E assim delega a responsabilidade para os outros e Iluminação não prescinde dela.

Realizar o Sesshin da Iluminação é ser o Buda por oito dias, vencendo etapas, enfrentando demônios e não seduzir pelas promessas vãs dos deuses. Não basta acreditar na Iluminação, pouco isso importa. Deve ser saboreado em seu total paladar.

sábado, dezembro 08, 2007

Seshin da Iluminação

Acontece no Templo Busshinji, de 9 a 16 de dezembro, o Sesshin da Iluminação (Rohatsu Sesshin). A participação é aberta a todos os interessados. Todos devem vestir roupas pretas. Durante a prática do sesshin não serão permitidas saídas inesperadas ou entradas atrasadas. Não se traz telefone celular e nem usa o telefone do templo. Na hora do samu (trabalho), deve executar as tarefas com afinco. Evitar conversar durante os intervalos.
Mesmo os praticantes de outras escolas podem participar, desde que se adaptem às normas da casa. Como não temos acomodações apropriadas, os participantes retornam para as suas casas à noite.
O custo para este sesshin é de R$ 200.
O Templo Busshinji fica na Rua S. Joaquim, 286, Bairro da Liberdade, São Paulo. Inscrições no local.