quarta-feira, março 24, 2010

Ação Correta




Dias atrás uma amiga falava de um amigo em comum, que havia estado na Índia de férias, e lá passou um tempo num ashram (local de prática espiritual), conviveu com "Avatares Iluminados", na presença de um deles teria chorado copiosamente, apenas pela presença. Noutro momento, teve a oportunidade de conhecer o principal mestre do local, que recebia grupos de pessoas para uma entrevista direta, e nesta entrevista perguntaram, entre outras coisas, o que acontecia depois da morte. O mestre então disse que as pessoas inicialmente rememoravam toda a sua vida passada e depois escolhiam para que "plano" ou "mundo" seguir. Interessante esta visão, pois no caso é a própria pessoa que escolhe, depois de tomar consciência do conjunto de sua vida até aquele momento. Diferente das chamadas grandes religiões, onde sempre há uma entidade julgando aquele que chega no céu e decidindo por ele para que tipo de paraíso ou inferno ele deverá seguir.

O Zen não se ocupa destas questões, o que acontece depois desta vida veremos quando lá chegarmos. Se estamos presentes em nossa vida diária, se a todo instante estamos atentos, temos condições de decidir o melhor para aquele momento, ou ainda: atentos, deixamos fluir e observamos o próprio dharma se fazer, e vamos juntos, entre causas e efeitos.

Mas lembrando a resposta do grande mestre do ashram indiano, podemos fazer uma relação direta com a prática zen. No zen não fazemos distinção entre vida e morte, não da maneira comum. Se estamos vivendo, então estamos vivos, óbvio, mas do ponto de vista do nascimento, estamos morrendo, a cada instante, então também estamos mortos - vivos e mortos simultaneamente, como na física quântica. Cada instante vivido e observado é profundo e é um nascimento e uma morte em si, esta é uma visão do desapego. Bem, se estamos profundamente atentos aqui e agora, estamos percebendo que estamos morrendo, vivendo intensamente. A prática do zen escancara as portas da percepção da mente e do corpo e naturalmente o auto-conhecimento é percorrido, então convivemos a todo instante com todos os "ingredientes" da nossa vida, nossas causas e condições, as observamos e as aceitamos. Este é o tal "filme da vida", a rememoração de todo o passado, ele está aqui, em termos de desapego e sabedoria. Desta forma o zen não quer saber o que acontece depois da morte, daquela morte do caixão e do enterro, observamos a morte desde agora, a cada respiração, e decidimos pela "Ação Correta", que se completa de forma circular e dinâmica na observação do "Caminho Óctuplo". Assim o Caminho Óctuplo ganha sua dimensão:

1. Visão Correta - Sabedoria
2. Pensamento Correto - Sabedoria
3. Fala Correta - Ética
4. Ação Correta - Ética
5. Meio de Vida Correto - Ética
6. Esforço Correto - Prática contemplativa
7. Atenção Correta - Prática contemplativa
8. Prática Contemplativa (zazen) Correta - Prática contemplativa

Não há ninguém que possa decidir por nós, para qual mundo ir ou permanecer depois da morte (agora!), já estamos praticando isso, já nos movemos no caminho, passo-a-passo.

Não há ninguém que possa praticar por nós.

Não sabemos permanecer.

Esquecemos teorias.

segunda-feira, março 22, 2010

Confiança no translúcido
das formas incessantes

Para onde quer que olhem
estes olhos da face, como se não o fossem
Iluminam, para onde quer.
Obscurece apenas a pequena mente, renitente

Mas sob o sol, folhas fazem sombras na calçada
Não é o sol as formas das folhas na sombra?
Como olhos sem pensar, envolvente.
Vasto, vasto, da cor do que não acaba.

O que poderia fazer para impedir o belo de aparecer? (Deveria?)
Em todo lugar, a todo instante... (Não o faça!)
Chamaria então tudo belo, sendo: o que nem feio nem bonito
E que por encanto é assim, por natureza, e ainda antes: movendo...

Nem homem
nem mulher
nem flor
nem ramo
nem céu
nem chuva
nem cor
nem forma

Fios de água
Gotas sem cor
Fluxo de reflexos ondulantes
tudo ainda então,
movendo...

terça-feira, março 16, 2010

As Cinco Lembranças

1. "Pertenço à natureza do envelhecimento; não há nenhum modo de escapar do envelhecimento."

2. “Pertenço à natureza das doenças; não há nenhum modo de escapar de sofrer alguma doença."

3. “Pertenço à natureza da morte; não há nenhum modo de escapar da morte."

4. “Tudo aquilo que me é querido e todos que amo pertencem à natureza da impermanência. Não há nenhum modo de evitar me separar deles algum dia."

5. "Minhas ações são meus únicos verdadeiros pertences. Eu não posso escapar àsconseqüências de minhas ações. Minhas ações são o solo sobre o qual eu piso."

segunda-feira, março 15, 2010

Abandona o momento exato

Não mais ouvir assim, não mais ver assim, não mais lembrar assim, não mais sentir assim... Quando alguém Observa o nascimento das formas da mente, o momento preciso disto, estará aberto à "Grande Morte".

A morte que ultrapassa a morte, que vai além da sua vida, de qualquer vida. Vida à qual se pode chamar Livre. Porquê a própria raiz do apego foi exposta e abandonada, sem demora.

A mais clara e desperta vida nasce onde morrem as formações mentais. A cada instante, sem demora. Este momento é o Shikantaza, a iluminação. É simples, a iluminação acontece quando se pratica a iluminação e, claro: não é apenas sentado (em zazen), mas também na mente comum da vida cotidiana, da mais insignificante vida. Então: não mais falar assim, não mais querer assim, não mais sorrir assim...

Esta é a expressão da confiança no Dharma dos Budas.

segunda-feira, março 08, 2010

Vencer o inimigo pela gentileza

Um pequeno retrato de um companheiro de sangha, Rodrigo Pedaleiro. Um documentário preciso sobre sua prática de Kung-fu, onde se percebe que esta não está separada de sua vida. Como deveria ser com tudo o que fazemos. Nos arriscamos muito observando de fora, sem nos envolvermos com as coisas, muitas vezes com um distanciamento calculado, em participações muito condicionais. A vida quer o seu mergulho, assim ela o espera, sem separação, sem julgamento, sem comparação.



sexta-feira, março 05, 2010



Contemplação da Lua

Acontece neste mês, dia 30, às 19hs, no Templo Busshinji, o encontro de haicaístas a fim de contemplar a lua, evento anual que comemora o aparecimento da primeira lua cheia de outono. No ensejo, nos primeiros 30 minutos, os participantes apreciam a lua e compõem haicais. Depois, reúnem-se e apreciam o trabalho dos outros, e escolhem o de sua preferência. Mais tarde, pode-se saber o haicai mais votado, bem como o autor que teve o melhor desempenho.

Evento que acontece anualmente no local, com o patrocínio do Templo Busshinji e do Grêmio Haicai Ipê. Aberto a todos, pede-se trazer papel e caneta. A única condição é que se componha haicai, cujo termo de estação (Kigo) seja justamente a lua cheia de outono.

Templo Busshinji: rua São Joaquim, 285, Liberdade - próximo à Estação de metrô São Joaquim.

terça-feira, março 02, 2010

O silêncio do fundo

"Percepção" na prática do dharma de buda é estar em unidade com o que se percebe, ser um com a percepção. Pode-se usar ainda a palavra "profundamente" para dar ênfase a este tipo de ação. "Observar" também pode ser usado com o mesmo efeito. Quando se observa da "forma budista", há uma coisa só, uma completa interação, qualquer separação ou dualidade não passa de um efeito particular restrito a um ponto de vista aleatório, relativo a algo ou alguém. Então "perceber" ou "observar" é a própria expressão da unidade. Quando o Buda Shakiamuni declara: Eu, a estrela da manhã, a grande terra e todos os seres somos iluminados, ou, somos um só, ele percebe (profundamente) a iluminação, o fluxo na unidade causal entre todas coisas onde não há exceção, a verdade sem máculas, então: "Eu": o centro do universo; a "estrela da manhã": uma luz na abóbada celeste vinda de um outro espaço-tempo; a "grande terra": onde flui a nossa vida, o nosso espaço-tempo; "todos os seres": tudo o que está manifestado, tudo o que se diferencia, desde um grão de poeira a um beija-flor e uma cordilheira; pertencemos dinamicamente a um só fluir, uma só causa.

Quando falamos sobre a iluminação enquanto não a OBSERVAMOS, estamos nos iludindo no caminho, tentamos entender o desconhecido projetando nossa criatividade deludida. Ainda estamos querendo adquirir algo, adquirir conhecimento, consumir, banalizar. Se pensamos que a iluminação depois de alcançada é fixada ou não, é adquirida para sempre, ou não, estamos projetando nossa necessidade de possuir (fixar) algo num mundo onde o possuir é uma ilusão circunstancial. Somos com o universo a própria iluminação, onde perder e ganhar é exatamente a mesma coisa, onde a ânsia da dualidade é nonsense.

O Zen aponta um caminho e é preciso deixar de olhar para a seta que aponta e observar, profundamente, o próprio Zen, entregar-se à esta observação, soltar as mãos das ramagens à beira do rio e afundar como um tronco impregnado pela água no silêncio movediço do fundo. Observe o silêncio. Observe o sol e as folhas das árvores, lá do fundo, completamente envolvido. Pratique o Zazen Shikantaza sem condições, não coloque obstáculos onde não há, aprofunde-se, vá além do que pensa de si mesmo, vá até a ponta da raiz durante os sesshins, descubra onde nascem os rios, radicalize!