quinta-feira, outubro 29, 2009



Veio até nós, num dia comum

"Antes que você pense em ouvir, o ouvido já ouviu,
antes que você pense em ver, o olho já viu,
antes que você queira cheirar, o nariz já sentiu o cheiro,
antes que você queira sentir pelo tato, a pele já sentiu,
antes que você queira sentir o sabor, a boca já o sentiu."

"No Japão diz-se 'uma idéia veio até mim', e não 'eu tive uma idéia'

"Quem decidiu nascer?
Quem decidiu nascer homem ou mulher?
Quem decidiu nascer neste ou naquele país?
Quem decidiu nascer nesta ou naquela família?"


Koan apresentado pelo Mestre Saikawa, durante uma sessão de zazen no Templo Busshinji, em São Paulo.

domingo, outubro 25, 2009




Budismo para porcos

- Os porcos têm a natureza de Buda? - perguntaria o monge.
- Mu.

Esta provavelmente seria a resposta de Joshu ao monge, atualizada para nossos dias e geografia - do famoso koan onde a pergunta original se refere a um cachorro.

Os porcos em nossa sociedade são considerados os animais mais "baixos" e sujos, servindo de metáfora para tudo o que se relaciona com sujeira e miséria humana. Depois do porco, viria apenas o verme, e algumas culturas aboliram o consumo da carne de porco, por o elegerem um animal indigno. Colocaram o porco na berlinda, e Joshu tem razão ao responder daquela forma: "Mu". "Mu" significa vazio, não-dualidade. Cientistas constataram que a fisiologia dos porcos é a mais próxima dos seres humanos, o tamanho e a disposição dos orgãos quando comparados ao corpo humano é muito semelhante, a forma que o corpo reage aos hormônios e o funcionamento do coração também é muito próximo, tanto que os porcos vêm sendo utilizados como cobaias para estudos e cogita-se até a utilização de seus órgãos para transplante em humanos. Na literatura há uma recorrência à figura do porco, em geral como analogia ao gênero humano, para crianças há muitos exemplos, o mais conhecido: "Os Três Porquinhos", e tem o Bola de Neve, de literatura mais adulta, porco que se torna ditador na "Revolução dos Bichos" de George Orwell. A proximidade fisiológica entre porcos e seres-humanos chega ao extremo de se poder dizer o seguinte, ao comer a carne suína, é como se tívessemos uma pequena amostra do que seria comer a carne humana, bem, paremos por aqui. Agora, com relação à "imundice" dos porcos, isto depende, e muito. Minha esposa fala da criação de porcos de seu avô, que era um ambiente limpo e bem cuidado, os porcos eram tão limpos quanto os cavalos e as galinhas. As criações de porcos para o abate hoje em dia podem ser mais limpas do que nossa própria casa. Vale lembrar também que os porcos foram domesticados pelos Homens, e que seus parentes selvagens, os javalis, vivem em bandos pelas florestas.

Num documentário do canal National Geografic foram apresentadas duas experiências feitas por etólogos, ambas bastante esclarecedoras. As experiências utilizaram porcos filhotes, sabe-se que os filhotes tornam-se estressados, irritadiços, briguentos e, sobretudo, inseguros e incapazes de utilizar de maneira adequada sua inteligência natural, quando são desmamados antes da hora, ou seja, com apenas duas semanas após o nascimento, como é feito nas grandes criações industriais. Na primeira experiência porcos que foram desmamados antes da hora e porcos que tiveram o tempo de convívio adequado com a mãe são submetidos à mesma situação: circular por corredores elevados, uns com proteções laterais, outros abertos. Os filhotes que mamaram o tempo correto circularam livremente por todos os corredores, os desmamados prematuramente circularam apenas pelos corredores com proteções laterais. Na segunda experiência, os filhotes foram colocados um de cada vez numa grande banheira circular, com uma pequena plataforma elevada no fundo, próximo à uma das bordas, onde o filhote poderia se apoiar e até sair da banheira. Os filhotes desmamados prematuramente ficavam afobados dentro d'água, nadando em todas as direções sem sequer se darem conta da plataforma. Os outros, que mamaram o tempo adequado, em pouco tempo descobriram a plataforma e lá se apoiaram, parando de nadar. Minutos depois os mesmos filhotes eram submetidos à mesma situação, os que desmamaram cedo demais ficam sempre afobados e continuam não se dando conta da plataforma, os outros aprenderam a existência da plataforma e para lá se encaminham diretamente todas as vezes em que a experiência é repetida. A conclusão é que o leite e afeto proporcionados pela mãe nas primeiras semanas de vida são indispensáveis para um porco saudável, capaz de viver plenamente todas as suas faculdades originais, digamos assim.

Um ser humano que se torna neurótico pelo contato com a sociedade humana tem o budismo* para abandonar a sua condição enferma. Os porcos, por nós retirados de seu estado natural, não. Um porco inseguro, se solto na floresta recuperaria sua situação original? Será que apenas o contato direto com a natureza seria o suficiente para descondicionar as células do cérebro e do corpo? Ou, pelo contrário, este contato direto com a natureza iria piorar sua própria natureza de porco estressado e inseguro? Será que existe um mestre porco no interior da floresta que dê referências do caminho correto para o porco perdido? Segundo o documentário, porcos domésticos quando fogem ou são abandonados à própria sorte na natureza se adaptam muito bem, adquirindo características físicas bem próximas de seus primos javalis, como os pelos que crescem e se tornam espessos por todo o corpo, além disso, passam a integrar os bandos selvagens.

Hoje em nossa sociedade humana há um consenso pela necessidade do "relaxar", sempre associado ao prazer. A pessoa vive mal o dia-a-dia, porque não gosta ou não se adapta à cidade onde mora, porque não resolve o convívio saudável com a família, porque não gosta do trabalho, porque não se dá bem com o chefe ou ambiente de trabalho, porque tem mais necessidades que dinheiro, e assim por diante. Já acordamos ansiosos, preocupados e inseguros, e o estresse é um estado latente. Mas não observamos que somos os responsáveis por nosso estresse, colocamos a responsabilidade na cidade, família, trabalho, etc. Acreditando no estresse criamos o estresse do mundo. Quer dizer, vivemos na dualidade, estresse-relaxamento. Buscando o "relaxar" nos dirigimos naturalmente para o estresse, porque para relaxar precisamos estar tensos, e assim num movimento circular e entrópico, a mente acredita que é assim e pronto, e c'est la vie.

Nos deixamos ficar tensos ao extremo e depois vamos para o spa, nos "matamos" e depois vamos ver tevê, fazer zazen, meditação, sexo, beber álcool, tomar tranquilizantes e drogas em geral. O que poucos refletem é o seguinte: em vez de relaxar ou buscar o prazer depois de ficar estressado para depois estressar novamente, porque não, simplesmente, nem ficar estressado antes? Repetindo a pergunta: porque nem sequer começar a ficar estressado? Já fiz esta pergunta a algumas pessoas, aleatoriamente, e percebi que esta é uma questão que sequer tem espaço, ou nem a consideram, ou acham engraçado e absurdo, poucos começam a refletir. Bem, é preciso primeiro ser capaz de se colocar a questão, acomodar na mente espaço suficiente para ela, porque sim, é possível sim. É um caminho a ser percorrido que coloca apenas duas condições: 1. Que se caminhe de forma correta na direção correta; 2. Que seja você, exatamente você, a empreender a caminhada com seus próprios meios e condições.

Os porcos, quando têm a sorte de se livrarem da domesticação humana, encontram consequentemente sua natureza original nas matas e florestas. Nós, com ajuda do budismo e dos mestres, também podemos nos tornar livres. Dependemos então apenas de nossa própria iniciativa e esforço, da honestidade consigo mesmo no caminhar (preceito do não mentir) e da intensidade com a qual mergulhamos na prática do dharma-de-buda no dia-a-dia. Quanto ao estresse, podemos abrir mão dele agora, e a cada instante. O universo não para nunca, está em constante expansão, então não há porquê relaxar, na verdade não há como, e não há porquê perder um instante sequer de concentração nessa vida. Quando estiver cansado, descanse, concentre-se em descansar apenas. A atenção-plena, ou concentração, ao contrário do que se pode pensar, não cansa nem estressa. Por fim, esta prática traz consequências profundas e se torna o próprio Nirvana. Assim:

- É possível viver sem estresse?
- Mu.


* Ou outra escola não dogmática que proponha um método prático de total liberação do ser humano de seus condicionamentos.

terça-feira, outubro 20, 2009


Nada me tem, nem sou


Sou negro, sou pastor, nasci por aí, não tenho documento, nem raça, nem casta, sou um cachorro preto. Uma orelha cortada sem ponta, por baixo uma ferida aberta. Sou pirata. A ponta de uma pata é branca. A peste me ataca, deixando o pelo ralo em duas partes do meu corpo. (O que me cura?) Sou vira-latas, vivo num buraco da terra. Estou vivo, e se você for fazer aquela trilha da montanha eu te acompanho, sou forte, sou pastor, sou um cão negro. Sou sua sombra neste caminho sob o sol, nada mais me interessa, te acompanho no caminho estreito, curvo e íngreme. Me distancio e lá na frente, perto daquela nuvem, faço um cocô amarelo, sou cão, abano o rabo e deixo pendurada a língua no canto da boca. Um espinho penetrando lento a carne, uma dor me ataca no mais fundo do ouvido, balanço a cabeça violentamente, as orelhas batem e fazem um som característico (só assim posso pensar na cura). Me jogo no chão, solto ganidos, me arrasto com a cabeça a se esconder no capim, até passar, até me deixar, até voltar. Mas agora outra vez sou o cão negro. Estou pronto, estou alerta, sou todo atenção neste caminho. Não precisa passar a mão na minha cabeça, afeto para mim é apenas a nossa presença móvel neste fio de terra e pedras. Sou sombra e assim não vejo diferença entre eu e você. Quando você pensar em me acariciar já sumi no caminho à sua volta. Sou sombra de um ou de muitos, não importa, sou pastor, reuno, reuno a matilha nessa trilha sobre as montanhas. Assim sou feliz, sou cão, cão sem dono.

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"Pelé" vive na Chapada, vila de uma só rua rodeada por uma bela serra, próximo à Ouro Preto.

domingo, outubro 18, 2009

Dia do professor, dia do aluno

57 Budas e linhagem

Bibashibutsu Daiosho
Shikibutsu Daiosho
Bishafubutsu Daiosho
Kurusonbutsu Daiosho
Kunagonmunibutsu Daiosho
Kashobutsu Daiosho
Shakamunibutsu Daiosho
Makakasho Daiosho
Ananda Daiosho
Shonawashu Daiosho
Ubakikuta Daiosho
Daitaka Daiosho
Mishaka Daiosho
Bashumitsu Daiosho
Butsudanandai Daiosho
Fudamitta Daiosho
Barishiba Daiosho
Funayasha Daiosho
Anabotei Daiosho
Kabimora Daiosho
Nagyaharajuna Daiosho
Kanadaiba Daiosho
Ragorata Daiosho
Sogyanandai Daiosho
Kayashata Daiosho
Kumorata Daiosho
Shayata Daiosho
Bashubanzu Daiosho
Manura Daiosho
Kakurokuna Daiosho
Shishibodai Daiosho
Bashashita Daiosho
Funyomita Daiosho
Hannyatara Daiosho
Bodaidaruma Daiosho
Taiso Eka Daiosho
Kanchi Sosan Daiosho
Daii Doshin Daiosho
Daiman Konin Daiosho
Daikan Eno Daiosho
Seigen Gyoshi Daiosho
Sekito Kisen Daiosho
Yakusan Igen Daiosho
Ungan Donjo Daiosho
Tozan Ryokai Daiosho
Ungo Doyo Daiosho
Doan Dohi Daiosho
Doan Kanshi Daiosho
Ryozan Enkan Daiosho
Taiyo Kyogen Daiosho
Toshi Gisei Daiosho
Fuyo Dokai Daiosho
Tanka Shijun Daiosho
Choro Seiryo Daiosho
Tendo Sokaku Daiosho
Setcho Chikan Daiosho
Tendo Nyojo Daiosho
Eihei Dogen Daiosho
Koun Ejo Daiosho
Tettsu Gikai Daiosho
Keizan Jokin Daiosho

sexta-feira, outubro 09, 2009

Livro 1 - Caso 7
Mestre Kyozan Ejaku Mestre Beiko
Koan

Mestre Beiko da cidade de Keicho pediu a um monge que fosse até o Mestre Kyozan Ejaku e fizesse a seguinte pergunta:
- Um homem que vive no momento presente precisa de iluminação ou não?

Mestre Kyozan Ejaku disse:
- Não seria verdade se dissesse que não há iluminação, mas não posso evitar de cair em uma consciência dualística.

Voltando para Mestre Beyko o monge lhe disse o que o Mestre Kyozan tinha dito. Mestre Beiko confirmou com ênfase as palavras do Mestre Kyozan.