Cultivando o campo vazio
(Hongzhi Zhengjue)
[Traduzido de Taigen Dan Leighton e Yi Wu]
[Hongzhi Zhengjue (1091–1157) foi um importante mestre chinês que ensinou no mosteiro do Monte Tiantong, onde anos mais tarde Dogen Zenji encontraria seu mestre. Hongzhi é responsável pela formalização em texto da prática da “Iluminação Silenciosa”, que Dogen posteriormente denominaria Shikantaza.]
A prática da Verdadeira Realidade
A prática da verdadeira realidade é simplesmente sentar serenamente em silenciosa introspecção. Quando você penetra isso, não pode mais ser desviado por causas externas e condições. Essa mente vazia e amplamente aberta é sutil e corretamente iluminadora. Vasta e satisfeita, sem a confusão interna dos pensamentos ávidos, efetivamente supere o comportamento habitual e compreenda o ser que não é possuído pelas emoções. Você deve ter a mente ampla, em tudo não se apoiando nos outros. Esse espírito aprumado e independente inicia-se não se perseguindo situações degradantes. Aqui você pode descansar e tornar-se limpo, puro e lúcido. Brilhante e penetrante, você pode imediatamente retornar, harmonizar-se e reagir, lidando com os acontecimentos. Tudo é desimpedido, as nuvens graciosamente flutuam sobre os picos, o luar resplandecentemente escorre pelos riachos das montanhas. O lugar todo é brilhantemente iluminado e espiritualmente transformado, totalmente desobstruído e claramente manifestando uma interação responsiva, como a caixa e sua tampa ou flechas [se encontrando]. Prosseguindo, cultive e nutra a si mesmo para incorporar a maturidade e alcançar estabilidade. Se você se harmonizar com todo os lugares com perfeita claridade e cortar fora arestas, sem depender de doutrinas, como o touro branco ou o gato selvagem, [favorecendo que o milagre surja], você poderá ser chamado de uma pessoa completa. Portanto, ouvimos que é assim que alguém do caminho da não-mente age, mas antes de concebermos a não-mente nós ainda temos que superar grandes adversidades.
Cumprindo a tarefa de Buda
[O campo vazio] não pode ser cultivado ou comprovado. Desde a origem é totalmente completo, imaculado e límpido até seu fundo. Onde tudo é correto e totalmente suficiente, conquiste o puro olho que ilumina plenamente, completando a libertação. A iluminação envolve decretar isso; a estabilidade se desenvolve com a prática disso. Nascimento e morte originalmente não têm raiz ou caule; aparecer ou desaparecer originalmente não têm sinais ou traços distintivos. A luz primordial, vazia e vigorosa, ilumina o topo da cabeça. A sabedoria primordial, silenciosa mas também gloriosa, reage às condições. Quando você alcança a verdade sem meio ou bordas, cortando fora o antes e o depois, então você compreende a totalidade da unidade. Em todo lugar as faculdades dos sentidos e os objetos apenas acontecem. Aquele que segura firme sua grande e larga língua transmite a inesgotável lâmpada, faz radiar a grande luz e executa o grande trabalho de buda, desde o início não tomando emprestado dos outros um átomo que esteja fora do dharma. Claramente essa questão ocorre no interior de sua própria casa.
Com confiança total, vagueie e brinque em Samadhi
Vazio e sem desejos, frio e fino, simples e genuíno, assim é que se derrubam e desmoronam os hábitos restantes de muitas vidas. Quando a mancha dos velhos hábitos se extingue, a luz original aparece, flamejante através de seu crânio, não admitindo outros assuntos. Vasto e espaçoso, como o céu e a água se misturando no outono, como a neve e a lua exibindo a mesma cor, esse campo é sem limites, além de direções, uma entidade de forma magnífica sem margens ou suturas. Além disso, quando você se volta para dentro e abandona tudo completamente, a realização acontece. Exatamente no momento do total abandono, deliberações e discussões ficam mil ou dez mil milhas distantes. Além disso, nenhum princípio é discernível, então o que pode haver para ser apontado ou explicado? Pessoas cujo fundo do vaso se desprendeu imediatamente encontram a total confiança. Assim, é dito para nós simplesmente concretizarmos a reação mútua e explorarmos a reação mútua, então retornarmos e entrarmos no mundo. Vagueie a brinque em samadhi. Todo detalhe claramente aparece diante de você. Som e forma, eco e sombra acontecem instantaneamente sem deixar traços. O mundo de fora e o eu-mesmo não dominam um ao outro, apenas porque nenhuma percepção de objetos surge entre nós. Apenas esse não-perceber comporta o espaço vazio das majestosas dez mil formas do domínio do dharma. Pessoas com a face original devem decretar e completamente investigar esse campo, sem negligenciar um só fragmento.
O passo atrás e o caldeirão aprumado
Com as profundezas claras, totalmente silenciosas, completamente ilumine a fonte, vazia e energizada, vasta e brilhante. Mesmo que você tenha lucidamente escrutinizado sua imagem e nenhuma sombra ou eco encontre, ao procurar você vê que ainda distinguiu entre os méritos de centenas de promessas. Então você deve dar um passo atrás e alcançar o meio do círculo de onde a luz é emitida. De maneira extraordinária e independente, você ainda precisa abandonar a busca por méritos. Cuidadosamente perceba que o nomear engendra seres e que eles ascendem e caem com complexidade. Quando você puder compartilhar a si mesmo, então poderá lidar com as questões e terá o puro selo que estampa as dez mil formas. Viajando pelo mundo, encontrando condições, o ser alegremente entra em samadhi em todas as delusões e aceita sua função, que é esvaziar a identidade e não preencher a si mesmo. O vale vazio recebe as nuvens. A correnteza fria limpa a lua. Sem partir, sem permanecer, muito além de todas as mudanças, você pode oferecer ensinamentos sem nada obter ou esperar. Tudo em toda parte retorna ao velho chão. Nem um fio de cabelo foi movido, inclinado ou erguido. Apesar das centenas de feiúras ou milhares de estupidezas, o caldeirão aprumado é naturalmente benéfico. As respostas de Zhaouzhou “lave sua tigela” e “tome seu chá” não exigem preparativos; desde o início elas sempre foram perfeitamente aparentes. Plenamente observar cada coisa com todo o olho é a conduta espontânea de um monge que enverga o manto de tiras.
A conduta da lua e das nuvens
A conduta de pessoas do caminho é como as nuvens que fluem, sem uma mente que agarra, como a lua cheia refletindo universalmente, sem estar confinada em qualquer lugar, resplandecendo em cada uma das dez mil formas. Digno e aprumado, emerja e faça contato com a variedade de fenômenos, imaculado e sem confusão. Funcione da mesma forma para com todos os outros uma vez que todos têm a mesma substância que você. A linguagem não pode transmitir essa conduta, especulações não a alcançam. Lançando-se além do infinito e cortando fora o que depende, seja prestativo sem visar a méritos. Essa proeza não pode ser mensurada pela consciência ou pela emoção. Na jornada aceite sua função, em sua casa, por favor a execute. Compreendendo nascimento e morte, abandonando causas e condições, genuinamente conceba que desde o princípio seu espírito não pode ser detido. Assim, é dito que a mente que abarca as dez direções não se detém em nenhum lugar.
Os incríveis seres vivos
Nossa casa é um simples campo, limpo, vasto, luzidio, claramente auto-iluminado. Quando o espírito está livre de condições, quando a atenção é serena e sem cogitações, então budas e ancestrais aparecem e desaparecem, transformando o mundo. Entre os seres viventes é que se localiza o lugar original do nirvana. Quão surpreendente é que todos tenham isso mas não consigam poli-lo até torná-lo claramente brilhante. Na escuridão do não-despertar, eles fazem com que a tolice cubra sua sabedoria e a supere. Um vislumbre de iluminação pode romper isso e fazê-lo saltar fora da poeira de kalpas. Radiante e claramente branco, o campo único não pode ser desviado ou alterado nos três tempos; os quatro elementos não podem modificá-lo. A glória solitária é profundamente preservada, resistindo através do tempo antigo e do tempo presente, assim como a mescla da identidade e da diferença torna-se a mãe de toda a criação. Esse domínio manifesta a energia dos muitos milhares de seres, todas as aparências são meramente sombras desse campo. Verdadeiramente declare essa realidade.