sábado, janeiro 20, 2007

Lembranças de outros sesshin

Nunca um sesshin é igual ao outro: os participantes são diferentes, os instrutores, inclusive o mestre. Cada vez que participamos, alguma coisa aprendemos, algo acabamos abandonando. Acredito, que acima de tudo aprendemos a abandonar, sem nada ganhar, sem lucro, sem perda. No início, queremos apenas participar. Maior é o entusiasmo do que a capacidade em sentar-se. Logo surgem as dores nas pernas, nas costas e a paciência vai se esvaindo a cada sessão de zazen. Torna-se árduo o período de uma sessão, um alívio o seu término. Pessoas que costumam sentar-se uma vez por semana, talvez por suas dificuldades de adaptação, não conseguem enfrentar um sesshin de mais de dois dias. Dois dias? Muito pouco! Penso que não seja apenas uma questão de ordem física, como o surgimento de dores. É muito pior do que isso. É a mente. Por excesso de condicionamento mental, a concentração torna-se um imenso delírio. Não se trata de uma hipótese, antes uma possibilidade demonstrada pelo próprio príncipe Sidharta. Nos sete dias seguidos, dia e noite, em que ele sentou-se abaixo da árvore da sabedoria - árvore bodhi - toda forma de dores surgiu. Em forma do demônio Mara, o incômodo das dores tinha por reflexo o medo, a sensualidade, a vaidade, o orgulho, a ira, a inveja, a preguiça e outros mais.
Tomemos estas manifestações por referência. Bem, não estamos falando mais de Sidharta, mas de nós mesmos. A única diferença entre os que se submetem ao sesshin e os outros é que uns desistem pelo caminho, convencidos pelo demônio Mara a alimentar mais o medo, a sensualidade, a vaidade... Os que insistem na prática, com determinação continuam no sesshin, não são melhores que os primeiros, mas podem estudar a sí próprios diante de manifestações do tipo medo, sensualidade, vaidade... Quem sabe, os que realizam todo o sesshin têm a capacidade de verificar que o demônio Mara não passa de uma ilusão, pois não tem substância própria. Mara existe apenas na mente dos iludidos. Ainda que se saiba disso, uns sabem porque todos os caminhos do dharma levam a isso, outros porque experimentaram no corpo e na mente a inconsistência de sua existência. Ainda que a certeza possa ser um ato de fé, a certeza pode ser conclusiva quando a experimentamos na pele e ossos. Dito de outra forma, não acredite naquilo que está fora de você, e se existir algo fora, temos que eliminá-lo.
Quando chega-nos o carnaval, podemos descansar, ou participar das atividades carnais desta festa popular. Vejo que não conseguimos fugir da carne. Se todos os caminhos levam à pele suada, aos exercício frenéticos do corpo e da mente em igual intensidade, podemos também participar do carnaval. Lembro-me que numa dessas ocasiões, um jornalista veio visitar o dojo de prática, e perguntou ao monge qual era a diferença entre os carnavalescos de avenida e salões e dos que recolhiam-se em retiro em atitude inversa. "Que inverso - disse o monge - nós também participamos usando o corpo em nossa atividade". Percebi naquelas palavras que existia mais semelhanças do que diferenças.
Foi também num Sesshin de Carnaval que perguntei ao mestre se existia uma atitude mais nobre por parte dos que submetiam-se ao zazen intensivo do que aqueles que se divertiam nas festas de carnaval. "Não, nada de nobre existe na sua prática", ensinou-me ele. Disse-me que a mente de quem participava do sesshin, devia ser de atenção. No caso do carnavalesco, se a mente dele também estivesse em permanente atenção, que diferença existia com a mente em atenção de um praticante de budismo?
Assim praticamos o Caminho. O Sesshin é um ótimo momento para intensificar o nosso entendimento. Uns realizam o sesshin nas montanhas, respirando o ar puro das matas, mesclando zazen, relaxamento e ecologia. Outros internam-se além dos muros dos templos. Para alguns, o sesshin é uma realização mística. A forma de realizá-la depende da orientação de seus mestres. Pode ser um treinamento árduo ou leve. Mas acredito sobretudo que temos por referência Sidharta, o Buda, que não se importou com conforto, nem com as condições ambientais, apenas sentou-se. Disse na ocasião: "Daqui não arredarei pé, nem que fique ossos e pele, antes de atingir a Iluminação". Não seria esta a atitude mais sensata para um praticante de budismo?

Um comentário:

  1. Constantemente preciso desembaraçar-me das armadilhas que eu mesma crio - imagens,palavras,preocupações,infindas coisas.Reconheço no exemplo vivido por Buda a força da disciplina e persistência.Desconheço outro meio real que possa nos ajudar a renovar o caráter e assim nos proporcionar um modo de vida mais simples,feliz e sincero.

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