quinta-feira, novembro 08, 2007

Capacidade de interferir

Sendo o budismo zen menos lógico do que pode apreender a nossa inteligência racional e discriminadora, como podemos ter certeza que algum tipo de atuação no mundo possa ser verdadeira. Nem mesmo dizemos que aquilo que a cabeça pensante discrimina como verdadeira, pode ser vista de igual forma a partir da mutabilidade que ora ocorre no universo, ora ocorre em nossa própria mente. Desconhecemos as causas a que os fenômenos sansáricos estão condicionados numa cadeia ininterrupta de acontecimentos.
Por isso, a Iluminação experimentada a partir da prática é fundamental. Acima de tudo, esta prática é a mesma que direcionou o príncipe Sidharta a sentar-se em zazen em Bodhigaya. Dizer que o zazen é uma atitude passiva me parece questionável, pois ensinaram os antigos que existe movimento na quietude e quietude no movimento. Ensinou-me o meu training teacher que uma represa é capaz de reter milhões de litros de água. Será a represa passiva? Em sua aparente passividade, a represa com sua energia contrária a da água em suas paredes, a retém.
Num mundo em que a atitude exposta, como os movimentos, discursos e reações são comuns, de que forma os ditos praticantes do budismo, ou seja da harmonia, da sabedoria, da compaixão, podem atuar conforme as suas crenças. Se uma reação existir no interior do trama das paixões, ou seja da ilusão, ainda estaremos reproduzindo os mesmos erros dos iludidos e deludidos. Mas não somos melhores do que os que estão fora desta prática. Esta afirmação é verdadeira. Ainda que seja assim, uma atitude radical é necessária.
Não há definição melhor de budismo como esta que ouvi de um monge do Mosteiro Saijoji. Disse ele: “quando uma flecha atinge alguém, a nossa atitude imediata é a de retirar a flecha; não interessa no momento quem a atirou, qual foi a velocidade da flecha, o peso da flecha, se a ponta da flecha era feita de metal ou pedra”. Posto de outra maneira, discussão demais pode ser imoral naquele momento. Toda abstração a respeito da flecha é imoral diante da vida que pode se perder. Devemos, então, é arrancar a flecha e salvar o ferido.
Mas para isso acontecer, devemos estar livres da ilusão. A mente atenta evita discussões, aquieta-se. Somente assim, a atitude pode ser correta, pois o coração é puro. O homem da prática deve agir com o coração puro. Outros podem agir com o coração impuro e, inclusive, alcançar objetivos de bem comum. Agem desta forma os políticos, os líderes sindicais, os representantes de classe, os filósofos e jornalistas.
Tratando-se de praticantes do dharma, a atuação da mente não se restringe à mente pequena, condicionada e carregada de apegos e vaidade. Devemos ser como Buda, aquele que senta-se nos altares, imóveis, irradiando uma alegria nos lábios. Diante da maré ilusória e que gera sofrimento, ele se compadece de nossa dor, mas nada pode fazer pois a Iluminação depende da iniciativa do próprio sofredor. A atitude que ele espera é que o sofrimento tenha um fim. Que se acabe. Para que tal fato aconteça, deve acabar concomitante com a ilusão.
Mas temos apegos demasiados com as nossas próprias ilusões. Como num sonho: lutamos com os supostos inimigos e nos cansamos de tanta movimentação ao brandir espadas e lanças; nos esforçamos tanto que, num momento de maior excitação, conseguimos desarmar o inimigo e relaxamos; quando relaxamos, a nossa bexiga se livra da tensão e acordamos molhados. E neste momento, pensamos: tudo foi um sonho, mas era tão real?
A vida como num sonho, se um praticante levar a sério demais os acontecimentos da Roda do Samsara, poderá acreditar que a ilusão é real. Terá que ver o sonho como sonho e o real como real. Por isso, devemos criticar as atitudes precipitadas, ainda envoltas na lama da ilusão. Um praticante deludido é aquele que acha ser Iluminado, por isso age conforme a sua vontade. Erro. Assemelha-se o caso àquele do cego que conduz outros cegos em direção ao abismo. Perigo.
Avessas à metafísica, o praticante deve ter uma relação orgânica e direta com a vida. Se o sofrimento é uma condição na vida ilusória, ainda que pouco, tentemos amenizá-la. O necessitado pode estar mais próximo do que se pensa.
Acima de tudo, um praticante que não busca a Iluminação através da prática, não quer sair do mundo da ilusão. É um personagem de um sonho, que sabendo tratar-se de um sonho se recusa a acordar.

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