quinta-feira, dezembro 20, 2007

Sesshin da Iluminação

Da forma como Buda almejou libertar-se

Não foi este o primeiro sesshin realizado em nossas vidas, nem o segundo e nem o terceiro. Foram muitos, que perdemos da conta. Mas sempre é como se fosse o primeiro. E, se tratando do Sesshin da Iluminação, algo diferente acontece. Nestes oito dias de retiro, sentando-se mais de oito horas, repetimos o gesto que levou Sidharta a Bodhigaya a sentar-se abaixo da árvore da sabedoria. Teria sido lá, a mais de 2500 anos que o príncipe de Kapilavastu alcançou a Iluminação. Foi quando disse, “neste momento eu e simultaneamente todos os seres existentes tivemos a experiência da libertação. Não apenas Sidharta, mas todos: humanos, animais, vegetais, montanhas, rios e vales”.

Assim conta a lenda. Maravilhoso do ponto de vista da narrativa fantástica, na qual incluem os seres fantásticos. “Se Buda tivesse dito que se Iluminou, quem acreditaria?” – provocou o Superior Dosho Saikawa. Por isso, a dúvida da Iluminação de Buda, pode ser colocada a prova através de uma confirmação prática. Sente-se, apenas sente-se, da maneira ensinada pelas palavras de Dogen Zenji: Shikantaza! Teria agido desta forma o Buda, quando escolheu o Caminho do Meio e entregou-se a sentar em zazen por oito dias. Não poderia ser diferente para um praticante do Zen, que ao invés de acreditar simplesmente, num ato cego de fé, faz o mesmo que Buda fez. E abre a possibilidade de conhecer as etapas que Buda experimentou no corpo e mente.

Penetrando fundo no zazen, Sidharta enfrentou as filhas do demônio Mara. Que venha cada uma delas, na forma de sensualidade, de medo, de raiva, enfim de todos as manifestações de apego à abstração da mente iludida. Se num primeiro momento Mara surgia como um sedicioso mago da confusão egoísta, sofredor de suas próprias angústias, depois Mara apresenta-se com o semblante calmo de Buda. Não se tratava este de um ser externo ao seu criador, nunca existiu além da própria mente. Ao tentar seduzi-lo numa última cartada, Buda aponta para a terra e Mara reconhece a derrota. Mais do que o céu – quer dizer as idéias – no budismo enfatiza-se a terra – ou seja, a não dualidade.

Como discurso, a Iluminação de Buda é algo maravilhoso, que se admira e respeita, mas sempre se trata de um ato realizado pelo outro. É o outro que se Ilumina. Pode-se ter idéia da Iluminação, mas nunca a idéia substitui a verdade. Para que a Iluminação se torne uma verdade comprovada, os céticos do Zen participam do Sesshin da Iluminação.

No Templo Busshinji tornou-se comum um sesshin em que sentar é o ponto mais alto da experiência. Saikawa Roshi disse a respeito: ”o nosso sesshin é uma atitude simples e alegre de conhecer a nós próprios”. No último dia, a experiência se estende pela madrugada, devendo encerrar-se às 3hs. Foi pela manhã que Sidharta vislumbrou adiante a estrela matutina, cuja luz ao refletir em seus olhos, percebeu que o universo não se encontrava dividido e ele próprio era parte da totalidade sem distinções. Nos outros dias de sesshin costuma-se dormir à noite, o mesmo não acontecendo na última. Aliás, no Japão alguns templos não encerram o sesshin na madrugada que Buda se tornou Iluminado, mas estendendo-se pelo dia todo em reconhecimento ao patriarca chinês Taisso Eka. Dizem que se Eka não tivesse insistido com seu mestre indiano Bodhidharma, o budismo zen não teria chegado à China e provavelmente desaparecido. Em agradecimento a Eka, se faz mais um dia de sesshin. Esta prática não foi ainda incorporada no Brasil, pelo que se tem conhecimento.

Só de se falar em sesshin, alguns arrepiam de medo. “Não é para mim”, ouve-se de um canto para outro. Argumenta-se também que os que participam do sesshin são os mais preparados ou que não sentem dores nas pernas. Ledo engano. Esta idéia é errada. Pensar desta forma é insistir na dualidade e cair na delusão. Não apenas isso, é uma atitude discriminatória. Nem os que participam do sesshim podem ser considerados melhores em detrimento aos que não participam.

Mas durante o sesshin conhecemos um pouco de nós mesmos. Em atitude de observação, pudemos constatar alguns pontos: todos sentem dores, inclusive aqueles mais treinados; a resistência de alguns tem menos a haver com a condição física (flexibilidade e força) do que a condição espiritual (mente tranqüila ou intranqüila). Responsabilizar a dor física como único fator para a desistência ou ainda para a produção de confusão mental é menos verdadeiro do que o fluxo de pensamento egotista possibilitar a desconcentração e, conseqüentemente, valorizar a dor física. Dizer que fazer zazen não passa de uma técnica convencional, que deve ser dominada, não me parece tão verdadeiro assim. Zazen de cada dia é um zazen novo, como fosse o zazen da primeira vez.

Nem mesmo o mais flexível dos homens, um ginasta, o homem borracha do circo, conseguem sentar-se em zazen se a mente não tiver treino suficiente para manter a tranqüilidade. Será um tormento ficar imóvel. Homens com corpo malhado, marcado pelos exercícios de levantamento de pesos não fazem frente a frágeis meninas que, no entanto, têm força mental. Quanto menos se valoriza o ego, maior é o abandono dos apegos, conseqüentemente a mente se torna mais tranqüila. Maior é a força mental quanto é menor o apego. De fato, vivemos momentos de grande intranqüilidade, pois temos apegos ao nosso próprio valor, à nossa capacidade, ao nosso talento, à nossa inteligência, à nossa beleza e não apenas aprendemos a “ser melhores”, mas temos que “parecer melhores”. Tudo isso não passa de ilusão. Sabemos disso, mas recusamo-nos a abandoná-los. Sofremos, mas não queremos, inclusive, abandonar o sofrimento. Tudo por uma questão de vaidade.

Arriscar-se em realizar um sesshin até as profundezas de nossa medula é cair em febre, quando o ego sente-se ameaçado de perder a identidade. A identidade é uma ilusão, criada por nós próprios e pelos nossos próximos. De tão acostumados que estamos em deitar no colchão confortável da ilusão, sentimo-nos agredidos quando temos de assumir responsabilidades pelas nossas ações. E assim delega a responsabilidade para os outros e Iluminação não prescinde dela.

Realizar o Sesshin da Iluminação é ser o Buda por oito dias, vencendo etapas, enfrentando demônios e não seduzir pelas promessas vãs dos deuses. Não basta acreditar na Iluminação, pouco isso importa. Deve ser saboreado em seu total paladar.

Um comentário:

  1. "No Templo Busshinji tornou-se comum um sesshin em que sentar é o ponto mais alto da experiência. Saikawa Roshi disse a respeito: ”o nosso sesshin é uma atitude simples e alegre de conhecer a nós próprios”.

    Isto não significa nada. Não há necessidade de um blog para explicar a iluminação! Esqueçam isso e simplesmente ajudem o próximo!

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