quinta-feira, fevereiro 05, 2009

Meu cão, meu mestre



Já faz muito tempo, uns 25 anos mais ou menos, mas lembro como se fosse hoje, aquilo é como uma fonte, até hoje me sirvo dela. Eu devia ter uns 16 anos, vivia com minha família e tínhamos um cão, um Husky Siberiano, aquele cão de puxar trenó, preto e branco de olhos azuis. O criamos em nosso quintal desde os 4 meses de idade, eu particularmente era como um irmão para ele, assim ele devia considerar, dava comida, banho e brincava muito, rolávamos no chão muitas vezes. Seu nome era Rostof, um nome meio besta, mas que já veio com o bicho, coisas de criador imagino, um nome russo já que a raça vem da Sibéria. Às vezes ele sumia pulando a cerca do quintal e aí coincidentemente sumia uma galinha de um vizinho não muito distante. Quando passeava com ele normalmente era obrigado a andar apressadamente, tentando resistir à força daquele cachorro puxador de trenó. Rostof era um ser muito especial, sentava-se como gente, as patas dianteira no chão da sala e a traseira sobre o sofá, ficava assim, com a lingua de fora, olhando com naturalidade. Outras vezes ele "falava". Lembro de um encontro de família onde os primos se reuniram sentados no chão em círculo para brincar de telefone sem fio, ou algo do gênero, e ele sentou ao lado e começou uma ladainha gutural, que não era nem latido nem uivo, se o jogo teve ganhador, Rostof sem dúvida levou a melhor. Mas um dia o tempo fechou, cheguei em casa e ele havia feito xixi na minha cama, e não era a primeira vez. Bem, eu o chamei, ele já veio com o rabo entre as pernas e a cabeça baixa, mostrei a ele o que não devia ter feito e aí, indo além, muito além das minhas capacidades racionais, comecei a bater nele cada vez mais forte, e mais forte, e ele não reagia, apenas aguentava, e eu batia mais, até que resolvi bater com um pedaço de tábua, bati, uma, duas, três vezes. Então ele simplesmente abriu e fechou a boca controladamente no meu pulso esquerdo, deixando as marcas dos caninos na minha pele. Não saia sangue, mas estavam lá, quatro furos profundos. Assustado, soltei meu amigo, que foi em pequeno trote se recolher em sua casinha no fundo do quintal. Passaram-se dias, um, dois, três. Ficamos de mau, não olhávamos mais um para o outro, eu não dava mais comida nem sentia aquele pelo grosso entre as mãos, nem o levava mais para passear. Ele da sua parte também resistia. No terceiro dia, eu estava sentado numa cadeira baixinha falando ao telefone com um amigo quando sinto algo roçando em minhas pernas, era ele, Rostof. Encostou-se em mim suavemente e ficou imóvel. Olhei para aquele animal e fui brutalmente convencido daquele ato, era um ato puro de compaixão, era um momento de de extrema Inteligência. Afaguei seu corpo, sua cabeça, senti um grande alívio. Então eu me pus a pensar, de onde veio toda aquela raiva que me cegou diante do meu amigo, e por que ele não resistia a urinar em minha cama? Nesse dia, aquele cão, que chamava de "meu cão", me ensinou a compaixão e ganhou a liberdade, não era mais o "meu" cão, era apenas Cão. Algo ali estava a mais e era o significado daquele pronome possessivo em minha mente, então na verdade quem ganhou a liberdade fui eu. Algum tempo depois meus pais mudaram-se e tivemos que nos separar de Rostof, foi quando ele realmente ganhou a liberdade, indo morar numa chácara com uma bela companheira. Depois disso nunca mais o vi.

Um comentário:

  1. Shakiamuni ensinava:
    Existem três tipos de pessoas.
    Aquelas que gravam sua raiva na pedra.
    Aquelas que gravam sua raiva na terra.
    Aquelas que gravam sua raiva na água.

    ResponderExcluir