segunda-feira, novembro 12, 2007

A miséria da metafísica


Muitos são os alunos das faculdades particulares que procuram o templo budista a fim de elaborar seus trabalhos acadêmicos. Não se sabe direito o que realmente desejam. Assim, desnorteados, fazem a pergunta mais óbvia, sem perceber a falta de preparação para tanto: “fale-me sobre o budismo”. Falar sobre o budismo, há a possibilidade de discorrer horas a respeito. Assunto não faltará. Mas ainda assim, haverá uma lacuna de fragilidade metodológica no tema em questão. O que é o budismo?
Quando interpelado pelo Imperador Wu, o patriarca indiano Bodhidharma respondeu: “O Budismo é como este céu imenso, totalmente vazio”. Será que alguém alheio à prática do budismo está preparado para ouvir esta resposta. Provavelmente os próprios praticantes tenham dúvidas a respeito dela. Ao mesmo tempo que a resposta incomoda, a pergunta revela imaturidade. Não temos que ter vaidade em se evitar perguntas imaturas. Nisso, inclui os próprios praticantes. Afinal, o que é o budismo? Nisso vem a calhar questão levantada por Eihei Dogen em Shobogenzo Genjo Koan: “conhecer o budismo é conhecer a si próprio, conhecer a si próprio é esquecer-se de si”.Portanto, qualquer outra querela não passaria de especulação abstrata.
Podemos recorrer aos livros para saber mais sobre o budismo, mas isso não quer dizer que possamos aprender o suficiente, que possa servir em nossa prática concreta. Não falamos de sonhos e nem idealismos. Mas no agora! Não vivemos no mundo ideal, entretanto a vida se reproduz sobre as ruínas da miséria humana com todas as suas contradições. Assim, procurar um budismo que esteja além do mundo em que vivemos, cairemos nas elucubrações profundas de nosso desespero.
Reuniões acadêmicas que discutem budismo é uma inutilidade visto pelo prisma da prática concreta. Mais se assemelha a um ajuntamento de amigos como interesses comuns, que resolvem entregar-se à metafísica. Pode-se discutir idéias ou palavras mas nunca idéias ou palavras conseguem abarcar a própria verdade. Esteja além de toda linguagem, por isso faça zazen. Um praticante do zen budismo que não faz zazen e quer debruçar-se nos livros e discussões torna-se num grande teórico, jamais num candidato à Iluminação. Não se ilumina lendo livros, e talvez nem se saiba do que realmente se trata o budismo.
Lembro-me de uma história chinesa que ilustra o caso em questão. Existia um pintor na China que gostava de desenhar dragões. Por isso, todas as formas de dragões viravam tema para ele. Sua vida era os dragões. Certo dia, um dragão de verdade lhe apareceu e amedrontado saiu em fuga. Penso que o budismo atrai a muitos, mas não querem conhecer a prática verdadeira, nem mesmo a iluminação. Brincam de sentar-se em zazen e distrair-se com os textos. Mas budismo não se restringe em arranhar o verniz da caixa do dharma, é preciso radicalizar, perfurá-lo, apossar-se de seu conteúdo e tornar-se íntimo com o seu conteúdo.
Praticar o budismo além da linguagem e da metafísica é mais difícil do que ir à Índia a pé. É mais difícil do que banhar-se no Ganges e beber do Eufrates. Praticar além da linguagem é mergulhar no eu completo e destruí-lo completamente. Isso só é possível através da experiência da prática. Destruir o ego é renunciar a ele. Quando o ego é renunciado acabamos com o apego, com as vaidades, com a ignorância. Se isso acontecer, causa medo. Perdemos a nossa identidade, aquilo que é tão valioso em nossa cultura dual e racionalizada. Identidade que é pura ilusão. O dramaturgo Antunes Filho disse certa vez: “o ator pode ser qualquer coisa, pois não tem identidade”.
Temos medo de perder, por isso o budismo idealizado acaba imperando no mundo desencantado em suas formas e manifestações. O budismo idealizado pelas cabeças sonhadoras, da infantilidade racionalista, deve ser substituído pelo budismo real, muitas vezes trágico, mas capaz de acabar com a ilusão.
Numa composição poética, diz Mitsuo Aida:

O Caminho sou eu quem constrói.
O Caminho sou em quem abre.
As coisas que os outros fizeram não são o meu Caminho.

Um comentário:

  1. Olá!
    Gostei muito do que li, porque assim também entendo o Budismo. E como é difícil livrar-se de todas as ilusões, esquecer-se de si mesmo!
    E vamos ao zazen.
    Em gasshô,
    Eduarda.

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