terça-feira, setembro 18, 2007

Filosofia ou Religião?

A filosofia do budismo ou budismo da filosofia

Deparamos muitas vezes com esta situação ambígua: o budismo é filosofia ou é uma religião. Não sendo uma religião no sentido convencional, ou seja de natureza monoteísta com suas concepções míticas de origem, queda, julgamento, punição e recompensa, mas com preocupações menos abstratas, e por ser desta forma, acabam por conceituá-lo como filosofia. É um preconceito. Não admitir que possa ser religião, o que não está inserido no padrão comum, devidamente aceito, demonstra uma limitação do entendimento das representações mentais quanto ao sagrado. Agindo assim, também vulgarizamos a filosofia, tendo que aceitar tudo o que a religião “oficial” descarta como elemento estranho ao seu campo de atuação.

Talvez o budismo possa ter, inclusive, postulado que se aproxima de uma especulação filosófica, devido ao seu caráter humanista, mas não pode ser considerado enquanto tal: outras problemáticas em questão. Historicamente, houve momentos que o budismo tenha se afastado das questões reais da existência, preocupando-se mais com discussões e teorizações de abordagem metafísica, comprometendo uma vivência real sob as circunstâncias adversas da produção concreta da vida. Haja vista a atitude de Eihei Dogen (1200 – 1253), jovem noviço treinando no Mosteiro Hiei, da Escola Tendai. Se todos possuem natureza de Buda, para quê devemos praticar? Teria questionado ele. Nenhuma resposta! Situação exemplar, com a qual retomamos a colocação anterior: religião ou filosofia?

Naquele momento, o Mosteiro Hiei era o mais importante centro de estudos budistas em todo o Japão, sem que nenhum rivalizasse com ele. Os melhores pensadores, os intérpretes, tradutores e catedráticos. Esta descrição pode ser equivalente à melhor escola de filosofia, com todos os seus questionamentos no campo da teoria do conhecimento, da lógica, retórica e estética. Podemos pensar o Mosteiro Hiei como uma academia. Mas Dogen quer respostas mais conclusivas.

Se a filosofia pode se esgotar na discussão das idéias, propostas e conceitos, o budismo enquanto método de entendimento exige mais do que isso: a experiência. É no campo da experiência que o budismo afasta-se da filosofia especulativa para achegar-se a uma práxis que elimina o racionalismo e a antecipação de dados. Por isso, budismo não é ciência, também. Saber apenas que “todos possuem a natureza de Buda” é insuficiente para um verdadeiro praticante do Grande Caminho. Necessário, imprescindível, é a experiência.

Somente através da prática constante e disciplinada que a natureza de Buda se manifesta no postulante. Sem esta prática, o budismo se torna ineficiente: calcado em aceitação passiva, num ato de fé acrítico, dificilmente aquilo que se encontra “fora” da mente e do corpo do fiel, por carecer da experiência, a sabedoria se realiza.

Não apenas a mente deve apreender o conhecimento, mas igualmente o corpo. Limitar-se unicamente a textos antigos, como os sutras, não possibilita a compreensão daquilo que está escrito. E nenhuma linguagem será suficiente para transmitir a sabedoria, que não pode ser fragmentada, mas apreendida em sua totalidade. Ainda assim, insuficiente. Se a prática encontrar-se ausente, o texto nada mais é do que especulação, um diletantismo irresponsável e egoísta. Se o budismo que praticamos constar de sermões entusiasmados, exaltação da fé, dos poderes extraordinários, então cairemos na religião fácil e mediana dos fanáticos. Não é desta forma. Propomos a prática.

A prática se realiza tanto nos templos como no cotidiano. Se acharmos que o templo é local sagrado, temos de sacralizar também o cotidiano. Isso acontece quando a prática está presente em todos os espaços. A condição para isso é a manutenção da mente alerta. Por isso, treinamos a mente fazendo zazen. Com a mesma mente do zazen, ou alerta, possamos enfrentar os dilemas do mundo em ebulição.

Uma religião comprometida em controlar as incertezas provenientes da mente iludida consiste o budismo.

Por isso, é religião ou filosofia?

Um comentário:

  1. Bom texto, bem escrito. A pergunta é, para mim, muito convidativa - quase um problema de vida. A perspectiva pragmática do (zen)budismo faz bem em lidar com os dois aspectos da questão.

    Obrigado pelas reflexões.

    ResponderExcluir