sábado, abril 28, 2007

Nos portais da prática

O que realmente leva uma pessoa a ser um praticante do budismo? Não posso afirmar de maneira generalizada, com uma resposta definitiva, como "só o budismo salva" se nem ao mesmo conseguir definir direito no que consiste a salvação. Neste caso, se o budismo se tornar uma religião salvítica, comum a tantas outras, que depende unicamente de um agente exterior, negará os motivos de lhe deu origem. Quando o monge indiano Bodhidharma encontrava-se no interior de uma caverna, nas cercanias do Mosteiro Shaolin, teria sido importunado pelo neófito anacoreta Eka. Então, Bodhidharma dissuadiu-o a retirar-se. "Vá embora daqui" - desencorajou-o. Entretanto, Bodhidharma continuou insistindo "quero que me ensine". Mas o outro, energicamente aconselhou-o a procurar outros caminhos. Não o budismo. Diante da insistência, Bodhidharma explicou que para treinar budismo era necessário muita disposição, pois do contrário aquilo se tornaria um sofrimento a mais. E disposição tinha Eka ao ponto de, a afim de demonstrá-la, desembainhou sua adaga e decepou o braço esquerdo. Sem nada mais dizer, Eka foi aceito e se tornou no segundo patriarca chinês da linhagem zen budista.
Este modelo foi adotado pelos mosteiros zen de todo o oriente: da China, da Coréia e do Japão. Ainda é assim que acontece quando um noviço pede para adentrar os portões de um mosteiro. "O que você quer aqui?" - grita ameaçadoramente o monge que guarda o portal. Como toda resposta não é suficientemente firme, o noviço fica esperando. Muitas vezes neva e o noviço usa apenas o manto de monge, um sombrero e sandálias de palha. Se quiser desistir, pode se retirar que ninguém irá impedí-lo. Depois que o noviço convence o porteiro a sua disposição em treinar, fica enclausurado por uma semana no quarto isolado - o tangaryo. Neste interím, alguns pedem para ir embora.
Acredito que este princípio deve nortear os diversos centros de prática zen pelo mundo todo. No locam em que treino, ainda é assim. Muitos são os novatos. É quando o monge instrutor dirigindo-se a eles explica: "o budismo não serve para obter poderes sobrenaturais, não cura doenças, não torna ninguém mais rico". Em outra palavras, o budismo não serve para nada. "Mas se ainda assim, desejarem ingressar neste caminho usem a mesma cor negra do manto dos monges e iniciem-se nesta prática" - aconselha ele. Assisti certa vez, um monge dizer que aqueles que desejavam obter vantagens ao praticar o budismo que se retirassem daquela sala. Maneira bastante insólita em se tratando da cultura brasileira. Muito dura. Não obstante, a dureza é importante na medida que mostra a sinceridade da prática, que dispensa franjas e serpentinas. Os que se sentiram ofendidos, maltratados, não voltaram mais. Mas outros, justamente por terem ouvido tais palavras ficaram e desenvolveram uma prática intensiva.
Para que isto ocorra, é necessário sabiamente entender do que se trata o budismo. Não é um budismo de convencimento através de argumentos persuasivos, como acontece com as pregações. Nunca a palavra será o suficiente para dizer a verdade. Nunca a palavra poderá substituir a experiência. E nem a fé é tão importante quanto a experiência
Neste processo de negação, de início, o praticante iniciante deve ir lapidando o seu próprio ego, reconhecendo nele a raiz do sofrimento e de toda ignorância. Não importa quem seja o iniciante: advogado, engenheiro, arquiteto, filósofo, cozinheira ou quem quer que seja. Todos são iguais, sem distinção. Quer dizer, nada sabem. Com este espírito, o de nada saber, iniciam a prática. Iniciam como fosse a primeira vez, com a inocência no coração e o sorriso nos lábios. Quem se apresentar de maneira diferente, como a de ensinar ao invés de aprender, de mandar ao invés de obedecer, de falar ao invés de calar, de levantar-se ao invés de sentar-se, não serve para a prática. Se praticar, será o praticante falso. E praticantes falsos devem existir aos montes espalhados nas esferas do Dharma. Estão iludidos... E justamente estes, que deveriam ser cortados logo no início.

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