sexta-feira, abril 07, 2006

Idolatria nunca mais

Quando Buda estava para morrer, reuniu os seus discípulos que avisou a respeito do inevitável: "Não tenho muito tempo de vida". Foi quando Ananda, o dileto de Buda, não se conteve e explodiu num choro compulsivo. "Que foi Ananda?" - perguntou o mestre. "O senhor disse que irá partir, por isso choro" - balbuciou. Com serenidade no rosto mas energia nas palavras cobrou: "O que foi que te ensinei toda a minha vida. Você, Ananda, ainda não entendeu nada!". A morte é uma das quatro nobres verdades: o nascimento, a velhice, a doença e a morte. Ninguém consegue escapar deste ciclo, como a correnteza de um rio dirigindo-se para o mar. Esta é a lei do Dharma. É preciso entender o Dharma e viver conforme ele para despertar a compaixão e a sabedoria. Entretanto, muitos são como Ananda, pobres sonhadores e uma mente amarrada.
Certa ocasião li numa nota de turismo: "Convidamos você a ir meditar ao lado de um lama nos Andes, nas ruínas de Cuzco". Que valor teria isso, pensei. Será que estar na companhia de um ser ilustre, um mestre da iluminação, seria o suficiente para eu obter um pouco de sua sabedoria. Nada disso é importante. No Sutra do Diamante está escrito que uma vez na outra margem do rio temos que abandonar o barco. Uma vez que a travessia se processou, não se pode caminhar com o barco nas costas. Se numa sessão de zazen o Buda surgir, ensina os textos antigos, mate-o. Claro não temos que matar os nossos mestres, sejam os de ordenação, sejam os trainning teacher. Respeitamo-os sem idolatrá-los. Assim um verdadeiro mestre desejaria de um verdadeiro discípulo do Dharma. Sem idolatria avançamos em nosso Caminho. Toda superstição destruímos. Toda ignorância exterminamos. Todas as estátuas lançamo-as na fogueira, como fez o monge solitário da província de Niigata. Era inverno rigoroso. Sozinho em sua cabana, apenas tinha a companhia da velha imagem do Buda em profundo estado absorto de zazen. Não teve dúvidas. Retirou a imagem do altar e levou-a consigo para uma claridade. Juntou as folhas secas à imagem de Buda. Em seguida ateou fogo. "Salve-se a bunda, dane-se o buda", conclui-se a narrativa. Nada mais herético para os ortodoxos e adoradores de imagem, de mestres, de gnomos de jardim e governantes honestos. Um praticante do Caminho é um cético, que em sua desconfiança não se equivale a um buda de madeira penetrando no fogo, num buda de barro caminhando na água, enfim num buda com pés de lama. Ao ser atormentado pelo malicioso Mara, Sidharta apontou com a mão direita a terra. "A terra é o meu testemunho", disse e Mara se retirou. Acima da terra existe a ilusão, mas com os pés no chão...
Alguns que se dizem mestres, com discípulos que se comportam como se os fossem, criam um terrível karma de dependência. Estes discípulos idolatram os seus mestres, criando mais ilusão. Atitude equivocada, passível de crítica. Certa vez ouvi de uma praticante: "Eu gosto tanto de minha mestre, que não vivo mais sem ela". Senti uma enorme tristeza e frustração. Expliquei: "Isso é errado". Mas ela continou argumentando " tenho muito apego por ela". Mas não seria a prática do budismo o rompimento de toda ilusão? Não acredito que um verdadeiro mestre deseje que o seu discípulo se torne um cordeirinho dócil seguindo o seu pastor. Talvez alguns sim, mas não são tão verdadeiros assim.
Quando estava no Japão treinando no Mosteiro Shogogi questionei a respeito: "O que desejaria um mestre de seu discípulo". Antes, temos que considerar que existem muitos discípulos, mas aquele que deverá receber o selo do Dharma (HO) deverá superá-lo. Um mestre digno espera que o seu discípulo não se torne um ser dócil, sempre abaixo dele, carregando as suas malas, seu manto e andando atrás. Se isso ocorresse, não teria mais sentido praticar o budismo. Viveríamos momentos de decadência, de mestre para discípulo e cada vez mais mestres menos preparados. Seria o período do mal Dharma.

Um comentário:

  1. Anônimo6:08 AM

    Super color scheme, I like it! Keep up the good work. Thanks for sharing this wonderful site with us.
    »

    ResponderExcluir