segunda-feira, julho 17, 2006

O grau de entendimento

Seria grande pretenção dizer que eu tenha entendido alguma coisa a respeito da prática zen. Entretanto, algo mudou em minha vida nestes dezoito anos de ordenação como monge. Nos primeiros cinco anos apenas sentia o objeto da verdade ainda coberta por uma camada de verniz. Época em que a dúvida confundia-se com as minhas crenças, quer dizer falta de crença, que apontava para o total ceticismo. Mais tarde entendi, pela primeira vez, que para a existência do cético era necessário a sua contraparte: o ego cético. Com ênfase, quem duvidava era o ego criado pelas circunstâncias apresentadas em minha vida. Uma vez que este ego foi abandonado a duras penas, não apenas por opção, mas também pelas condições que me cercavam, a mente girou num ângulo inverso. Penso que antes, a prática zen tinha sido norteada através de uma dialética em oposição ao mundo que negava. Não precisamos negar nada. Ao invés disso, poderemos dar menos importância à mente que nega ou que afirma.
Ainda que a mente viaje numa velocidade bem acima dos movimentos do corpo, tornando incompatível uma sintonia entre a matéria e o espírito, causando desastres, é pela mente que o entendimento num primeiro instante se realiza. Por isso, gostamos tanto de literatura. Adoramos os livros de Shunryu Suzuki, de Thich Nat Hanh, de Deshimaru e outras porções informativas que acabam por nos inspirar. Através destes entendemos o fim último da prática, sem, no entanto, ter experimentado o processo. Por isso, na tentativa de treinar o corpo da maneira como a mente recebeu as informações surge a primeira frustração: o corpo não realiza aquilo que a mente sabe. Não demora muito para o praticante desistir. Desistência esta que se justifica por causa do ego, que não suporta a humilhação de ter que repetir constatemente exercícios que demora para ser assimilado. Quem sabe, se a mente tivesse sido abandonada o corpo aprenderia com mais rapidez. Talvez por insegurança, o ego não foi abandonado.
E quando o ego não é abandonado, ainda ele conserva como depositório de frustrações, medos, recalques, caprichos e todo uma parafernálida de lixo cármico. Poderíamos dizer que a eliminação do carma ocorre na mesma proporção que o abandono do ego. Mas isso não acontece pois a ilusão engana os nossos sentidos. E sentimos tudo emanados pela ilusão.
Também agi bem intencionadamente mas preso em minha ilusão. Crente na eficácia de um treinamento rigososo, esqueci que os graus de entendimento dos praticantes eram diferentes. Alguns aprendem rápido. Outros, totalmente condicionados a agirem de forma inadequada entendem de forma errada ou ainda lenta. Lembro-me como atuava o mestre Koichi Miyoshi, de maneira diferente conforme o praticante. Ele sempre foi muito rígido comigo, medindo a minha paciência e provocando incessantemente a minha auto-estima. Nunca reclamei disso, pelo contrário. Enquanto isso, ele se desfazia em delicadezas com outros praticantes, igualmente discípulos dele. Incapaz de dirigir-lhes uma palavra indelicada, para o mestre Miyoshi havia "duas moedas e duas medidas". Com ele aprendi que não temos que ser iguais para todos, pois entre estes há diferença. Se a compaixão para os fracos é a docilidade, para os fortes é a exigência extremada. Os mestres sabem como tratar cada um de seus discípulos, de acordo com o entendimento de cada um. Agradeço por ele ter sido intransigente comigo.
Para os excessivamente apegados a um eu próprio, fechar os olhos para isso pode ser uma falsidade, mas tornarmo-nos senhores da verdade, fazendo tudo para a destruição de sua ilusão pode ser leviano. Seria melhor que o fluxo da correnteza do dharma possa carregar as folhas da ilusão, quando estas desprenderem-se do galho. E folha verde não cai. Resiste.

Um comentário:

  1. Anônimo6:08 AM

    Very best site. Keep working. Will return in the near future.
    »

    ResponderExcluir