Ainda me lembro como fosse ontem. Uma das mesárias em sua avaliação da monografia apresentada exigiu que o pesquisador tivesse avançado em suas conclusões. Então era uma manhã amena de outono, numa das salas do prédio novo da PUCSP. Por pouco mais de dois anos o colega (tínhamos o mesmo orientador), jovem talento que com menos de trinta anos submetia-se ao programa de mestrado em História versava sua pesquisa na Revolução Mexicana. Tinha por fonte primária as manifestações artísticas, principalmente a pintura. Uma idéia bastante criativa.
De repente, a mesária experiente em sua profissão deu-se conta da idade do pesquisador. Se antes, ela criticava duramente a pesquisa, por sua deficiência, ao olhar para o pesquisador deu-se conta dos acontecimentos: "Você meu jovem, não pode realizar o que propus pois deverá ter cabelos brancos para isso".
Entender algo faz parte do desenvolvimento da vida, quando conseguimos desatar alguns nós das contradições apresentadas nas situações reais. Para isso, não depende unicamente de nossa disposição, mas o mundo oferece condições para tal. Ainda que possamos disfarçar os cabelos brancos com tintura, as rugas com cremes, a celulite com meia elástica, a mente não pode ser disfarçada. Chega-se um tempo que os mais de quarenta são dispensados, os de cinqüenta são descartados e os de sessenta aposentados. Este é o modelo econômico em que vivemos e continuamos a reproduzir no decurso da história. Somos máquina e engrenagem dele. Talvez os mais jovens não entendam estas palavras. Mas não falo a eles. Dirijo-me a vocês, que atravessam esta situação. Como agir? Não seria o momento de mudar a mente decaída na ilusão para a mente da iluminação?
Neste momento, ter cabelos brancos pode ser um grande prêmio. Para o historiador significa sabedoria. Ainda me lembro do semblante calmo e os cabelos brancos em forma de tufos do historiador inglês Eric Hobsbawm, que tive a oportundiade de conhecê-lo pessoalmente numa livraria no bairro do Pacaembu em São Paulo. Era final dos anos 90, beirando o século XXI. O autor marxista que tanto contribuiu na minha formação, em leitura apaixonada para entender o advento do capitalismo nos séculos XIX e XX, estava à minha frente, isento de vaidade, com a calma das grandes inteligências. Nada precisava ser velado para ele, inclusive os cabelos brancos.
Por falar em sabedoria, os mestres do zen são conhecidos por roshi. Quer dizer honorável ancião. No oriente os que ultrapassam os sessenta anos voltam a ser crianças e, por isso, podem se comportar da maneira que bem entenderem sem a crítica dos outros. Num processo cíclico, podemos dizer que a criança vai ser o velho de amanhã, o velho foi a criança de ontem. Mas o velho pode ser uma criança ao viver a esperança desta, em sua pureza ingênua, e a liberdade de desenvolver toda a sua potencialidade criativa pois tem a sabedoria. Dito de outra forma, todos deveriam se tornar monges antes que seja tarde. Abandonem toda a vaidade. Ao invés de tingir os cabelos, cortem-nos. Serão livres definitivamente ao ponto de comungar com a sabedoria tão próxima de nós, que ainda não temos capacidade de perceber.
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