Toda vez que olho diretamente para a imagem de Buda, aquela que orna o altar do Templo Busshinji, sinto uma imensa alegria. Há naquele rosto um sorriso misterioso. Seus olhos finos, orelhas grandes e nos lábios um silêncio que fala profundamente em nossa sensibilidade. De onde quiser que estejamos, ele nos sorri. É um sorriso encorajador: jamais desistam! Mais do que isso, é um sorriso de compaixão. Quebra na hora qualquer resistência, o nosso egoísmo; as carrancas se desfazem e a ignorância desaparece. Inspirado naquele sorriso, não pude deixar de revelar em meu rosto um pouco de sua magia. E passei a procurar no rosto dos outros sorriso parecido. O rosto de Buda deve haver muitos no mundo mas um deles, para mim, foi o mais significativo.
Naquela manhã, durante o kyoten, alguém de corpo esguio, de passos leves, quase desapercebido aos ouvidos, sentou-se próximo a mim. Somente após as duas sessões matutinas do zazen, percebi de quem se tratava. Ela tinha freqüentado o templo em 2001, logo percebi. Uma maneira peculiar de segurar o zafu (abraçado). Assim tinha ensinado o Superior Miyoshi. Depois mudamos, adaptando a forma da maneira correta, utilizada atualmente nos mosteiros japoneses. Bem, não era este o assunto que interessa. Retornemos àquela moça. Convidamo-a a participar do choka - cerimônia matinal. Terminada esta, ela sempre mostrando um enorme sorriso, de maneira expontânea e escancarada, pediu para orar diante de Kanzeon Bosatsu. Nada anormal aquela atitude. Muitos fazem isso, de manhã. Sempre bastante discreto, dirigi-lhe a palavra demostrando a minha felicidade de vê-la novamente no templo. Ela disse que iria ao Hospital das Clínicas. Sabia que ela vivia em Foz do Iguaçu e vinha às vezes a São Paulo. Em minha ingenuidade, pensava que ela fosse alguma aluna de medicina em estágio. Ledo engano. Depois que ela se foi, através dos amigos mais diretos em suas especulações, soube que ela tinha uma doença muito grave. Estava explicado o motivo das viagens.
Aquela moça, que não me permito revelar o nome, tinha o mesmo sorriso de Buda. Com todos os problemas do mundo, uma doença, ainda assim não tinha perdido o inocência: sorria. Depois disso não a vi mais. Tenho o seu endereço, mas não me encorajo escrever-lhe. Foi esta uma das melhores lições em minha vida e aquele encontro não foi por acaso. Toda vez que me lembro disso, não tenho motivos para reclamar.
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