quinta-feira, abril 19, 2007

O ser radical da prática

Numa recente divulgação do número de budistas existentes no Brasil, segundo levantamento de Frank Usarki, do Departamento de Ciências da Religião, PUCSP, houve um decréscimo. Não sabemos que critério ele usou para esta afirmação. No entanto, não podemos dizer que esteja totalmente incorreta. Diferente de outras tradições religiosas, como as cristãs e suas vertentes modernas, dificilmente poderia se mensurar este dado de maneira científica. Se por um lado, o fenômeno evangélico, por exemplo, poderia ser medido pela quantidade de freqüentadores de seus templos e convertidos, o mesmo não se daria no caso de budismo. Será que existe algo como conversão em budismo?
Se uma pesquisa for realizada durante a visita do Dalai Lama ao país, possivelmente muitos diriam ser budistas sem ao menos ter freqüentado algumas destas escolas. Pelo fato de ter lido um livro do Dalai Lama, de Shunryu Suzuki ou Taisen Deshimaru, entusiasmados pela deleite proporcionado, diriam sem pestanejar: "sou budista". Esta afirmação é bastante ambígua: não diz nada. Podemos pensar, neste caso, que ser budista é um dos passatempos acolhidos de maneira simpática, ao lado da comida macrobiótica, das aulas de yoga, do treino de kendô, da massagem shiatsu, do movimento pelo verde, da alienação social e política, da preguiça intelectual e tantos outros adjetivos.
Talvez existe no Brasil muito mais simpatizantes do budismo do que realmente praticantes deste Caminho. Para os que não comprometidos nesta maneira de viver, como a mesma firmeza que dizem "sou budista", podem afirmar o contrário, "não sou". Assim, há budistas de múltiplas cores: os lights, os descomprometidos, os seguidores da moda, o budista ecológico, o budista abstrato, o budista idealizado, o budista acima das paixões do mundo, o budista ecumênico (que freqüenta todas), o budista vaidoso, o individualista...
Quando uso o termo radical, refere-se a maneira pensada por Paulo Freyre. Ser radical é estar presente nas raízes. E nada é mais radical do que o Buda Shakyamuni. A radicalidade como eu concebo é a da verdade, acima de tudo. Nada tem a ver com o fundamentalismo religioso. Tem a ver com a maneira como se pratica o Caminho. Ao invés de preocupar-se com a vaidade alheia, torne a própria vaidade menor. Ao invés de falar do ego dos outros, trate de destruir o próprio ego. Fale menos e sente-se mais em zazen. Se algum rancor ainda estiver presente em minha mente, acuse menos o outro por se sentir daquela forma. Enfim, exercite-se radicalmente em destruir da mente as ervas daninhas da ignorância, do apego, da raiva. Estes são conhecidos por três venenos.
Esta radicalidade ao ser levada para o nosso cotidiano, quer dizer que devemos manter a mente atenta todo o tempo. Ainda que a mente desligue-se, por alguns instantes, o propósito é mantê-la alerta. Se a prática budista requer que a mente fique alerta, isso deve acontecer todo o instante, e não só durante a prática no templo. A realidade além dos portões do templo deve ser respeitada, afinal é nela que vivemos. Como representa o próprio budismo, ao fazer uma analogia com a flor de lótus, que nasce no pântano. Somos esta flor de lótus que mergulhada no pântano, resiste em surgir. Pois bem, o campo da prática se realiza radicalmente no cotidiano ao lado de amigos e inimigos, de simpáticos e antipáticos, de bonitos e feios, de sábios e loucos. Mas enquanto a minha mente discriminar através de uma seleção egoísta, visando tirar vantagens, colocando-nos como juízes das contradições de vida, posso dizer sem engano a minha prática não passa de uma brincadeira. Não se trata de uma prática radical.
Deixo claro também que o ser radical não se confunde com fanático. O fanático é alguém totalmente iludido, sem iniciativas, nenhum entendimento, nem dissernimento. Lembramos que Buda em sua maior radicalidade pregou a renúncia. Estamos preparados para isso? Será que podemos renunciar ao nosso orgulho, quando alguém ofende-nos moralmente? Ou será a reação uma atitude humana? Em defesa de nossa honra, podemos agredir alguém?
A radicalidade da prática é quando questões, de nossa própria vida, são novamente avaliadas não do ponto de vista da moral, da justica, dos valores humanos, mas da prática budista. Quando outras categorias sobrepõem o entendimento a partir da prática budista, então toda prática desenvolvida até então se torna nula. Para quê serviu a prática? Ou não teria sido uma prática radical? Uma prática que pudesse ir além do pensamento racional, além da dualidade, além de toda ilusão e dos conceitos? Se isso não ocorreu, tal prática não se realizou simplesmente.
Se levarmos em consideração a quantidade de praticantes radicais do budismo, possivelmente é pequena. Não vale a pena contabilizar. Para os que envergam o manto de Buda, deverá usá-lo todo o tempo, nas mais diversas circunstâncias. Se isso não vier a acontecer, a prática é pseudoprática, um faz de conta. Faz de conta que eu pratico e outros fingem me olhar que eu esteja praticando. Se forma-se um simulacro, um engano...

2 comentários:

  1. Anônimo11:08 AM

    Salve Jisho!Que bom ver e ler novamente os seus textos no blog.
    Suas palavras são fortes, duras,porém lúcidas e esclarecedoras.Obrigada.
    Gasshô
    Denkô.

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  2. O profssor citado acima chama-se Usarski (e não Usarki)

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