sexta-feira, junho 16, 2006

Esvaziando a mente

Quando comecei a praticar o zazen, aos sábados, na segunda metade da década de 80, após o término das sessões, todos se retiravam. Não se falava muito. Uma vez, fiquei conversando no portão de entrada com um colega a respeito de um assunto pendente. Foi quando o monge responsável pelo yaza (zazen da noite) nos viu e me advertiu em japonês: "Não se deve ficar aqui conversando, senão o zazen perde o seu valor". Encerrei a conversa mas tal chamada nunca mais esqueci.
A finalidade dos encontros no Busshinji é justamente o zazen. Não se vai por outro motivo. Se o zazen é um processo de eliminar as impurezas da mente, as ervas daninhas da ilusão, não temos que imediatamente após o mesmo criar condições para retornar à situação anterior. Após o zazen ainda a mente se mantém em alerta: harmonia entre todos os seres vivos. Conversar amenidades é o mesmo que pisar na poça de lama. Sujamos a calça e a nossa mente. Dito de outra forma, não prolongamos o ato de zazen mesmo após o seu encerramento. Penso que o zazen não se encerra quando nos levantamos, pois a mente não corta o efeito de súbito. O zazen se prolonga por mais alguns instantes, dependendo do grau de aproveitamento de cada praticante.
Há muitos deles, os que querem que o zazen se estenda um pouco mais, querendo usufruir dos momentos de tranqüilidade e abandono. Outros, quem sabe, querem que o zazen se encerre o quanto antes, pois ficam irritados com a demora de seu término. Alguns vão fazer zazen para relaxar, outros para dormir, outros ainda como acomodação terapêutica. Cada um tem um zazen de acordo com sua disposição e entendimento. É uma pena os que agem de maneira equivocada. Perdem tempo. Enganam-se a si, com esta atitude egoísta, enganam a todos que levam a sério o budismo e sua prática sistemática.
O zazen não deve ser uma atividade a mais nas tardes de sábado. Alguns, talvez, se predispõem a ir nos finais de semana para encontrar os amigos. Depois do zazen vão ao cinema, a um jantar nos restaurantes da Liberdade, ao baile ou cair na gandaia. Pode-se fazer tudo isso, mas o zazen não deve ser visto com uma das atividades. Se for, cai no senso comum. Não se entendeu por quê fazer zazen. A respeito disso, me perguntei muitas vezes. Muitas foram as respostas, das mais louváveis às mais comuns. Cheguei a pensar que fazia zazen porque havia miséria na cidade de São Paulo, guerra no Haiti, fome na África, violência nas favelas. No momento, nada podia ser feito por mim, senão o zazen. O zazen não era uma fuga de minhas responsabilidades. Havia naquela zazen compaixão e clareza do que era o mundo da cultura. Agora faço apenas zazen. Não importa se a sala está cheia ou sem ninguém. Recentemente houve pânico pela cidade, era 2a.feira: o PCC estava atacando os postos policiais. Nada poderia ser feito por mim, apenas zazen. Se tivesse me retirado mais cedo, esquecendo o zazen, equivaleria ao capitão que abandona o navio. Se nem o monge faz mais o zazen, o que dizer dos leigos? Daí, a importância de se fazer zazen. E não existe liberdade maior do que sentar-se em zazen. Desse privilégio não podemos nos abdicar.

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