terça-feira, junho 27, 2006

Águas de minha mente

Num poema de Dogen Zenji, ele diz o seguinte:

Sem impurezas
As águas da mente
Mesmo que as ondas quebrem
Continuam a refletir.

Muitas vezes Miyoshi Roshi fazia a respeito uma alusão, dizendo que a mente contém impurezas que não podiam ser eliminadas em pouco tempo. Destas impurezas, três são as piores: apego, ignorância e raiva. Chamados também por "Três Venenos", estes eram o sedimento de toda a nossa ilusão. Para ser mais objetivo, temos que reconhecer a existência destas ervas daninhas da mente e, na medida do possível, conviver com eles. O reconhecimento se dá através do zazen. É através do zazen que conseguimos abaixar a sujidade da água de nossa mente. Não quer dizer que a mente se tornou limpa, só fazendo zazen. Não se dá desta forma. Acontece que quando fazemos zazen as nossas impurezas continuam a existir, entretanto temos a capacidade de acalmar os nossos sentidos. Se agirmos conforme os nossos ânimos, a nossa raiva, então nos tornaremos feras, atacando todos ensandecidos pela febre da paixão.
Dizia Miyoshi Roshi que a mente assemelhava-se a uma lagoa num noite tranqüila de outono. A lua imensa, redonda, refletia-se no espelho d'água. Eis que alguém atira uma pedra. A turbulência da água forma imagens distorcidas e a lua surge refletida em total irrealidade. Vista desta forma, esta lua é a mente apegada aos sentidos dos três venenos. Não se trata mais da lua verdadeira. É uma mente perturbada, que enxerga tudo conforme os caprichos da ilusão. Assim sendo, ao se sentar em zazen a mente perturbada, que se assemelha a lagoa da pedra atirada, vai retornando ao seu estado anterior, de tranqüilidade. Existindo a atenção do zazen, os três venenos também perdem força e tudo se torna mais claro.
Portanto, admitamos os três venenos e a nossa mente perturbada. Sabendo disso, podemos identificar imediatamente quando os venenos surgem em nossa mente. A raiva surge de repente, devido o meu apego e minha ignorância. Existe apego porque há raiva e ignorância. E a ignorância é conseqüência de minha raiva e apego. Não obstante, quando eles surgem não consigo eliminá-los de vez, pelo contrário, sei de sua existência e não me importo com isso. Talvez até mesmo alimento-os em minha perturbação. Se trata de um equívoco. Talvez o mais correto seja não me importar inclusive com o seu surgimento: não faça que cresça, nem que diminua. Deixe como está, como no zazen. Assim ele se desfaz em menor tempo.
Como ilustração vale citar uma experiência vivenciada, que me causou grande mal estar. Quando da defesa de dissertação em História, uma colega conseguiu obter em sua defesa a nota 10 com distinção. A minha avaliação não tinha sido tão boa assim. Durante os três anos, estive ao lado daquela colega, freqüentando os mesmos cursos, participando juntos de congressos e grupos de estudos. Na verdade, eu era um pouco mais disciplinado que ela. E, de minha parte, a criticava por isso. Mas no resultado final, ela recebia os louros da vitória. Fiquei mal. Sabia que em minha mente existia os sintomas patológicos de uma ciumeira incontrolável. Era isso mesmo. O cíume me corroía. Tinha consciência de sua existência e queria extirpá-lo de minha mente sem, no entanto, almejar sucesso. Passei quase um mês desta forma, quando aquele sintoma foi desaparecendo. Sem nenhuma culpa, assumi meu corpo da prática.

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