Descendo a rua da Glória, a mulher segurava numa das mãos a corda que sustentava a coleira do seu cão. Lá ia saltitante, quando, de chofre, numa casa abandonada alguns filhotes de gato resolvem desgarrar-se da mãe e avançam em direção à calçada. O cão se assusta e se afasta, cruzando a frente de sua dona. Os gatos páram por instantes. É quando a dona do cachorro tenta espantar os felinos, calcando forte os pés no chão diversas vezes. Quem passava nas proximidades não entendeu a atitude inusitada: a dona do cachorro tentando defender o seu "pet" de uma ataque de gatos ainda não desmamados. Ao se ver notada, a mulher não disfarçou certa vergonha, pois corou na hora e revelou um sorriso desajeito no canto dos lábios.
O senso comum tem demonstrado que os cães correm atrás dos gatos e não o contrário. Lembro-me do gato Chuvisco (desenho animado) atacando os ratinhos, mas o mesmo gato sendo encurralado pelo feioso cão buldogue. Neste, o gato leva o pior. De olho roxo, por cima de sua cabeça circulam passarinhos cantarolando.
Talvez a cultura tenha nos ensinado que o gato deve temer os cachorros. Mas na realidade, esta situação não acontece. O cão descrito ao se assustar com os gatos, não sabia que era um cão e nem que deveria correr atrás dos gatos. Por sua vez, os gatos possivelmente não sabiam o que era um cão. Assim sendo, nem o cão sabe que é um cão e o gato que é um gato. Entretanto, quando crescem um cão acaba se tornando um cão, da maneira como um cão deve ser, o mesmo ocorrendo com o gato. Em se tratando do cão, tenho as minhas dúvidas: ele se parece mais naquilo que a sua dona desejaria dele. Um poodle, por exemplo, apesar de macho, tem um requebrado e um porte que lembra um membro da Parada Gay. Um rabo esculpido como um ponpon. De outro lado, um pitbull, mal encarado, puxado na coleira por um homem mal encarado, usando camiseta sem mangas, em cujos braços tatuagens azul e vermelho ressaltam-se. Não acho que o pitbull seja tão mal assim, ao contrário de muitos dos seus donos. Nem um poodle tão afrescalhado como deseja as suas donas.
Quando penso nisso, fico aparvalhado. Será que não sou como os "pets" que se transformaram naquilo que os outros desejam? Queria ser como os filhotes de gato, abandonados, ainda não foram contaminados pela cultura. Por quê temer o cachorro? Quem sabe, três gatos juntos sejam capazes de colocar um cachorro para correr? E como gatos que nada sabem ainda, não precisam temer os cães, principalmente aqueles que perderam a autênticidade. Não acredito em determinados cachorros, estes que despertam suspeitas: roupinha no corpo e sapatinhos de lã. Deixaram de ser cachorros a fim de satisfazer as carências de suas donas. Merecem ser trucidadas pela garras felinas de um gato.
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