Assim que se penetra na Sala de Buda, que usamos como dojo durante este sesshin, duas fileiras de tatamis estendem-se pelo espaço em forma de L. No encontro destas destas fileiras está instalado o altar do Bodhisattva Manjusli. Perto dele, o lugar do roshi. De olhar calmo e voz branda, mergulhado em sua concentração mantém os olhos fechados. Mas não dorme. Com os olhos fechados ele sabe o que acontece em cada ponto da sala, mesmo às suas costas. Cada invasão naquele ambiente sagrado, de algum aluno atrasado ele reconhece. O chão de madeira estrala ao peso dos corpos e alguém menos avisado ainda que procure disfarçar denuncia a sua presença.
Pela rua São Joaquim às vezes o barulho dos carros é imenso. Mas neste sesshin, ninguém reclamou. Aliás, só tivemos um abandono no primeiro dia: "este local é muito barulhento e poluído", justificou a atitude. A respeito pensei nas horas vagas, será aquela rua realmente barulhenta. Sentado em zazen, quando me dava conta do barulho, então o barulho surgia. Nos momentos das refeições, tinha a impressão que havia barulho, mas a atenção deveria se dirigir a algo mais importante: o movimento das mãos ao manusear o hashi, a colher, o setsu, as tijelas (haviam três). Para cada utensilho um tipo de alimento: o arroz, a sopa, a verdura, a converva, a sobremesa. Ninguém se atrasava, ninguém se adiantava. Todos começavam juntos e juntos terminavam. Senti uma saudade do sodo do Mosteiro Zuioji, onde, pela primeira vez, exercitei minhas habilidades manuais e atenção permanente. Por isso, nenhum barulho, caso existisse não incomodaria. Uma vez um mestre disse que o barulho desaparece quando ele vem e se retira normalmente. Entendi que tínhamos que aceitar o barulho em nosso entendimento, sem relutância, que ele desapareceria em seguida sem deixar marcas.
Durante o treinamento talvez o momento mais difícil seja o do relacimento humano. Em sua miséria, o ser humano pensa e problematiza a vida: eu e o outro, a vaidade, a raiva, a intolerância, o orgulho, a soberba e outros adjetivos piores do que os mencionados. No sesshin estas ervas daninhas da mente surgem sem moderação para que a pessoa se dê conta de sua delusão. Mas por outro lado, os mansos de coração sofrem menos as dores da mente e do corpo. Envergando seus mantos negros nada os atingem, pois mantém-se em permanente atenção e sentam-se em zazen sem hesitação. Havia monges jovens de menos de trinta anos, outros mais velhos, depois dos setenta. Sentados, nada os distinguia.
Ao final do sesshin, alguma coisa aqueles jovens e velhos monges e leigos, enfim praticantes do dharma, tinham aprendido. Não posso dizer dos outros, mas cada vez a minha convicção de que o tempo é fluido o suficiente para não ser vivido integralmente se torna patente. Assim, se a atenção não estiver presente a cada instante de nossa vida perderemos o trem da história. Penso que poderemos priorizar mais o tempo da atenção e menos o tempo inútil das amenidades. Para isso, não existe lugar para egoísmos e outros venenos provocados pela ignorância.
Por tudo, reverenciemos a Buda.
Namo Tassa Bhagavato Arahato Samma Sambuddhassa
Homenageio a Ele, ao Afortunado, ao Consumado, ao Perfeitamente Iluminado.
Emerson, fui apagar uma das duas inserções de "Após o vendaval" e aquela que tinha seu comentário foi a que desapareceu. Peço que republique seu comentário.
ResponderExcluirGasshõ