Certo dia, no zazen da noite, não havia nenhum praticante no templo. Nem mesmo o porteiro havia aparecido. O monge fez, como de costume, os preparativos necessários. Acendeu a vela no altar de Monjusri, ofereceu incenso, tocou o sino de madeira, chamando os praticantes inexistentes a subirem, fez o toque no taiko e sentou-se.
Entre as 19 horas e as 20 horas ele poderia fazer o que bem entendesse. Não seria preciso levantar-se exatamente no horário do kinhin e soar duas vezes o sino, já que o templo estava completamente deserto. Na verdade, não seria preciso nem se levantar para o kinhin. Imerso numa serena meditação, ele poderia se dedicar a aprofundá-la a seu bel prazer durante os próximos 40 minutos. Poderia, também, coçar o nariz, ajeitar-se sobre o zafu, fazer qualquer movimento sem correr o risco de incomodar ninguém. Aliás, poderia até falar ao celular ou dar cambalhotas sobre o tatami. Poderia se sentar no lugar do mestre ou poderia tirar uma agradável soneca.
Por que nada disso aconteceu? Seria apenas devido ao senso de disciplina e respeito? Ou porque se tratava realmente de um monge responsável?
O fato é que às 19:25 ele se levantou, tocou o sino, fez o kinhin. Respeitou os intervalos adequados e todos os procedimentos como se o zendo estivesse repleto de praticantes.
E se sentou para o segundo período de zazen. Neste momento, também havia algumas opções. Fazia frio, ele sentia fome e morava longe do templo. Não seria possível acabar o zazen uns minutinhos antes? Só dependia dele.
No entanto permaneceu, como de costume, sentado até as 19:50, quando silenciosa e cuidadosamente se levantou para os procedimentos do final do zazen. Taiko e sinos foram tocados.
Ao final dos procedimentos, colocou-se de frente para o salão vazio e começou a recitar:
"Respeitosamente dirijo-me a vocês. O nascimento e a morte são assuntos importantes. Portanto, atinjam a iluminação nesta vida. Assim peço, não desperdicem tempo".
A quem ele se dirigia? Que monge maluco! Ele fazia essas coisas por senso de dever, disciplina ou hábito?
Qualquer dessas opções faria com que a prática se tornasse algo muito menor do que realmente é.
A resposta viria logo em seguida, com a recitação dos Quatro Votos do Bodhisatva.
Ainda de frente para o salão vazio, o monge recitou:
"Os seres são inumeráveis, faço o voto de salvá-los.
Os desejos são insaciáveis, faço o voto de extingui-los.
Os portais do Dharma são imensuráveis, faço o voto de atravessá-los.
O Caminho da Iluminação é infindável, faço o voto de percorrê-lo".
"Místico", segundo o dicionário, diz respeito a coisas sobrenaturais, sem bases racionais.
O que, então, pode ser mais místico que os Quatro Votos do Bodhisatva? Nada menos racional que se comprometer a salvar todos os seres, sabendo que são inumeráveis! Ou como querer extinguir desejos que são declaradamente insaciáveis? Como atravessar portais que não têm forma ou tamanho? Ou como se dedicar a um caminho que não tem um destino?
Respondam: o monge estava ou não sozinho?
O que dizer do próprio Bodhisatva, essa curiosa figura que renuncia à própria iluminação para ajudar os outros seres a atravessar para a margem da iluminação?! Como podemos nos dedicar a uma prática que busca a iluminação sabendo de antemão que iremos renunciar a ela?!
Tudo isso é intelecto. E o intelecto caracteriza-se por ter limites, jamais poderá apreender o ilimitado, o imensurável, o infindável.
Respondam: o salão estava ou não vazio?
Naquele momento em que recitava esses versos, o coração do monge tornou-se repleto de profunda alegria, de gratidão pelos ensinamentos que ali praticava, de sincera identificação com todos os seres desse mundo, que nada mais buscam que uma vida justa e livre de sofrimento.
É nesse instante que a mística pode surgir. Sob a forma de uma reverência, ou da emoção de vislumbrar o kesá, ou de uma oferenda de incenso etc. Se soubermos preservá-la para fora dos portões do templo, então entenderemos por que quando uma pessoa está em zazen todos os seres também estão, entenderemos por que Shakyamuni declarou que o mundo todo tinha se iluminado juntamente com ele.
Para isso é preciso abandonar as formas do intelecto.
Cultivemos, portanto, incessantemente, a emocionante mística do zazen!
Entre as 19 horas e as 20 horas ele poderia fazer o que bem entendesse. Não seria preciso levantar-se exatamente no horário do kinhin e soar duas vezes o sino, já que o templo estava completamente deserto. Na verdade, não seria preciso nem se levantar para o kinhin. Imerso numa serena meditação, ele poderia se dedicar a aprofundá-la a seu bel prazer durante os próximos 40 minutos. Poderia, também, coçar o nariz, ajeitar-se sobre o zafu, fazer qualquer movimento sem correr o risco de incomodar ninguém. Aliás, poderia até falar ao celular ou dar cambalhotas sobre o tatami. Poderia se sentar no lugar do mestre ou poderia tirar uma agradável soneca.
Por que nada disso aconteceu? Seria apenas devido ao senso de disciplina e respeito? Ou porque se tratava realmente de um monge responsável?
O fato é que às 19:25 ele se levantou, tocou o sino, fez o kinhin. Respeitou os intervalos adequados e todos os procedimentos como se o zendo estivesse repleto de praticantes.
E se sentou para o segundo período de zazen. Neste momento, também havia algumas opções. Fazia frio, ele sentia fome e morava longe do templo. Não seria possível acabar o zazen uns minutinhos antes? Só dependia dele.
No entanto permaneceu, como de costume, sentado até as 19:50, quando silenciosa e cuidadosamente se levantou para os procedimentos do final do zazen. Taiko e sinos foram tocados.
Ao final dos procedimentos, colocou-se de frente para o salão vazio e começou a recitar:
"Respeitosamente dirijo-me a vocês. O nascimento e a morte são assuntos importantes. Portanto, atinjam a iluminação nesta vida. Assim peço, não desperdicem tempo".
A quem ele se dirigia? Que monge maluco! Ele fazia essas coisas por senso de dever, disciplina ou hábito?
Qualquer dessas opções faria com que a prática se tornasse algo muito menor do que realmente é.
A resposta viria logo em seguida, com a recitação dos Quatro Votos do Bodhisatva.
Ainda de frente para o salão vazio, o monge recitou:
"Os seres são inumeráveis, faço o voto de salvá-los.
Os desejos são insaciáveis, faço o voto de extingui-los.
Os portais do Dharma são imensuráveis, faço o voto de atravessá-los.
O Caminho da Iluminação é infindável, faço o voto de percorrê-lo".
"Místico", segundo o dicionário, diz respeito a coisas sobrenaturais, sem bases racionais.
O que, então, pode ser mais místico que os Quatro Votos do Bodhisatva? Nada menos racional que se comprometer a salvar todos os seres, sabendo que são inumeráveis! Ou como querer extinguir desejos que são declaradamente insaciáveis? Como atravessar portais que não têm forma ou tamanho? Ou como se dedicar a um caminho que não tem um destino?
Respondam: o monge estava ou não sozinho?
O que dizer do próprio Bodhisatva, essa curiosa figura que renuncia à própria iluminação para ajudar os outros seres a atravessar para a margem da iluminação?! Como podemos nos dedicar a uma prática que busca a iluminação sabendo de antemão que iremos renunciar a ela?!
Tudo isso é intelecto. E o intelecto caracteriza-se por ter limites, jamais poderá apreender o ilimitado, o imensurável, o infindável.
Respondam: o salão estava ou não vazio?
Naquele momento em que recitava esses versos, o coração do monge tornou-se repleto de profunda alegria, de gratidão pelos ensinamentos que ali praticava, de sincera identificação com todos os seres desse mundo, que nada mais buscam que uma vida justa e livre de sofrimento.
É nesse instante que a mística pode surgir. Sob a forma de uma reverência, ou da emoção de vislumbrar o kesá, ou de uma oferenda de incenso etc. Se soubermos preservá-la para fora dos portões do templo, então entenderemos por que quando uma pessoa está em zazen todos os seres também estão, entenderemos por que Shakyamuni declarou que o mundo todo tinha se iluminado juntamente com ele.
Para isso é preciso abandonar as formas do intelecto.
Cultivemos, portanto, incessantemente, a emocionante mística do zazen!
Gasshö
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