quinta-feira, outubro 19, 2006

Sentar-se mais, um pouco mais

Ao final de uma sessão de zazen, à noite, o jikido após bater o uchi-dashi no mokuhan anuncia em alta voz: a vocês, praticantes me dirijo respeitosamente; o nascimento e a morte são assuntos importantes, portanto Iluminem-se nesta vida; assim peço, não percam tempo. De fato, quando se fala em nascimento e morte, trata-se da vida, o intervalo entre estes dois pontos "antípodas". Dogen Zenji em Shushogi diz que "a vida é como fosse um tiro de flecha", mais rápido do que pode parecer. Mas inversamente, perdemos tempo mergulhados numa mar de ilusões. Alguns ao invés de priorizar o tempo de vida que lhe resta, continuam cometendo os mesmos erros. Deixam de praticar o "caminho da iluminação" a fim de procurar medicina paliativa das ervas entorpecentes da ilusão: fórmulas mágicas e cantorias, espírito das matas, duendes e anjos. Realizam estes visitas em muitas casas, num ato de turismo religioso que nunca chega a lugar algum. Tal qual os alucinados de uma noite de verão, após a ressaca de uma madrugada em ebulição, tropeçam nas próprias pernas. Os olhos que deveriam divisar um só horizonte perdem em outros pontos, pois a nossa visão turva-se da areia quente da insolação. Perdemos tempos demais. Praticantes do Dharma, construam com os passos do caminhante a senda da iluminação: sentem-se. Buda sentou-se apenas. Se Buda é o mestre, nossa referência, podemos criticá-lo e a nós mesmos. Mas retornemos ao nosso "sentar-se". Somente os que se sentam podem "dialogar" com o Buda e ele nos ouvirá. Abandonando-nos no "sentar-se", esquecemos e de nós mesmos e a nossa mente se tornará mente de Buda. O erro maior, o maior de todos, é treinar a mente para se tornar a mente de Buda, retornando à mente da ilusão completa quando deixamos de sentar. Nesse caso, cria-se um abismo entre a prática de sentar-se e a prática no mundo das paixões. Quando existir esta separação, o que falta no praticante é dedicação em sentar-se. Sentar-se mais... E mais... Se isso não ocorrer, o zazen indisciplinado tor-se-á um adorno em nossa fantasia de carnaval. Não percam tempo, pois o tempo urge? A invés de sermos prisioneiros do tempo diacrônico em que o "agora" não existe, pois se tornou passado, possamos descobrir o agora real no tempo do Dharma. Neste o eu não existe e nem o outro!

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