Muito se fala a respeito da mente atenta, entretanto poucos conseguem mantê-la neste estado. Quando realizamos a prática do zazen, treinamos a mente alerta. Naquele momento não dormimos, não cochilamos, não pensamos, nada fazemos. Mas se isso vier a acontecer, ao deparmos nossa hesitação, voltamos novamente à antiga postura. Por algum momento, quem sabe, o sono nos rouba a atenção. O mesmo acontece com o fluxo de pensamento. Se ao contrário, alimentarmos o nosso sono, o nosso pensamento, o zazen deixa de existir. Quer dizer, a atenção foi substituída pelo devaneio. Então, a mente deixa de estar atenta. Enganam-se aqueles que procuram relaxar-se nos instantes de zazen, como fosse uma "fuga" de seus problemas corriqueiros.
Para que a mente esteja atenta é necessário treiná-la. Trocando em miúdos, fazer zazen. Claro, para todos existe um rítmo e uma necessidade. Para alguns, uma vez por semana é o suficiente. Ainda que seja uma vez apenas, deve-se respeitar a disciplina e aparecer no dojo para fazer zazen. Sem disciplina a nossa mente também acostuma-se à indisciplina e o zazen feito esparçamente não tem validade. Alguns fazem zazen de maneira esparça: quanto sentem vontade. Bem, não é uma maneira muito saudável de praticar o zazen. Nesse caso, parece-me que o zazen torna-se apenas um paliativo, algo parecido como um adereço para a nossa fantasia de carnaval. Ao contrário, para o praticante dedicado, o zazen é alimento e o ar que respira. Sem alimento morremos, assim sem zazen mergulhamos fundo em nossas ilusões. Um zazen esporádico torna-se uma brincadeira, tal qual ocupamos o nosso tempo livre para um relaxamento.
Quando digo, cada um é responsável pela quantidade de zazen a fazer, a intensidade com que é feito, a qualidade do zazen realizado, demonstra o perfil de praticante. Cada um se esforça conforme não apenas suas necessidades mas também limitações. Problemas de natureza orgânica talvez impeça uma presença mais dinâmica no dojo. Alguns dizem que enfrentam problemas de tempo: trabalham muito. Por ser livre, o zazen pode ser realizado de acordo com liberdade de escolha de cada um. Em nossa vida, fazemos opções. Nesse caso, o zazen também pode ser visto desta maneira. Depende logicamente de nossas prioridades. Ainda não chegamos no grau de desapego, o suficiente para o ingresso total no Caminho da Iluminação.! Não está errado, apenas não chegou o tempo!
Assim posto, o zazen realizado de maneira "light" também tem conseqüências "light". Por isso, a prática na vida diária é necessário muito mais atenção. Mas a mente se nega a ficar atenta. Ao invés disto, continua insistindo em apegar-se à idéias, conceitos, preconceitos, raiva e ignorância. Continua como sempre fazendo avaliações e comparações de ganho e perda, de premiação e prejuizo, de custo e benefício. Se este comportamento perdurar, o zazen se torna algo separado de nossa vida, criando um campo amplo de dualidades. Durante a prática no templo envergam o manto negro do treinamento, assim que terminam retomam novamente a roupa comum das atividades ilusórias. Quero dizer, não se trata tanto da roupa mas da troca da atitude mental.
Que não seja assim. Carreguemos em nossa mente o manto negro da prática do Dharma ao enfrentarmos as intempéries das oscilações do temperamento do demônio Mara. Aquele que mora em nossa mente e se chama Ego. E quando o Ego se inflama, a ilusão se reforça. Seria necessário que Buda empunhando o kyosaku nos golpeasse cada instante que o Ego aparecesse como nuvens intempestivas da ilusão. Mas tanto a ilusão como Buda moram em nossa mente.
Manter a mente alerta é reconhecer a fluidez do Ego, a sua insustentabilidade.
Basta alguém falar mal de mim para receber o troco. Cuidado, cuidado se isso acontecer.
A prática do Caminho da Iluminação é para poucos. Não dos escolhidos, mas dos que treinam arduamente. Dito de outra maneira: mente alerta. Não acreditem naqueles que treinam mas se irritam por pouco, xingam, são insolentes e egoístas, enchem-se de orgulho, ficam magoados e autocomiserando sua dor.
Enfim, pratiquemos com força e alegria.
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