sexta-feira, março 10, 2006

Andar com as próprias pernas

Quando comecei a praticar o budismo zen ensinarem-me de que teríamos que abandonar as bengalas. Quer dizer, não existia ninguém além de nós próprios em nossa derradeira caminhada. Talvez pudéssemos cair, uma vez, duas ou três, ou mais ainda. Mas tínhamos o exemplo de Bodhidharma, que em sua representação da cultura popular japonesa é um boneco sem os membros superiores e os inferiores: uma bola. De cor rubra, feito de papel e terra, de tal forma que o peso da base mantinha o boneco sempre em pé. Ainda que o empurrasse, voltava à posição vertical. E desta forma, passou a dizer que Bodhidharma se sete vezes derrubado levantava-se por oito. Aquele patriarca indiano foi o responsável pela expansão do budismo zen na China, em pleno século VI. Se não fosse por ele, provavelmente não teríamos conhecido esta forma de prática: o zen. Diz a lenda que teria ele tentado atravessar o Himalaia sem obter sucesso, tentou outros caminhos mas nada disso adiantou. Tentou pelo mar, mas eis que surgiu um dragão marinho e o impediu continuar a viagem. Assim tentou, até que na oitava vez pode alcançar o Império do Centro - a China. Toda vez que o cansaço surge, o desânimo ameaça, o velho Bodhidharma surge em nossas lembranças e nos alimenta com a sua perseverança.
Ouvi também uma outra estória emblemática. A de que a tigresa joga os filhotes no abismo. Alguns destes conseguem escapar da morte ao lutar desesperadamente agarrando-se nas paredes escarpadas e retornar ao convívio da mãe. Parece cruel. Segundo os narradores antigos, é o amor da tigresa em relação aos filhotes que a induz a proceder desta forma. Os filhotes com energia serão os que têm chance de sobreviver na selva. Os fracos sofreriam e acabariam morrendo vítimas de outros predadores. Para a tigresa seria melhor que ainda pequenos morressem sem passar pelo sofrimento em idade adulta.
Numa outra versão, o caso se refere a um acontecimento comum. Assim ouvi: após sofrer as conseqüências de uma doença, quando é internado no hospital, o velho pai volta ao convívio do filho. Numa casa grande, o velho torna-se hóspede num aposento longe da sala de refeições. Por isso, é necessário a ajuda de outras pessoas, que o carregam até o local de alimentação. Durante uma semana, todos o auxiliam nesta tarefa. Passado este período, o filho preocupado com a situação do pai, toma uma decisão traumática. Não levaria a refeição no quarto e nem o traria para a sala de refeições. Se ele desejasse, teria que caminhar até o local em que todos se alimentavam. Caso contrário, ficaria sem comida. Aquela atitude foi considerada cruel. O próprio pai chegou a chorar de ódio do filho, considerando-o desumano. "Não posso andar, minhas pernas estão paralisadas", contrariou o pai. Mas nada disso atingou o filho, que insistiu: "Se não puder andar, então se arraste até a sala".
No primeiro dia, o pai continuou no quarto. No segundo dia, não se aguentando de fome começou a se arrastar pelo chão, derrubando cadeiras e vasos. No terceiro dia, a situação não se alterava. Depois de uma semana, conseguiu apoiar os pés no chão. Mas usava as paredes para não cair. Um mês depois, sem problemas, o pai dirigia-se andando normalmente até a sala de refeições. Na verdade, somente o amor do filho pelo pai fez com que procedesse desta forma. Caso, continuasse carregando pai, jamais ele se recuperaria.

No budismo, dizem existir duas formas de prática: uma que apela pela força do outro, outra que depende unicamente da própria força.

2 comentários:

  1. "O Budismo não conhece qualquer autoridade, salvo a intuição do indivíduo e essa autoridade é apenas para esse indivíduo sozinho. Cada Homem sofre a conseqüência de seus próprios atos e com isso aprende, enquanto ajuda seu semelhante, a alcançar a mesma libertação."

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  2. Anônimo6:08 AM

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