sábado, junho 23, 2007

Meu último zazen

Antes de conhecê-lo, alguém tinha me contado a respeito. Nem ao menos lembro-me de seu nome. Tinha pedido para fazer zazen, cuja prática tinha iniciado em Recife. Como trata-se de alguém iniciante, o normal seria conduzí-lo a fazer junto aos novatos. Mas não ele. Convidei-o a fazer com os veteranos, repartindo um espaço no naitan do zendo. Por uma hora e meia ele sentou-se em zazen, intercalando com um kinnhin de dez minutos. Só depois do yaza desta noite de 4.a feira ele veio até mim e relaxando contou-me a respeito do motivo que o levara a visitar o nosso templo. Assim, contou a sua história. Vinha a São Paulo a fim de submeter-se a uma cirurgia no Hospital 9 de Julho, com grande probabilidade de não conseguir sobreviver. Como num jogo, podia ganhar ou perder. Mas isso não o abalava. Disse-me que a prática do budismo zen e a constante prática do zazen deu-lhe a tranqüilidade suficiente para enfrentar aquela situação. Ele fazia zazen todos os dias, pelo menos nos últimos dois anos. Não havia revolta alguma em suas palavras. Ao contrário. A sua vida tinha sido muito bem vivida, constituindo família e emprego estável. Ele era feliz, confidenciou-me.
Enquanto ele fazia zazen percebi que ficaram esperando a esposa, a mãe e filhos na área de espera.
Após dizer tudo aquilo, o que eu poderia dizer mais? Só refleti a respeito. Ao final, ele se despediu de mim com os olhos de profundo agradecimento. "Eu voltarei aqui para novamente fazer zazen com você, caso sobreviver. Mas se não vier, talvez possamos nos encontrar um dia no outro lado?" brincou com a própria situação. Pedi que ele registrasse o seu nome no nosso livro de comparecimento. Desconheço o seu nome, de alguém que conheci por dez minutos e me revelou o valor da vida. Claro, ele não voltou. Não liguei ao hospital para saber do acontecimento.
Tudo aquilo se passou como um flash de cinema, ou realmente foi verdade? Quem sabe, devemos praticar como fosse o último momento de nossas vidas. Se praticamos assim, podemos, inclusive perdoar as nossas desavenças. Admitir ter desavenças, em si, é sinal de falta de prática. Sem querer, acabamos magoando alguns mais sensíveis, outros menos sábios, e assim o sentimento de comiseração acaba corroendo o próprio magoado e o causador. Possamos então arrependermos de nossas atitudes de agressão, ainda que não tenha sido causado intencionalmente. Acima de tudo, que a nossa prática seja verdadeira: nada para esconder. Se esta tentativa obter sucesso, então estaremos no caminho certo.

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