Manhã de domingo, seis horas e quarenta minutos.Toco a campainha da casa, sede da Sangha.Sodô sorrindo abre o portão, fechado após o último zazen da noite anterior.Entramos no dojô, fazemos reverências e arrumamos o altar com oferendas a Buda: uma vela acesa, um vaso de flor, um pote com água, um incenso que queima.Os praticantes chegam.Somos sete pessoas, duas, iniciantes.Sodô, nossa postulante a monja, recebe alegremente os praticantes.Aos iniciantes, enfatiza: "entrem, a casa é de vocês."Orienta com paciência como entrar no zendô, como caminhar, como sentar e meditar.Ouço com atenção o que diz e aprendo com suas palavras.Fechamos a porta do dojô e sentamos em zazen.
Faz silêncio lá fora.Pássaros cantam.Cantam lá fora e aqui dentro, no zendô.Somos treinados no zen a ouvir os sons sem indagar -que pássaro canta?sem julgar -é bom, é ruim, sem cogitar -que lindo!Monge Genshõ, nosso professor, nos falou sobre esse tema num sesshin.O tema do pássaro, desde então, tornou-se para mim uma ponte que me auxilia a transpor as armadilhas da mente.Como fazemos?Apenas ouvimos e acompanhamos os sons.Ao seguirmos o som do pássaro cantando, nos tornamos, ainda que por instantes, o próprio pássaro.Cantando com o pássaro somos o pássaro, e isto é tudo; nos desprendemos dos ruídos que vêm da rua.Nos livramos dos corredores apertados de nossas mentes, que insistem em indagar, cogitar, julgar e pensar.Se nos perdemos do som, se nos apartamos do pássaro, recomeçamos outra vez.Uns vivem e praticam mais intensamente, outros menos.Não importa.Nós mesmos de um dia para outro, somos diferentes.Avaliar ou comparar são preocupações que nos ocupam inutilmente.Apenas devemos sentar em zazen e nos esforçar em não perder tempo.Praticar com disciplina e regularidade, sem pretensões.Praticar com uma mente que peregrina sem pretensões no zafu e na vida.E a este ponto sempre retornar, em treinamento contínuo.Nosso único compromisso, como nos ensina Jisho san, é com a verdade.Se não praticamos com esse espírito, mentimos para nós mesmos.Que proveito haveria, se não fosse isso?nenhum, por certo.Se praticamos com espírito comprometido com a verdade, nossa prática é sincera e dela brotam naturalmente energias e forças restauradoras.Nossas vidas tornam-se mais simples.Quase sem sentir, vamos penetrando mais fundo e rasgando as camadas dos véus que encobrem as nossas mentes, nossas mãos, nossas palavras, nossos gestos.A vida começa a se revelar...
Se dedicamos algum tempo em sentar-se apenas alimentamos o nosso corpo e nossa mente. Mantemos a mente alerta, com a mente de Buda. Mas este processo deve ser natural, como andar, comer, tomar água... A mente de Buda nada mais é do que a mente cotidiana, sem nada especial.Por isso, a prática também não tem nada de especial.
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