Pensar em praticar o budismo querendo obter algo em compensação não coaduna com o Dharma. Pelo contrário, a prática em sí é um grande tesouro. Mas quando falamos em renúncia, escondemos a nossa face e preferimos mudar de assunto. Entretanto, budismo é o mesmo que renúncia. Assim agiu o príncipe Sidharta que abandonou os filhos, a esposa, o conforto do palácio, os prazeres da vida, os livros de poesia, os momentos de ócio, os exercícios de guerra e os devaneios espirituais. Abandonou... Se achamos que praticamos o budismo, o quê renunciamos neste momento? Se fazemos zazen, estamos renunciando a porção de coisas. Poderíamos ir ao cinema, aos bares, ao encontro de amigos, ao passeio no shopping center, nas livrarias e nas lojas de vestidos e lingerie. Mas fazemos zazen. Quem não está fazendo zazen neste momento, provavelmente esteja fazendo justamente a uma destas coisas. É uma questão de escolha ou prioridade. Cada um pode fazer a sua escolha, eu quero fazer zazen.
Se o zazen não for o centro de nossa atuação nesta vida curta, para quê, afinal, vivemos. Se não entendemos o sentido da vida. Fazendo zazen fazemos todo o resto como pintura, dança, teatro, ginástica, leitura e produção de textos. Como podemos andar numa carroça isento de eixo e rodas. É mesmo que alguém que faz de tudo mas não sai do lugar, porque não existe o entendimento. O entendimento chega a partir do momento que o eu percebe o próprio "eu" mas não consegue agarrá-lo. Enquanto a renúncia não fizer parte de nossa vida, continuamos iludidos e brincamos de praticar budismo, de sentar-se em zazen. Sem renúncia, não se pratica budismo. E dentre as nossas possíveis renúncias, qual é a que podemos realizar neste momento? Renunciar a acumular coisas é mais fácil do que a renúncia ao nosso orgulho, nosso egoísmo, nossa ignorância. Inclusive, vivemos apegados à própria ignorância. Neste momento, existo somente em função da existência de minha ignorância. Seria cômico se não fosse trágico. Temos medo de renunciar às coisas mais banais de nossa existência como a idéias preconcebidas, a idéias condicionadas, a representações abstratas. Tudo isso são fantasmas, sem consistência. Mas não renunciamos. Nem renunciamos à nossa cara feia de palhaço, pintado com cinismo e sarcasmo. E assim, queremos ter uma cara. Uma cara que não queremos abandonar.
Não podemos falar apenas da renúncia do Bagavat, mas a nossa própria. Ao realizá-la, abrimos caminho para a extinção do sofrimento. Alguns querem continuar sofrendo para manter o apego. Assim, um absurdo do ponto de vista da prática, mas é o que acontece. Sem fazer zazen, não se pode entender o que significam estas palavras...
Quando servimos aos outros nos desprendemos, ainda que por momentos, do orgulho e mesquinhez.Nesses momentos temos percepção do sentido da prática da renúncia.
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