segunda-feira, dezembro 31, 2007
segunda-feira, dezembro 24, 2007
A importância de um sesshin
Há várias coisas das quais sentimos a diferença somente depois que elas acabam. Engana-se quem acha que, findo um evento, findas as suas repercussões. Durante um sesshin podemos sentir e vivenciar várias coisas, todos nós o sabemos. É somente, porém, quando voltamos para casa, quando voltamos para a nossa rotina, que vemos coisas novas desenrolarem-se – algo que talvez estava lá antes mesmo da viagem.
Uma das importâncias óbvias de um sesshin é o simples fato de que os praticantes reunidos ajudam a manter a prática uns dos outros. Podemos passar a admirar a coragem de Sidarta em sentar-se em zazen sozinho, sem professor, preceptor ou colegas, depois que vemos o quão fracos somos se não praticamos com outros. Não precisamos evocar forças ou energias: a simples pressão social de não abandonar uma sessão de zazen faz maravilhas – eu teria escapado muito, muito antes do terceiro dia.
Importante, também, praticar, neste caso, do lado de um roshi , e de pessoas que praticam o zazen por anos e décadas.
Importante ter a oportunidade – devido a um tempo planejado de prática intensiva – de aprofundar-se no zazen, de poder descobrir estados ainda não conhecidos, de poder ir um pouco mais longe que a prática cotidiana nos permite.
Tudo isto, enfim, importante. Valioso.
Mas há outra coisa importante que desejo deixar para falar aqui: importante é fazer um sesshin, com todas as suas importâncias – e desimportâncias – para ter esta experiência e voltar para as nossas vidas.
Como dizia antes, há coisas das quais o peso delas cai depois: seja fazer sentido depois, seja cair a ficha depois, seja simplesmente revestir-se de outras vivências, depois. Para ser sincero, não tinha muita certeza de porque eu fazia o tal sesshin – ah, por causa do rakussu, uma península de orgulho (o lado bom do orgulho, nos faz fazer coisas que não faríamos com pretensa humildade), para não decepcionar a mim mesmo e aos outros, por uma sede de saber, por um desejo inominável, para pura e simplesmente praticar. Ah, miríades de razões. Mas não tinha certeza e, acima de tudo, nos momentos mais desesperados, para a pergunta "por que você não vai embora?", eu só sabia dizer, depois de um certo tempo: "eu não sei". Prometia a mim mesmo que iria até o final do dia e então, somente de noite, iria ver se ia embora ou não. Cada dia acabava em si mesmo: cada dia um novo dia, nova prática. Cada novo momento. Apesar das várias coisas, apesar das dores e delícias, apesar do rakussu para terminar, apesar dos transeuntes noturnos de São Paulo, apesar do delicioso nabo amarelo, íamos somente indo, fazendo zazen na hora do zazen. Apesar dos diversos pensamentos e distrações.
É agora que, então, olhando para lá, para a semana passada, me pergunto: como foi possível? E não é que aconteceu? Aconteceu. Ao mesmo tempo que pode parecer um sonho, ter um toque de irreal, tem a realidade das coisas não-sonhadas.
O valioso de um sesshin é ter a experiência da prática viva, presente, como um marco. Esta prática constante, este breve período em que nos permitimos e permitimos aos outros que praticassem com mais afinco, ecoará dias e semanas e meses depois, nos lembrando da nossa prática. Mesmo que sentemos muito pouco, mesmo que esqueçamos temporariamente do zazen, mesmo que o ritmo de nossas vidas exija outras prioridades, a experiência está "lá", podemos (tentar) voltar a qualquer momento e nos servir dela.
Qual experiência?
Dogen usava uma expressão interessante para referir-se à prática: prática-esclarecimento, ou prática-iluminação. A prática é iluminação, iluminação é prática; uma não difere da outra. Dizer, porém, que elas são "uma mesma coisa", só que "duas faces de uma mesma moeda" é perder a experiência com palavras: mesmo dizer do Um é perdê-lo irremediavelmente como Um. As palavras vêm, necessariamente, depois, e têm o seu gosto peculiar, muitas vezes saboroso; mas a prática, porém, está além das palavras, não no sentido que as negue.
Zazen é negar nada e afirmar nada. Se tivesse eu feito um esforço para "livrar-me" de todos os impedimentos, de todas as distrações, de todos os "venenos" durante o sesshin, isto não seria zazen: isto seria eu fazendo esforço para livrar-me de impedimentos, distrações e "venenos". Na maior parte do tempo, era isto que fazia: lutando com a dor ou tentando agüenta-la, pensando em desistir e depois arrependendo-me de pensar em desistir. Mas, embora isto não seja o zazen, isto é zazen: eis a nossa vida, eis a nossa prática. Nada de especial, de excepcional, no sentido de que antes mesmo que pudéssemos falar enquanto praticamos ela está lá. É simples, não é? Todos nós o sabemos. Simples mesmo em sua tremenda dificuldade.
"Nadem quanto queiram, os peixes não encontram um fim no mar; voem quanto queiram, os pássaros não encontram um fim no céu." Dogen Zenji, Shobogenzo Genjokoan.
Afinal, quando falamos de prática, sobre quem estamos falando?
Agora mesmo eu falo de importante e não-importante, de valioso, de prática e iluminação e vida, como se fossem coisas ou separadas ou excepcionais. É uma maneira de falar, uma maneira de passar algo – que eu espero que agrade a uns e sirva a todos.
quinta-feira, dezembro 20, 2007
Sesshin da Iluminação
Da forma como Buda almejou libertar-se
Não foi este o primeiro sesshin realizado em nossas vidas, nem o segundo e nem o terceiro. Foram muitos, que perdemos da conta. Mas sempre é como se fosse o primeiro. E, se tratando do Sesshin da Iluminação, algo diferente acontece. Nestes oito dias de retiro, sentando-se mais de oito horas, repetimos o gesto que levou Sidharta a Bodhigaya a sentar-se abaixo da árvore da sabedoria. Teria sido lá, a mais de 2500 anos que o príncipe de Kapilavastu alcançou a Iluminação. Foi quando disse, “neste momento eu e simultaneamente todos os seres existentes tivemos a experiência da libertação. Não apenas Sidharta, mas todos: humanos, animais, vegetais, montanhas, rios e vales”.
Assim conta a lenda. Maravilhoso do ponto de vista da narrativa fantástica, na qual incluem os seres fantásticos. “Se Buda tivesse dito que se Iluminou, quem acreditaria?” – provocou o Superior Dosho Saikawa. Por isso, a dúvida da Iluminação de Buda, pode ser colocada a prova através de uma confirmação prática. Sente-se, apenas sente-se, da maneira ensinada pelas palavras de Dogen Zenji: Shikantaza! Teria agido desta forma o Buda, quando escolheu o Caminho do Meio e entregou-se a sentar em zazen por oito dias. Não poderia ser diferente para um praticante do Zen, que ao invés de acreditar simplesmente, num ato cego de fé, faz o mesmo que Buda fez. E abre a possibilidade de conhecer as etapas que Buda experimentou no corpo e mente.
Penetrando fundo no zazen, Sidharta enfrentou as filhas do demônio Mara. Que venha cada uma delas, na forma de sensualidade, de medo, de raiva, enfim de todos as manifestações de apego à abstração da mente iludida. Se num primeiro momento Mara surgia como um sedicioso mago da confusão egoísta, sofredor de suas próprias angústias, depois Mara apresenta-se com o semblante calmo de Buda. Não se tratava este de um ser externo ao seu criador, nunca existiu além da própria mente. Ao tentar seduzi-lo numa última cartada, Buda aponta para a terra e Mara reconhece a derrota. Mais do que o céu – quer dizer as idéias – no budismo enfatiza-se a terra – ou seja, a não dualidade.
Como discurso, a Iluminação de Buda é algo maravilhoso, que se admira e respeita, mas sempre se trata de um ato realizado pelo outro. É o outro que se Ilumina. Pode-se ter idéia da Iluminação, mas nunca a idéia substitui a verdade. Para que a Iluminação se torne uma verdade comprovada, os céticos do Zen participam do Sesshin da Iluminação.
No Templo Busshinji tornou-se comum um sesshin em que sentar é o ponto mais alto da experiência. Saikawa Roshi disse a respeito: ”o nosso sesshin é uma atitude simples e alegre de conhecer a nós próprios”. No último dia, a experiência se estende pela madrugada, devendo encerrar-se às 3hs. Foi pela manhã que Sidharta vislumbrou adiante a estrela matutina, cuja luz ao refletir em seus olhos, percebeu que o universo não se encontrava dividido e ele próprio era parte da totalidade sem distinções. Nos outros dias de sesshin costuma-se dormir à noite, o mesmo não acontecendo na última. Aliás, no Japão alguns templos não encerram o sesshin na madrugada que Buda se tornou Iluminado, mas estendendo-se pelo dia todo em reconhecimento ao patriarca chinês Taisso Eka. Dizem que se Eka não tivesse insistido com seu mestre indiano Bodhidharma, o budismo zen não teria chegado à China e provavelmente desaparecido. Em agradecimento a Eka, se faz mais um dia de sesshin. Esta prática não foi ainda incorporada no Brasil, pelo que se tem conhecimento.
Só de se falar em sesshin, alguns arrepiam de medo. “Não é para mim”, ouve-se de um canto para outro. Argumenta-se também que os que participam do sesshin são os mais preparados ou que não sentem dores nas pernas. Ledo engano. Esta idéia é errada. Pensar desta forma é insistir na dualidade e cair na delusão. Não apenas isso, é uma atitude discriminatória. Nem os que participam do sesshim podem ser considerados melhores em detrimento aos que não participam.
Mas durante o sesshin conhecemos um pouco de nós mesmos. Em atitude de observação, pudemos constatar alguns pontos: todos sentem dores, inclusive aqueles mais treinados; a resistência de alguns tem menos a haver com a condição física (flexibilidade e força) do que a condição espiritual (mente tranqüila ou intranqüila). Responsabilizar a dor física como único fator para a desistência ou ainda para a produção de confusão mental é menos verdadeiro do que o fluxo de pensamento egotista possibilitar a desconcentração e, conseqüentemente, valorizar a dor física. Dizer que fazer zazen não passa de uma técnica convencional, que deve ser dominada, não me parece tão verdadeiro assim. Zazen de cada dia é um zazen novo, como fosse o zazen da primeira vez.
Nem mesmo o mais flexível dos homens, um ginasta, o homem borracha do circo, conseguem sentar-se em zazen se a mente não tiver treino suficiente para manter a tranqüilidade. Será um tormento ficar imóvel. Homens com corpo malhado, marcado pelos exercícios de levantamento de pesos não fazem frente a frágeis meninas que, no entanto, têm força mental. Quanto menos se valoriza o ego, maior é o abandono dos apegos, conseqüentemente a mente se torna mais tranqüila. Maior é a força mental quanto é menor o apego. De fato, vivemos momentos de grande intranqüilidade, pois temos apegos ao nosso próprio valor, à nossa capacidade, ao nosso talento, à nossa inteligência, à nossa beleza e não apenas aprendemos a “ser melhores”, mas temos que “parecer melhores”. Tudo isso não passa de ilusão. Sabemos disso, mas recusamo-nos a abandoná-los. Sofremos, mas não queremos, inclusive, abandonar o sofrimento. Tudo por uma questão de vaidade.
Arriscar-se em realizar um sesshin até as profundezas de nossa medula é cair em febre, quando o ego sente-se ameaçado de perder a identidade. A identidade é uma ilusão, criada por nós próprios e pelos nossos próximos. De tão acostumados que estamos em deitar no colchão confortável da ilusão, sentimo-nos agredidos quando temos de assumir responsabilidades pelas nossas ações. E assim delega a responsabilidade para os outros e Iluminação não prescinde dela.
Realizar o Sesshin da Iluminação é ser o Buda por oito dias, vencendo etapas, enfrentando demônios e não seduzir pelas promessas vãs dos deuses. Não basta acreditar na Iluminação, pouco isso importa. Deve ser saboreado em seu total paladar.
sábado, dezembro 08, 2007
Seshin da Iluminação
Mesmo os praticantes de outras escolas podem participar, desde que se adaptem às normas da casa. Como não temos acomodações apropriadas, os participantes retornam para as suas casas à noite.
O custo para este sesshin é de R$ 200.
O Templo Busshinji fica na Rua S. Joaquim, 286, Bairro da Liberdade, São Paulo. Inscrições no local.
terça-feira, novembro 27, 2007
Aparecida Kannon Bosatsu da Paz Universal II
Realizar-se-á HOJE dia 27 de novembro, às 12h, no portal do Templo Busshinji, a Cerimônia de Aparecida Kannon Bosatsu da Paz Universal. Na ocasião, durante o ato religioso haverá a distribuição de pratos de alimentação a todos os participantes. Tal fato pretende estender o ensinamento budista da compaixão, que consiste na ajuda mútua entre os Homens.
O Templo Busshinji fica na rua São Joaquim, 285 Liberdade São Paulo SP
quinta-feira, novembro 22, 2007
Prática dos preceitos
Em teisho realizado durante o Sesshin anual, em outubro, no Templo Busshinji, Wendy Egyoku Nakao Roshi, abadessa do Zen Center of Los Angeles, falou sobre a importância da prática dos preceitos no dia-a-dia.
Indagada sobre como podemos manter a mente que busca o Caminho quando nos levantamos da almofada de meditação, Wendy Egyoku Roshi respondeu: estudem e pratiquem os preceitos.Em seguida, apresentou os preceitos observados pela Zen Peacemaker Order. Trata-se de uma aplicação dos 16 preceitos à nossa realidade histórica.
As 16 práticas da ZEN PEACEMAKER ORDER
Os três refúgios de um Zen Peacemaker
(Os Três Tesouros)
Convidando todas as criações na mandala de minha prática e fazendo o voto de ajudá-las, tomo refúgio em:
Buddha, a natureza desperta de todos os seres;
Dharma, o oceano de sabedoria e compaixão;
Sangha, a comunidade daqueles que vivem em harmonia com todos Buddhas e Dharmas.
Os três princípios de um Zen Peacemaker
(Os Três Preceitos Puros: Não fazer o mal, Fazer o bem, Benecifiar os outros)
Tomando refúgio e entrando na correnteza da espiritualidade comprometida, faço o voto de viver uma vida de:
Não-saber, assim abandonando idéias fixas sobre mim e sobre o universo.
Testemunhar a alegria e o sofrimento do mundo.
Curar a mim e aos outros.
As dez práticas de um Zen Peacemaker
(Os Dez Graves Preceitos)
Atento à interdependência da Unidade e Diversidade, e desejando realizar meus votos, comprometo-me à prática de:
1. Reconhecer que não sou separado de tudo o que existe. Este é o preceito de Não matar.
2. Estar satisfeito com o que tenho. Este é o preceito de Não roubar.
3. Encontrar todas as criaturas com respeito e dignidade. Este é o preceito da Conduta sexual pura.
4. Ouvir e falar com o coração. Este é o preceito de Não mentir.
5. Cultivar uma mente que vê claramente. Este é o preceito de Não se iludir.
6. Incondicionalmente aceitar o que cada momento oferece. Este é o preceito de Não falar sobre erros e falhas dos outros.
7. Falar o que percebo ser a verdade, sem culpa ou censura. Este é o preceito de não louvar alguém nem culpar os outros.
8. Usar todos os ingredientes de minha vida. Este é o preceito de Não ser mesquinho.
9. Transformar sofrimento em sabedoria. Este é o preceito de Não ser raivoso.
10. Honrar minha vida como um instrumento para promover a paz. Este é o preceito de Não difamar os Três Tesouros.
Disponível em <http://www.zencenter.org>
terça-feira, novembro 13, 2007
raiva
João Guimarães Rosa em Grande Sertão: Veredas
segunda-feira, novembro 12, 2007
A miséria da metafísica
Muitos são os alunos das faculdades particulares que procuram o templo budista a fim de elaborar seus trabalhos acadêmicos. Não se sabe direito o que realmente desejam. Assim, desnorteados, fazem a pergunta mais óbvia, sem perceber a falta de preparação para tanto: “fale-me sobre o budismo”. Falar sobre o budismo, há a possibilidade de discorrer horas a respeito. Assunto não faltará. Mas ainda assim, haverá uma lacuna de fragilidade metodológica no tema em questão. O que é o budismo?
Quando interpelado pelo Imperador Wu, o patriarca indiano Bodhidharma respondeu: “O Budismo é como este céu imenso, totalmente vazio”. Será que alguém alheio à prática do budismo está preparado para ouvir esta resposta. Provavelmente os próprios praticantes tenham dúvidas a respeito dela. Ao mesmo tempo que a resposta incomoda, a pergunta revela imaturidade. Não temos que ter vaidade em se evitar perguntas imaturas. Nisso, inclui os próprios praticantes. Afinal, o que é o budismo? Nisso vem a calhar questão levantada por Eihei Dogen em Shobogenzo Genjo Koan: “conhecer o budismo é conhecer a si próprio, conhecer a si próprio é esquecer-se de si”.Portanto, qualquer outra querela não passaria de especulação abstrata.
Podemos recorrer aos livros para saber mais sobre o budismo, mas isso não quer dizer que possamos aprender o suficiente, que possa servir em nossa prática concreta. Não falamos de sonhos e nem idealismos. Mas no agora! Não vivemos no mundo ideal, entretanto a vida se reproduz sobre as ruínas da miséria humana com todas as suas contradições. Assim, procurar um budismo que esteja além do mundo em que vivemos, cairemos nas elucubrações profundas de nosso desespero.
Reuniões acadêmicas que discutem budismo é uma inutilidade visto pelo prisma da prática concreta. Mais se assemelha a um ajuntamento de amigos como interesses comuns, que resolvem entregar-se à metafísica. Pode-se discutir idéias ou palavras mas nunca idéias ou palavras conseguem abarcar a própria verdade. Esteja além de toda linguagem, por isso faça zazen. Um praticante do zen budismo que não faz zazen e quer debruçar-se nos livros e discussões torna-se num grande teórico, jamais num candidato à Iluminação. Não se ilumina lendo livros, e talvez nem se saiba do que realmente se trata o budismo.
Lembro-me de uma história chinesa que ilustra o caso em questão. Existia um pintor na China que gostava de desenhar dragões. Por isso, todas as formas de dragões viravam tema para ele. Sua vida era os dragões. Certo dia, um dragão de verdade lhe apareceu e amedrontado saiu em fuga. Penso que o budismo atrai a muitos, mas não querem conhecer a prática verdadeira, nem mesmo a iluminação. Brincam de sentar-se em zazen e distrair-se com os textos. Mas budismo não se restringe em arranhar o verniz da caixa do dharma, é preciso radicalizar, perfurá-lo, apossar-se de seu conteúdo e tornar-se íntimo com o seu conteúdo.
Praticar o budismo além da linguagem e da metafísica é mais difícil do que ir à Índia a pé. É mais difícil do que banhar-se no Ganges e beber do Eufrates. Praticar além da linguagem é mergulhar no eu completo e destruí-lo completamente. Isso só é possível através da experiência da prática. Destruir o ego é renunciar a ele. Quando o ego é renunciado acabamos com o apego, com as vaidades, com a ignorância. Se isso acontecer, causa medo. Perdemos a nossa identidade, aquilo que é tão valioso em nossa cultura dual e racionalizada. Identidade que é pura ilusão. O dramaturgo Antunes Filho disse certa vez: “o ator pode ser qualquer coisa, pois não tem identidade”.
Temos medo de perder, por isso o budismo idealizado acaba imperando no mundo desencantado em suas formas e manifestações. O budismo idealizado pelas cabeças sonhadoras, da infantilidade racionalista, deve ser substituído pelo budismo real, muitas vezes trágico, mas capaz de acabar com a ilusão.
Numa composição poética, diz Mitsuo Aida:
O Caminho sou eu quem constrói.
O Caminho sou em quem abre.
As coisas que os outros fizeram não são o meu Caminho.
quinta-feira, novembro 08, 2007
Capacidade de interferir
Por isso, a Iluminação experimentada a partir da prática é fundamental. Acima de tudo, esta prática é a mesma que direcionou o príncipe Sidharta a sentar-se em zazen em Bodhigaya. Dizer que o zazen é uma atitude passiva me parece questionável, pois ensinaram os antigos que existe movimento na quietude e quietude no movimento. Ensinou-me o meu training teacher que uma represa é capaz de reter milhões de litros de água. Será a represa passiva? Em sua aparente passividade, a represa com sua energia contrária a da água em suas paredes, a retém.
Num mundo em que a atitude exposta, como os movimentos, discursos e reações são comuns, de que forma os ditos praticantes do budismo, ou seja da harmonia, da sabedoria, da compaixão, podem atuar conforme as suas crenças. Se uma reação existir no interior do trama das paixões, ou seja da ilusão, ainda estaremos reproduzindo os mesmos erros dos iludidos e deludidos. Mas não somos melhores do que os que estão fora desta prática. Esta afirmação é verdadeira. Ainda que seja assim, uma atitude radical é necessária.
Não há definição melhor de budismo como esta que ouvi de um monge do Mosteiro Saijoji. Disse ele: “quando uma flecha atinge alguém, a nossa atitude imediata é a de retirar a flecha; não interessa no momento quem a atirou, qual foi a velocidade da flecha, o peso da flecha, se a ponta da flecha era feita de metal ou pedra”. Posto de outra maneira, discussão demais pode ser imoral naquele momento. Toda abstração a respeito da flecha é imoral diante da vida que pode se perder. Devemos, então, é arrancar a flecha e salvar o ferido.
Mas para isso acontecer, devemos estar livres da ilusão. A mente atenta evita discussões, aquieta-se. Somente assim, a atitude pode ser correta, pois o coração é puro. O homem da prática deve agir com o coração puro. Outros podem agir com o coração impuro e, inclusive, alcançar objetivos de bem comum. Agem desta forma os políticos, os líderes sindicais, os representantes de classe, os filósofos e jornalistas.
Tratando-se de praticantes do dharma, a atuação da mente não se restringe à mente pequena, condicionada e carregada de apegos e vaidade. Devemos ser como Buda, aquele que senta-se nos altares, imóveis, irradiando uma alegria nos lábios. Diante da maré ilusória e que gera sofrimento, ele se compadece de nossa dor, mas nada pode fazer pois a Iluminação depende da iniciativa do próprio sofredor. A atitude que ele espera é que o sofrimento tenha um fim. Que se acabe. Para que tal fato aconteça, deve acabar concomitante com a ilusão.
Mas temos apegos demasiados com as nossas próprias ilusões. Como num sonho: lutamos com os supostos inimigos e nos cansamos de tanta movimentação ao brandir espadas e lanças; nos esforçamos tanto que, num momento de maior excitação, conseguimos desarmar o inimigo e relaxamos; quando relaxamos, a nossa bexiga se livra da tensão e acordamos molhados. E neste momento, pensamos: tudo foi um sonho, mas era tão real?
A vida como num sonho, se um praticante levar a sério demais os acontecimentos da Roda do Samsara, poderá acreditar que a ilusão é real. Terá que ver o sonho como sonho e o real como real. Por isso, devemos criticar as atitudes precipitadas, ainda envoltas na lama da ilusão. Um praticante deludido é aquele que acha ser Iluminado, por isso age conforme a sua vontade. Erro. Assemelha-se o caso àquele do cego que conduz outros cegos em direção ao abismo. Perigo.
Avessas à metafísica, o praticante deve ter uma relação orgânica e direta com a vida. Se o sofrimento é uma condição na vida ilusória, ainda que pouco, tentemos amenizá-la. O necessitado pode estar mais próximo do que se pensa.
Acima de tudo, um praticante que não busca a Iluminação através da prática, não quer sair do mundo da ilusão. É um personagem de um sonho, que sabendo tratar-se de um sonho se recusa a acordar.
terça-feira, novembro 06, 2007
Dia das crianças
Os participantes trouxeram inúmeras oferendas, como doces, biscoitos, salgadinhos e brinquedos.
As doações foram distribuídas entre as crianças da comunidade do Jardim Luciana, em Franco da Rocha.
Agradecemos a todas as crianças, mentes de principiantes, seres de pureza e alegria, que enchem nosso coração de ternura e esperança.
Que todas possam ser felizes, estar seguras e ter o coração pleno de bem-aventurança!
quarta-feira, outubro 31, 2007
Cerimônia à Aparecida Kannon Bosatsu
Em sua primeira versão, aconteceu em 30 de outubro, na entrada do Templo Busshinji, com a participação do público em geral a Cerimônia à Aparecida Kannon Bosatsu. Na ocasião, foram ofertadas em torno de duzentas refeições aos transeuntes e populares em geral. Ao meio dia deu-se início à cerimônia, com recitação do Sutra do Coração e Grande Sabedoria, seguida dos “Dez nomes de Kannon Bosatsu”, que somente encerrou às 14hs. Teve como oficiante o Superior Dosho Saikawa, auxiliado pelos monges Seiho Kono, Hoju Abe, Koun Campos, Yushin Nishimura e Jisho Handa. A refeição foi preparada pelo Departamento Feminino do Templo Busshinji.
Foi esta uma atividade social junto à comunidade, que o Templo Busshinji, através do Superior Dosho Saikawa, pretende repetir em outras datas, dedicadas a Aparecida Kannon Bosatsu da Paz Universal. “Servir a todos os seres, justifica a existência deste templo”, explicou Saikawa Roshi. Conforme ensinou, Aparecida Kannon é a representação da compaixão, que deve se realizar concretamente em nossas vidas. Em suas diversas manifestações, Kannon é o ser que apareceu para ajudar a todos, sem nenhuma forma de distinção. Assim, encarnar o espírito de Kannon é deixar aparecer também em nossos corações este sentimento compassivo.
Assim, o público interessado em participar deste evento social religioso, que trafegava pela rua São Joaquim, era convidado. Fazia-se a oferta de incenso e recebia em seguida o prato de curry rice, salada de repolho e suco. Muitos foram os que puderam servir-se daquele alimento entre os transeuntes: idosos, trabalhadores, vizinhança, sindicalistas e estudantes. “Fico envergonhada em receber esta oferta”, anunciou a senhora Tanaka. Mas o monge que a atendeu, explicava “não há motivos para isso, por favor receba este alimento de Aparecida Kannon”. Surpresa com a designação Aparecida, ela tomou o seu lugar na fila. Não apenas ela, mas outros se emocionaram ao receber o prato de alimento e sem custo. Alguns, depois de satisfeitos, quiseram permanecer nas cadeiras, acompanhando a recitação dos sutras.
Para quem desconhece, a Kannon Bosatsu é uma das figuras mais populares do cannon budista, um dos avatares do Buda Shakyamuni. Quer dizer, ela manifesta a própria compaixão. Não se trata de nenhuma atitude espetacular, pelo contrário. A compaixão é um dos motores que rege a prática budista. Ausente de ego, a compaixão torna-se um ato de sabedoria quando reconhece a interdependência do universo. Ajudar, sem desejar retorno teria sido o juramento dos Bodhisattvas (Bosatsu em japonês), seres que renunciaram ao próprio interesse em função dos outros.
Ao se praticar os votos dos Bodhisattvas, não se pretende encontrar um ser extraordinário fora de nós próprios, mas da relação concreta do praticante com o mundo que nos cerca. E neste mundo sansárico, o sofrimento existe, devido a ignorância e provocado pelas circunstâncias advindas de ações passadas, por isso a compaixão é o único veículo que permite-nos salvar a nós próprios e a todos. Por isso, dar e receber tem o mesmo grau de compaixão, isento de diferenças.
Os dez nomes de Kannon
Kan ze on
Namu Butsu
Yo Butsu Uin
Yo Butsu Uen
Buppo Soen
Jo Raku Gajo
Tyonen Kanze on
Bonen Kanze on
Nen nen ju shin ki
Nen nen fu ri shin
terça-feira, outubro 30, 2007
domingo, outubro 28, 2007
Aparecida Kannon Bosatsu da Paz Universal
Realizar-se-á dia 30 de outubro, às 12h, no portal do Templo Busshinji, a Cerimônia de Aparecida Kannon Bosatsu da Paz Universal. Na ocasião, durante o ato religioso haverá a distribuição de pratos de alimentação a todos os participantes. Tal fato pretende estender o ensinamento budista da compaixão, que consiste na ajuda mútua entre os Homens.
O Templo Busshinji fica na rua São Joaquim, 285 Liberdade São Paulo SP
sexta-feira, outubro 26, 2007
Fonte
Antes o futuro era apenas a continuação do presente, o passado uma base remota, e avistava-se transformações no horizonte. Mas agora, presente, passado e futuro se fundiram.
Ame a todos, sirva a todos

Jayesh Patel: Living Service
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quinta-feira, outubro 25, 2007
Manifesto
Segue abaixo o convite oficial do CBB - publicado no blog do monge Genshô: "O Pico da Montanha":
"Em vista dos sérios eventos de violação dos Direitos Humanos e violência militar em Myanmar, onde a comunidade buddhista tem mantido o esforço de reivindicar, pacificamente, o retorno da justiça e da democracia assim como o estabelecimento da paz ampla e irrestrita, o Colegiado Buddhista Brasileiro - juntamente com importantes lideranças da sociedade civil brasileira - gostaríamos de convidar a todos para participar do encontro ecumênico a ocorrer no dia 25 de Outubro de 2007, na sede do Templo Busshinji às 20h00.
Neste evento, a comunidade buddhista do Brasil, juntamente com todas as pessoas interessadas no exercício consciente da liberdade e fraternidade para todos os povos do mundo, pretenderá lançar um alerta pacífico em prol da cultura da paz e do bem maior da humanidade.
Sua presença será importante, desejada e muito bem-vinda.
Em nome do Dharma,
Colegiado Buddhista Brasileiro
http//cbb.bodhimand ala.com"
domingo, outubro 21, 2007
Meditação & Ciência
A propósito, existe um DVD onde Saikawa Roshi se submete à experiência similar no Japão. À venda no Busshinji - renda revertida para a construção do novo prédio.
segunda-feira, outubro 15, 2007
Cerimônia de ascensão à montanha
terça-feira, outubro 09, 2007
Mover-se
No Gabão, o elefante de floresta atravessa 1/3 do país em duas semanas para se alimentar de sais minerais em uma caverna.
No Japão, o poeta Bashö atravessavou o país a pé certa vez para escrever haikais para a lua que nascia por trás de determinado monte.
"Dias e noites vagueiam pela eternidade, assim são os anos que vêm e vão como viajantes que lançam os barcos através do mares ou cavalgam pela terra. Muitos foram os ancestrais que sucumbiram pela estrada. Também tenho sido tentado há muito pela nuvemovente ventania, tomado por um grande desejo de sempre partir."
Bashö
terça-feira, outubro 02, 2007
Os monges, em Mianmar
segunda-feira, outubro 01, 2007
Terra pura - Onde estamos?
"Por Deus, não posso entender, por que vamos chorando.
Se os nossos cicerones, são aves cantando.
Lateralmente as flores deitam perfume sorrindo
E ouço da natureza, que sejam bem-vindos.
O vento de quando-em-quando, num sussuro ameno,
obriga toda a floresta, a nos fazer aceno
É um festival de alegrias, que me põe a imaginar,
Não sei se devemos rir ou chorar."
Cartola, letra da canção: "Por Que Vamos Chorando?"
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"Com poderes penetrantemente extraordinários,
através de kalpas asam-khyeya,
Estou sempre no divino pico do abutre
E em qualquer outra morada.
quando todos, no final dos kalpas,
pensarem que estão em chamas,
Saiba que tranquilo é o meu reino.
Repleto de seres celestiais,
parques e muitos palácios adornados,
com todas as espécies de jóias.
árvores preciosas repletas de flores e frutos
Onde todas as criaturas se deleitam.
Todas as divindades tocando tambores celestiais fazendo
Música através da eternidade,
Chovendo flores mandarava em buda
E em sua grande assembléia.
Minha terra pura jamais será destruída.
mesmo assim todos a enxergam
Como se consumida em chamas.
aflições, terrores e desgraças
apoderam-se das vidas das criaturas errôneas.
devido ao seu karma negativo,
através de kalpas asam-hhyeya.
não compreendem os três tesouros.
Mas todos os que acumulam méritos,
são gentis e de natureza correta,
todos estes vêem que existo
E estou aqui esclarecendo a lei."
Buda Xaquiamuni, do Sutra da Flor de Lótus, verso XIII
domingo, setembro 30, 2007
Caminhada em Floripa
Eu e Joshin, por idéia dele, fomos antes na missa das 7 e meia da manhã, na Catedral Metropolitana. Desejávamos dar um aviso para o povo todo da caminhada; alguém talvez gostaria de juntar-se a nós.
Fazia muitos anos - quase 10, se não me engano - em que não ia a uma missa. Se duvidar, a última vez em que fui numa missa foi quando eu "recebi o Espírito Santo", a minha crisma. Desde então, perdi o hábito - se é que o tive - de ir à missa. Durante a liturgia de hoje, pensamentos e lembranças de tantas missas que eu fui, quando criança, voltaram com aquele caráter fragmentado e distante das lembranças muito antigas. Vi-me ora sentado, ora ajoelhado, ora caminhando, ora escutando. Era somente uma coisa a mais, como outras tantas coisas chatas.
De uns tempos para cá, porém, tenho sentido um desejo de aprofundar-me, de conhecer mais, na e sobre a experiência cristã. É interessante que o zazen me tenha aberto, de certa forma, a querer saber mais. Afinal, assim como um crente sofre com a "perda da fé", uma pessoa sem fé sofre ao ver-se amolecendo debaixo da chuva. Mas não se perde, ou ganha, nada.
Deixo um pouco liturgias e dogmas de lado - a forma - e olho de perto, para um "Deus vivo", que é a expressão que me veio à cabeça. Oxalá que possam viver sua fé, e este sacramento, nas suas vidas.
Joshin falou bem para o povo na catedral, com presença, palavras justas e bonitas. Comungamos, recebemos as bençãos da comunidade para nós, "irmãos de outras religiões", e tomamos café - todo mundo sabe que eu me rendo ao ser convidado a partilhar duma mesa... Agradecimentos ao padre Egidio e ao padre José; este último nos acompanhou em nossa caminhada.
quinta-feira, setembro 27, 2007
O rio
Silencioso dentro da noite.
Não temer as trevas da noite.
Se há estrelas nos céus, refleti-las.
E se os céus se pejam de nuvens,
Como o rio as nuvens são água,
Refleti-las também sem mágoa
Nas profundidades tranqüilas.
(Manuel Bandeira)
segunda-feira, setembro 24, 2007
sexta-feira, setembro 21, 2007
O som dos sutras
quinta-feira, setembro 20, 2007
Errantes do Samadhi (23 set)
Zazen com o monge Koun no Parque Vila Lobos - Recanto da Terceira Idade às 8h
Início da caminhada às 9h10 - saída do Parque Vila Lobos - Recanto da Terceira Idade
Percurso:
Vila Leopoldina, Lapa, Freguesia do Ó, Limão, Casa Verde, Barra Funda, Perdizes e Alto de Pinheiros.
Levar alimentação.
terça-feira, setembro 18, 2007
Filosofia ou Religião?
A filosofia do budismo ou budismo da filosofia
Deparamos muitas vezes com esta situação ambígua: o budismo é filosofia ou é uma religião. Não sendo uma religião no sentido convencional, ou seja de natureza monoteísta com suas concepções míticas de origem, queda, julgamento, punição e recompensa, mas com preocupações menos abstratas, e por ser desta forma, acabam por conceituá-lo como filosofia. É um preconceito. Não admitir que possa ser religião, o que não está inserido no padrão comum, devidamente aceito, demonstra uma limitação do entendimento das representações mentais quanto ao sagrado. Agindo assim, também vulgarizamos a filosofia, tendo que aceitar tudo o que a religião “oficial” descarta como elemento estranho ao seu campo de atuação.
Talvez o budismo possa ter, inclusive, postulado que se aproxima de uma especulação filosófica, devido ao seu caráter humanista, mas não pode ser considerado enquanto tal: outras problemáticas em questão. Historicamente, houve momentos que o budismo tenha se afastado das questões reais da existência, preocupando-se mais com discussões e teorizações de abordagem metafísica, comprometendo uma vivência real sob as circunstâncias adversas da produção concreta da vida. Haja vista a atitude de Eihei Dogen (1200 – 1253), jovem noviço treinando no Mosteiro Hiei, da Escola Tendai. Se todos possuem natureza de Buda, para quê devemos praticar? Teria questionado ele. Nenhuma resposta! Situação exemplar, com a qual retomamos a colocação anterior: religião ou filosofia?
Naquele momento, o Mosteiro Hiei era o mais importante centro de estudos budistas em todo o Japão, sem que nenhum rivalizasse com ele. Os melhores pensadores, os intérpretes, tradutores e catedráticos. Esta descrição pode ser equivalente à melhor escola de filosofia, com todos os seus questionamentos no campo da teoria do conhecimento, da lógica, retórica e estética. Podemos pensar o Mosteiro Hiei como uma academia. Mas Dogen quer respostas mais conclusivas.
Se a filosofia pode se esgotar na discussão das idéias, propostas e conceitos, o budismo enquanto método de entendimento exige mais do que isso: a experiência. É no campo da experiência que o budismo afasta-se da filosofia especulativa para achegar-se a uma práxis que elimina o racionalismo e a antecipação de dados. Por isso, budismo não é ciência, também. Saber apenas que “todos possuem a natureza de Buda” é insuficiente para um verdadeiro praticante do Grande Caminho. Necessário, imprescindível, é a experiência.
Somente através da prática constante e disciplinada que a natureza de Buda se manifesta no postulante. Sem esta prática, o budismo se torna ineficiente: calcado em aceitação passiva, num ato de fé acrítico, dificilmente aquilo que se encontra “fora” da mente e do corpo do fiel, por carecer da experiência, a sabedoria se realiza.
Não apenas a mente deve apreender o conhecimento, mas igualmente o corpo. Limitar-se unicamente a textos antigos, como os sutras, não possibilita a compreensão daquilo que está escrito. E nenhuma linguagem será suficiente para transmitir a sabedoria, que não pode ser fragmentada, mas apreendida em sua totalidade. Ainda assim, insuficiente. Se a prática encontrar-se ausente, o texto nada mais é do que especulação, um diletantismo irresponsável e egoísta. Se o budismo que praticamos constar de sermões entusiasmados, exaltação da fé, dos poderes extraordinários, então cairemos na religião fácil e mediana dos fanáticos. Não é desta forma. Propomos a prática.
A prática se realiza tanto nos templos como no cotidiano. Se acharmos que o templo é local sagrado, temos de sacralizar também o cotidiano. Isso acontece quando a prática está presente em todos os espaços. A condição para isso é a manutenção da mente alerta. Por isso, treinamos a mente fazendo zazen. Com a mesma mente do zazen, ou alerta, possamos enfrentar os dilemas do mundo em ebulição.
Uma religião comprometida em controlar as incertezas provenientes da mente iludida consiste o budismo.
Por isso, é religião ou filosofia?
sexta-feira, setembro 14, 2007
O tocar de um sino...
Estas frases fazem parte do texto..."Deixe vir, deixe ir, meditar é aprender a esquecer", escrito por Seigen (Bruno Mith) e publicado na Revista Bons Fluidos, nº 101 de setembro 2007.Belas fotos ilustram o texto.Vale conferir.
segunda-feira, setembro 10, 2007
Sesshin em Florianópolis
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Doze praticantes ouvem palestra do Dharma, cuja compreensão ultrapassa os limites da razão.Ao internalizarmos os ensinamentos, estudamos, como nos ensina Dogen, a nós mesmos.
sexta-feira, setembro 07, 2007
Na poltrona do avião
Interessante, não? O que é "A Meditação", para a grande maioria de pessoas que não praticam-na? As maiúsculas falam daquilo que pode passar pela cabeça de muita gente: que A Meditação é uma coisa especial, que requer coisas especiais, lugares especiais - até mesmo pessoas especiais. Não é a toa que se venda, assim como muitas coisas especiais, A Meditação. Meu amigo é uma pessoa muito bem informada, o que me deixou um tanto pasmo com a pergunta: "é possível meditar numa poltrona de avião?" E por qual motivo não seria? O que falta? O que sobra?
Numa das palestras do monge Genshô, aqui na universidade federal, um moço jovem pergunta se seria possível meditar nas atividades do cotidiano: andando, por exemplo. Genshô responde: comece a praticar, primeiro, e pergunte mais tarde.
quinta-feira, setembro 06, 2007
Shushogi: 31
31. Esses budas são o Buda Shakyamuni. O Buda Shakyamuni é “a própria mente em si ser Buda”. Quando os budas do passado, do presente e do futuro atingem a iluminação, todos se tornam Buda Shakyamuni. É isso que significa “a mente em si ser Buda”. Devemos investigar cuidadosamente o que significa “a mente em si é Buda”. É assim que demonstramos gratidão aos budas.
***
Que os méritos desta prática
se estendam a todos os seres
e assim possamos todos realizar
o Caminho da Iluminação
quarta-feira, setembro 05, 2007
Shushogi: 30
terça-feira, setembro 04, 2007
Shushogi: 29
segunda-feira, setembro 03, 2007
Errantes do Samadhi (02 set)
Desta vez não fiz uma crônica mas quero citar as palavras de um professor de arquitetura e urbanismo - ciclista cotidiano há mais de dez anos. Falando aos seus alunos: "Vocês também podem mudar e largar o automóvel. Nossas cidades são como nós, obras inconclusas, não passam de acapampamentos de refugiados que não sabem pra onde ir. Só nós podemos nos opor a essa mercantilagem vil e peçonhenta do espaço urbano. O inferno não são os outros, somos nós." Alexandre Delijaicov, em matéria da revista Piauí_11.
Eu ainda acrescentaria: o rio Tietê passa por dentro de todos nós.
sexta-feira, agosto 31, 2007
Shushogi: 27
quarta-feira, agosto 29, 2007
Errantes do Samadhi (convite: 02 set)
Alto de Pinheiros
Parque Vila Lobos
Jaguaré
USP
Rio Pequeno
Butantã
Vila Sônia
Morumbi
Itaim Bibi
Parque Ibirapuera
Jardim Paulista
Pinheiros
Alto de Pinheiros
A saída será da Fnac de Pinheiros (praça dos Omaguás, 34 - porta de entrada), domingo 02 de setembro às 9h15. São mais ou menos 25 km. Levar alimentos, a bebida compramos pelo caminho. Quem não puder fazer toda a caminhada poderá fazer apenas uma parte. Até lá!
segunda-feira, agosto 27, 2007
Shushogi: 25
domingo, agosto 26, 2007
Shushogi: 24
sábado, agosto 25, 2007
Shuhsogi: 23
sexta-feira, agosto 24, 2007
Shushogi: 22
quinta-feira, agosto 23, 2007
Shushogi: 21
quarta-feira, agosto 22, 2007
Shushogi: 20
Shushogi: 19
terça-feira, agosto 21, 2007
Shushogi: 18
IV. Fazendo o voto de beneficiar todos os seres
18. Despertar para a mente da iluminação é realizar o voto de salvar todos os seres antes de salvar a si próprio. Leigo ou monge, ser celestial ou humano, sofrendo ou em paz, devemos rapidamente desenvolver a intenção de salvar os outros antes de salvar a nós mesmos.
segunda-feira, agosto 20, 2007
Verso de Transmissão
Brilha sem precisar ser polida.
Keisan Jõkin
sexta-feira, agosto 17, 2007
Shushogi: 17
"Seu Antenor"
Seu Antenor é uma pessoa comum.Aposentado, aos oitenta anos, tem problemas pulmonares e também cardíacos.Marcas prováveis de sua atividade profissional.Foi estivador.Quatrocentos reais de aposentadoria, é o que recebe para viver.Valor insuficiente, sequer para custear os seus medicamentos.
As dificuldades enfrentadas na vida, passadas e atuais, são minimizadas pela atenção e cuidados dispendidos por seus familiares - esposa, filhos, filhas, noras e netos, visitas diárias no hospital.
Seu Antenor ao relembrar o tempo que passou, reconstrói a sua vida sem ressentimento.O mar é a lembrança recorrente.Do mar sairam as sacas pesadas que transportou no lombo.Um mar com águas cristalinas ainda não contaminadas, onde botos nadavam na orla da praia.Observado com apreço por seus familiares, refaz em breves relatos a história de sua vida.
Este senhor de origem humilde e modos educados, testemunha e nos ensina com sua história pessoal que mesmo a dura realidade da vida permite acolher sentimentos de amor, alegria e gratidão.
Se estamos habilitados a viver moldados por estes sentimentos, percebemos e aceitamos as limitações e restrições frequentes à vida, e acabamos por compreender, assim como Seu Antenor, que a vida é o que fazemos dela.
Caminhada cancelada
quinta-feira, agosto 16, 2007
Shushogi: 16
Errantes do Samadhi (12 ago)
Cheguei na estação Alto do Ipiranga faltando dez minutos para as nove horas, até a hora combinada para partida apenas uma abelha pousou na minha mão por uns dois minutos, depois voou, mais ninguém apareceu. Conversei rapidamente com um velho preto com roupas e boina com estampas africanas. Parti, sabendo que sete ou oito horas depois chegaria naquele mesmo lugar, porém pelo outro lado da rua. O sol tímido parecia uma lua branca por trás das densas nuvens de inverno. Virei uma esquina e me deparei com um aglomerado de evangélicos na saída do culto da manhã. No próximo quarteirão uma moça em trajes sensuais abria o portão de casa com um capacete preto na mão e um sorriso malicioso, falava aos berros com alguém dentro da casa. Ruas e mais ruas desertas. Já próximo do Parque da Independência, um senhor baixo de camisa azul e pele avermelhada, me abordou pedindo uma contribuição para a passagem do ônibus, ele tinha setenta centavos, dei-lhe um e sessenta, mas depois olhei para ele: "O senhor ainda paga passagem?", ele respondeu: "Você é branquinho assim vai ver, quando tiver quarenta, dirão que tem cinqüenta, quando tiver sessenta, dirão setenta". Pode ser. Ele agradeceu muito rapidamente e sai andando mais rápido ainda, fui atrás, pois ia na mesma direção. Quando ia passando por ele, ele me perguntou se eu ia a pé, disse que sim, ele fez menção de me devolver o dinheiro, mas eu esclareci que ia a pé de propósito. Fiz o primeiro lanche num banco do parque. Enquanto comia uma banana e uma metade de pão com mel, fiquei observando uma senhora que passeava seu cão e tentava se aproximar de uma cadela vira-lata que a seguira. Mais acima uma aula de taichi, o professor, com traços ocidentais, associava sons aos seus movimentos. Vinte minutos depois eu atravessava um viaduto sobre uma linha de trem. Um viaduto para carros com apenas uma calçada estreita para pedestres. Sempre que passo em viadutos assim redobro a atenção, é um lugar sem ponto de fuga em possível caso de assalto. Passaram por mim três homens e logo depois veio um mendigo muito sujo e molambento, com um saco plástico cheio de comida misturada. A calçada mal tem espaço para uma pessoa, fiquei pensando, se aquele mendigo resolve parar na minha frente, se ele quiser me oferecer comida por exemplo, o que eu faço? Ele vinha conversando com um "fantasma", acho que foi isso que me salvou do meu medo, o fantasma dele. Quando passou por mim abriu bastante espaço e sorrindo manteve o rosto na direção contrária a mim falando e ouvindo qualquer coisa. Lembrei que, se o pássaro que canta e a noite estrelada não estão separados de mim, aquele mendigo de certa forma também era eu. Logo depois, já descendo do outro lado do viaduto, vi lá embaixo através da cerca do viaduto uma mini-favela, uma invasão do tamanho de uma pequena praça. Casas feitas de pedaços de papelão e madeira fina. Escadas tortas que levavam a um futuro segundo andar. Esgoto a céu aberto. Pessoas em diversas atividades como um banho de caneca ou um bate papo sentado no meio fio encardido. Uma placa com dizeres tão bens escritos em fundo colorido destoava daquela paisagem. Mais curiosa era a forma como eles souberam lidar com as árvores que já existiam na praça, construindo os cômodos de suas casas à sua volta, então, dentro de uma sala pode haver o tronco e o princípio dos galhos de um jacarandá mimoso. Qunize minutos depois, após subir uma longa avenida passo num Mc Donalds apenas para me servir de suas instalações sanitárias, o que agradeço na saída. Estou na Mooca, bairro típico de colonização italiana, antigo bairro operário, com moradias em pequenos blocos de apartamentos rodeados de área verde, um lugar muito agradável. Alguém tocava a nona sinfonia de Beethoven numa gaita por trás de um portão. O sol agora esquentava um pouco, fazendo desenhos desfocados nas calçadas e nos muros. Parei para comprar uma bebida, ao sair do supermercado, vi uma moça assim de uns dezessete anos vendendo alguma coisa numa cesta, pensei, ela vai me oferecer e aconteceu. Ela precisava pagar a conta de luz, por isso estava vendendo velas e miniaturas de cadeira com um carrinho de plástico. Me propus a comprar uma miniatura, não tinha troco, ela insistiu, não tinha vendido nada ainda naquele dia "Por favor!". Entrei no mercado para trocar a nota de dez que eu tinha, lá de dentro vi que ela me esperava, era bonita com um cabelo bem tratado, uma roupa simples verde musgo. Reparei que ela tinha uns cacoetes que a fazia abrir a boca em pequenos espasmos e mais tarde reparei em algumas feridas ao redor da boca. Pensei, "Quem será essa pessoa?" Finalmente conseguimos trocar o dinheiro com um cara que assistia, da calçada, a uma missa protestante num enorme salão. Disse-me ela que quem fazia os objetos que ela vendia era o pai. Um pouco mais adiante como o primeiro sanduíche de carne assada com maionese que havia levado. Estou agora num segundo viaduto, atravessando outra ferrovia. Entro no bairro de Belém exatamente ao meio-dia, os sinos de uma antiga catedral confirmam o horário em doze badaladas que me assustaram a princípio. Ao lado da catedral dezenas de homens, uns velhos, outros não, jogavam dominó. Este bairro tem casas e estrutura urbana bastante decadentes, quase tudo é cinza-enegrecido. Nas ruas identifica-se um sotaque nordestino. Pego a rua catumbi e logo depois a rua cachoeira. Vejo algumas famílias passeando. Quatro amigos sentados na entrada de uma loja fechada comem um frango assado nas mãos. Um opala preto fosco que a princípio julguei estar abandonado, tem alguém em seu interior tentando insistentemente ligar o motor. Uma obra da prefeitura com um buraco mal-cheiroso. Mais à frente, ruas "medievais", ruas bastante estreitas, algo que nunca tinha visto em São Paulo. Estou no bairro Pari. Descendo uma ladeira um poodle branco sujo e sem coleira mal se dá o trabalho de me olhar, apenas me fareja em movimentos rítmicos de nariz. Mais abaixo uma criança boliviana chuta lixo. Um pouco depois dois homens também de origem boliviana passam num papo amistoso, cada um em sua bicicleta e em cada bicicleta uma barraca de feira desmontada e presa na transversal, quase não cabendo naquelas vielas. Logo depois descubro que iam para a feira onde eu passava naquele momento. Feira de imigrantes bolivianos recém-chegados, com barracas de artesanato típico, barracas-barbearia com quadros pendurados com dezenas de fotos de diferentes cortes de cabelo e barba. Noutra barraca: "Saltenhas mágicas de Don Marcos" dizia um cartaz. Atravessei as movimentadíssimas avenidas do Estado e Tiradentes. Na saída de uma faculdade, alunos comentavam preocupados as questões de uma prova acabada de fazer. Estou agora no bairro Bom Retiro, bairro tradicional de judeus que recentemente passaram a dividir com imigrantes da Coréia, o que posso constatar facilmente pelos restaurantes desse país e pelas pessoas que passam por mim, com feições orientais diferente dos chineses e japoneses. Próximo à gráfica do jornal Folha de São Paulo tomo em dois goles um delicioso suco de laranja com mamão. Já percorri metade da caminhada que me propus, estou cansado, as pernas doem um pouco, é uma hora da tarde, ainda faltam quatro horas até o final. "Será que mudo o percurso e vou direto para casa?", "Será que pego um ônibus?". Resolvo continuar, até porquê agora quem não quer parar são as minhas pernas. Subindo a avenida Angélica, em Higienópolis, passam por mim duas Ferraris, uma preta e uma vermelha, mais acima os dois carros param num posto de gasolina, pai e filho, lembro que hoje é dia dos pais. Cruzo a avenida Consolação, na avenida Paulista saco algum dinheiro num caixa rápido, compro uma cerveja sem álcool e como meu segundo sanduíche de carne assada, este sem maionese, sentado numa praça próximo ao parque Trianon. Uma menina de uns dez anos tira fotos com o pai, lembro mais uma vez que hoje é dia dos pais. Sigo meu rumo descendo o bairro de edifícios residenciais altos, Jardim Paulistano. Passo pela entrada do parque Ibirapuera e cruzo a Vila Mariana em ruas quase desertas. Já são quatro horas da tarde. Tomo um mate gelado no shopping Sta. Cruz e sigo o último trecho da viagem, descendo uma rua enorme que me levaria após alguns minutos ao meu ponto de partida. Neste caminho, uma senhora, uma vovó de uns 80 anos de idade me aborda. Pele branca e enrugada com manchas aqui e ali e olhos verdes. Com um ar muito sofrido, diz que nunca pediu nada na rua mas que agora tinha que fazê-lo. Iria se operar de alguma coisa que não me lembro o nome, me mostrou uns calombos nos ante-braços e disse que também estava sofrendo de depressão e precisa comprar uns remédios. Apenas um dos remédios custava trinta e cinco reais! Disse que em frente à igreja onde vendia bonecas de pano, as pessoas ficavam rindo dela. Comprei uma boneca e fui acabando mais esta caminhada, chegando como eu previra pelo outro lado da rua. Cheio de alegria, às quatro e cinqüenta e nove entrei na estação de metrô Alto do Ipiranga novamente. Numa trajetória circular, tracei a roda do dharma sobre a cidade de São Paulo.
quarta-feira, agosto 15, 2007
Encontros necessários
Terça-feira à noite, o templo vazio, só um monge praticando, sozinho. No momento do kinhin, o porteiro abre cuidadosamente a porta do salão e chama-lhe: “Há um homem na portaria, ele veio de longe, não conhece muito bem a cidade, não sabia dos horários apropriados, você pode recebê-lo?” Há dias certos para que iniciantes recebam as intruções para o zazen, o que é feito na sala de chá, mas, como não há ninguém nessa noite, o monge concorda em receber o homem. O porteiro desce, abre o portão do templo e o homem entra. Em voz baixa saúda o monge e, meio sem jeito, pergunta se é preciso tirar os sapatos. Assim que os descalça e põe os chinelos, entra na Sala de Buda. O monge indica-lhe um zafu ao lado do seu e começa a explicar os procedimentos para o zazen. O homem, um pouco confuso, o interrompe: “Desculpe-me, mas não entendo o que você diz. É que esta é a primeira vez que venho a uma igreja messiânica”. Supreso, o monge lhe esclarece que estavam num templo budista, a igreja messiânica era no quarteirão de cima. O homem se dá conta de que havia “entrado na igreja errada”. Após alguns segundos de hesitação, o homem pergunta: “Mas vocês também fazem cerimônias para os antepassados? É que eu queria fazer uma para os meus.” O monge lhe diz que sim. O homem se alegra, pergunta os detalhes, anota o telefone da secretaria e sai aliviado e contente. O monge volta para o zafu.
O homem aprendeu que não há igreja errada.
E o monge aprendeu que, antes de mais nada, é preciso perguntar: "O que você deseja"?
Shushogi: 15
da crítica
terça-feira, agosto 14, 2007
Samantabhadra-Sutra.
O oceano de todos os obstáculos kármicos
eleva-se unicamente das ilusões.
Se você quer arrepender-se,
sente-se na postura correta e concentre-se na verdadeira realidade.
Todos os delitos são como a geada e o orvalho.
O sol da sabedoria permite-lhes evaporarem-se.
Sobre Shushogi
Como todo texto, pode ser lido sob inúmeros vieses: teológico, literário, histórico, marxista etc. Pode ser cotejado com outros textos budistas ou mesmo comparado ao pensamento das diversas tradições.
Para o praticante, deve servir fundamentalmente de inspiração para a prática. O praticante sincero, que renunciou à compreensão limitada do intelecto e lançou-se nos domínios do não nascimento, não perde de vista o caráter aprisionador das palavras. Um exemplo pode ser dado a partir de Fukanzazengi.
Neste texto, apresentam-se as instruções para a prática de zazen. Um estudioso pode lê-lo por toda a sua vida. Há alguns pontos de difícil compreensão: o que significa, por exemplo, “pensar além do pensar e do não-pensar”? Quais a similaridades entre o Shikantaza ensinado por Dogen e o Vipassana? Então se recorre a outros textos, Zanmai-Ozanmai, Zazenshin e assim por diante. Pode-se bem passar uma vida nessa atividade. Ou pode-se praticar o zazen, sobre um cobertor enrolado, no quarto, virado para a parede, assim que as crianças dormirem.
Voltando ao Shushogi, o mesmo se aplica. Sua leitura deve ser tão fugaz como as gotas de orvalho na manhã, para usar um símile apreciado por Dogen. Assim que as palavras são lidas, elas já não mais existem, quem as leu igualmente, o papel também, assim como a tinta, os olhos e a mente. Livre, o praticante põe o livro de lado e senta-se no samadhi diante da parede.
Aquele que pratica o zazen buscando a iluminação, certamente fracassará. Assim como aquele que lê buscando a compreensão.
Em Fukanzazengi Dogen é enfático: não há diferenciação entre prática e iluminação. Este ponto é fundamental.
Qual é, então, o objetivo de ler esse texto? E qual é o objetivo de praticar zazen?
Shushogi: 14
segunda-feira, agosto 13, 2007
Criticando o Shushogi
12º. Alguns desafortunados e isentos de virtude são incapazes de ouvir a pronúncia dos Três Tesouros, mais ainda de tomar abrigo neles. Quando cometem erros, ficam temerosos e acabam buscando conforto nos espíritos que habitam as montanhas, nos fantasmas errantes e nos ensinamentos duvidosos. Desconhecem que agindo desta forma, não podem se livrar da rede dos sofrimentos. Se assim for, com urgência tomemos abrigo nos Três Tesouros, capaz não apenas de aliviar-nos do sofrimento mas principalmente possibilitar a realização da Iluminação.
Esta é a tradução comentada do parágrafo 12 de Shushogi. A respeito, tenho a dizer que Shushogi é uma compilação simplificada de partes de Shobogenzo. Teria sido divulgado para os leigos japoneses, usado atualmente nas cerimônias memoriais. Na minha tradução não se usa o termo santuários não budistas, referindo-se às manifestações de uma religiosidade primitiva conhecido por xintoísmo. Ao ser lido sem conhecer o contexto em que foi publicado, talvez pareça estranho a menção de práticas supersticiosas no Japão. Tais práticas estariam enraizadas na cultura autóctene. Não que se tenha que negar estas práticas. O que se coloca é justamente a natureza de uma religião que almeja a Iluminação. O budismo como o entendemos enfatiza a prática somada a uma disciplina, que possa conduzir à renúncia e assim diminuir os efeitos do sofrimento. Não estamos capacitados a referirmo-nos às outras tradições religiosas, sejam monoteístas e politeístas, nos quais não insere-se o budismo. Mas o budismo ensina a compaixão, não como mero estado emocional carregado de fé, mas como um ato de sabedoria. No caso, haveremos de conviver com as múltiplas manifestações culturais e religiosas, algumas delas fundamentalistas. Nesta situação, não por tolerância, muito mais por compaixão. Nem mesmo este ato torna os budistas melhores do que os outros. Achar que os budistas estão acima de qualquer outra religião, cultura, etnia, e por isso alimentar a vaidade da pureza de seus atos me parece irreal. Por outro lado, apegar-se à linguagem unicamente é desconsiderar a realização da prática concreta nos campos históricos da ambigüidade criados pela ilusão de Maya. É preferível praticar ao invés de patinar nos deslizes da própria ignorância. Nada substitui a prática. Nada substitui o zazen. Afinal, foi assim que fez o príncipe Sidharta!
Podemos falar de budismo, desde que se considere a prática. Sem ela, um budismo de leituras paralelas não torna o leitor praticante. Se temos que falar de budismo, podemos começar com as nossas ações realizadas: ajudou alguém? visitou algum asilo? alguma creche?; verificou que a sua raiva é produto de sua própria mente iludida?; que sua vaidade é uma droga?; que toda droga cria mais ilusão e sofrimento? Se estes atos não forem considerados, um budismo apenas de palavras é imoral.
Mente dividida
Tratando-se das experiências do sagrado, de muito a distância entre as partes tornou-se censo comum. Mergulhado num universo fantástico no qual desfilam os símbolos, estes continuam símbolos nos discursos apologéticos, sem contaminar-se com a poeira das vaidades do mundo da cultura e da produção histórica. Como fossem coisas diferentes. Enfim, o maniqueísmo racional das polaridades eqüidistantes acabou permeando a nossa forma de atuar no mundo.
Não se trata, no entanto, apenas das religiões adâmicas e messiânicas este condicionamento. Outras tradições religiosas, inclusive, erram ao cometer o mesmo deslize. E nem o budismo zen pode escapar desta situação. Comprova este fato o comportamento de muitos praticantes, que diferenciam a vida comum da vida em ação meditativa durante o zazen. Surge neste momento, o perigo. Se não se consegue estender a prática da meditação sem objetivos, com a prática do cotidiano, então a ilusão não pode ser maior. Deixa transparecer a impressão de que o zazen é um paliativo diante da violência emocional durante a lida.
Neste caso, talvez haja falta de prática mais intensa, pois a mente em atenção cede lugar para a mente condicionada. Alguém chegou a me dizer de que a vida comum não acolhe a prática budista da Iluminação. Para quem se esforça a ensinar esta prática, esta afirmação não poderia ser mais desanimadora. Venceu a mente condicionada. Para esta mente, a aceitação das regras do jogo social, da maneira como apresentada, é fator determinante da vida. Se assim for, nada valerá a prática budista. A prática budista é justamente para quebrar tal condicionamento, a fim de sairmos das malhas da ilusão. Esta mente condicionada justifica que o mundo do trabalho impõe determinadas atitudes como responder a altura, quando agredido, fazer o jogo político, levar vantagens, buscar recompensas e lucros. Assim fica difícil a vivencia da sabedoria e compaixão ensinada pelo budismo. Na verdade, a prática budista deve se realizar nas condições mais efêmeras, contraditórias e deselegantes de nossa vida. Não que este mundo em que vivemos seja a realidade, pelo contrário, a ilusão criada por Mara. Trata-se de mundo de samsara, inconsistente em sua natureza, um sonho dentro de um outro sonho. Ainda assim, pela sua chama de sensualidade e atração, o som do flautista de Hamelin, somos conduzidos como ratos para se atirar nas correntezas do rio. Em todo momento, recusamos a Iluminação, o caminho da compaixão, em detrimento ao ciclo de sofrimentos produzidos pelo nosso próprio karma. O karma da ignorância.
Penso que aqueles que escolheram a prática budista como norteador de suas vidas, como candidatos potenciais à Iluminação. Mais do que palavras de alento, estes praticantes necessitam da experiência da Iluminação no próprio samsara. Quando puderem sentir o mundo como único, sem diferenciações, nem divisões, então a sabedoria estará mais próxima. Até mesmo os iludidos, os deludidos, conseguirão triunfar, desde que a mente se torne única com o mundo, este mundo único.
A experiência com o sagrado no contexto do budismo zen é o reconhecimento do mundo da ilusão como terreno fértil para o plantio e semeadura da Iluminação. Não existe fuga para o budismo, nem para fora dele. Não existe fuga deste mundo em que vivemos. Quanto mais tentamos fugir dele, mais nos encontramos nas entranhas da existência delusão/iluminação.